Representantes do movimento Black Lives Matter nos Estados Unidos marcaram um encontro com ativistas brasileiros na Casa Pública. O evento fez parte de uma semana intensiva de atividades que promoveram o intercâmbio de ideais, experiências, estratégias e histórias entre os dois grupos.
O evento começou com um café da manhã onde participantes que foram vitimas de violência policial ou que lutam contra estas violações tiveram a oportunidade de comparar as realidades vividas nos Estados Unidos e no Brasil.
A organizadora do evento, Patrícia de Oliveira, disse que a ideia surgiu de uma conversa que ela teve com Liz Martin da Brazil Police Watch. Martin vive em Boston ,nos Estados Unidos, mas seu sobrinho foi morto no Brasil.
“Queríamos fazer algo próximo das Olimpíadas. Existe violência policial no mundo todo, mas geralmente nos Estados Unidos estes casos são investigados mais a fundo. Aqui, a maioria dos casos nem são investigados”, diz.
Black Lives Matter, Don’t Kill For Me: Safe Games for All e Brazil Police Watch se juntaram a uma série de grupos militantes sediados no Rio de Janeiro. Entre eles estavam as Mães de Maio, rede de Comunidades e Movimentos Conta a Violência, Fórum de Juventudes Rio de Janeiro, Fórum Social de Manguinhos, Coletivo Papo Reto e a Campanha pela Liberdade de Rafael Braga.
O café da manhã informal foi seguido de uma conferência de imprensa sobre a vinda do Black Lives Matter ao Rio de Janeiro. A imprensa nacional e internacional foi convidada e jornalistas da Associated Press, CNN e TV Brasil compareceram ao evento.
O pastor John Selders, originalmente de Saint Louis, no sul nos Estados Unidos, agora trabalha em Connecticut onde fundou o grupo Moral Monday CT. Selders disse que o assassinato de Michael Brown Ferguson em Missouri incentivou muitos ativistas negros a entrarem na luta. Um menino de 18 anos, Michael Brown não estava armado quando o policial branco Darren Wilson disparou o tiro que levou a sua morte. O ocorrido, aconteceu em Agosto de 2014 e instigou uma onda de protestos nos Estados Unidos.
“Aquilo representou um apelo para entrarmos em ação,” Selders disse.
“Organizamos manifestações agora que os jovens chamam de “turn-ups”. Estes “turn-ups” criam um espaço politico para que a transformação possa ocorrer. Gera atenção e conscientização e pressiona as pessoas.”
“Será que não podemos simplesmente parar de fazer isso? Podemos simplesmente parar de matar pessoas negras?”
Vitimas de violência policial contaram as suas histórias. De braços dados, muitos se comoveram a ponto de chorar escutando estes relatos.
UNICEF estima que cerca de 10,500 crianças e adolescentes são mortas todo ano no Brasil, sendo que destas crianças as negras tem quatro vezes mais chance de morrerem que as brancas.
Em São Paulo, por exemplo, é tão grave que uma em cada quatro mortes é causada pela policia.
“Todo dia que sobrevivemos na favela já é em si um ato de resistência”, disse Cosme Felippsen do Morro da Providência no Rio, que é, também, a favela mais antiga do Brasil. Em 2010, o seu irmão morreu dentro de uma viatura policial com apenas 17 anos. A policia alegou que o menino fora resgatado de um conflito que havia ocorrido entre a policia e uma gangue de traficantes e que estavam o levando para o hospital. Cosme, porém, acredita que o irmão foi assassinado dentro do veiculo.
Durante a conferência de imprensa, muitos ativistas deram destaque ao dever que a mídia tem, tanto no Brasil quanto no exterior, em conscientizar as pessoas sobre a importância que a raça tem em ocorrências de violência policial. Ana Paula de Oliveira, cujo o filho Jonatha foi assassinado por policiais a dois anos atrás na favela de Manguinhos, criticou a mídia brasileira por dar mais luz a realidade norte americana que à brasileira.
“Fui para uma reunião na ONO em Genebra porque é preciso ir para outro pais para dar visibilidade ao que está acontecendo aqui”, ela disse. “Parece que as mortes não tem importância aqui. Você tem que ir para outros lugares para poder denunciar o que acontece aqui. É importante para a gente mostrar o que realmente está acontecendo aqui.”
Segundo ela, a imprensa brasileira faz reportagens sobre mortes causadas por policiais nos Estados Unidos destacando que policiais brancos matam vitimas negras, porém, a raça não ganha a mesma importância quando se trata do Brasil.
Ativistas do Black Lives Matter disseram que nos Estados Unidos a percepção que se tem do Brasil é alegre. Se associa o pais às praias, carnaval e às Olimpíadas já que a questão da violência policial recebe pouca cobertura.
O intercâmbio entre os ativistas brasileiros e norte americanos seguiu até domingo (dia 24). Um dos maiores destaques da semana foi uma vigília feita em nome das vitimas do massacre da Candelária, onde policiais mataram oito crianças e adolescentes que dormiam na rua no centro da cidade há 23 anos atrás. Vários outros que conseguiram escapar saíram do local feridos incluindo o irmão de Patrícia de Oliveira.
Os grupos compararam as diferenças e semelhanças que existem entre os dois países incluindo as experiências distintas que tiveram com relação ao racismo.
“O racismo pode parecer diferente, mas os nossos ancestrais são os mesmos. Nossas vidas dependem da solidariedade. Nos não vamos ser exterminados. Nos não vamos morrer. Mas vamos sim declarar que parem de matar a gente”, disse B Gray de Ferguson nos Estados Unidos.