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Embora ministro Ernesto Araújo tenha sugerido mediar conflito, rede bolsonarista impulsiona tweets contra China

Reportagem
20 de março de 2020
20:16
Este artigo tem mais de 4 ano

A pandemia de coronavírus, que já infectou mais de 250 mil pessoas no mundo, também viralizou nas redes sociais. O assunto ocupa os assuntos mais comentados do Twitter – Trending Topics – há mais de uma semana, entre postagens de atualizações sobre a doença, piadas sobre a quarentena e disseminação de boatos.

Segundo levantamento feito pela Agência Pública, a hashtag #VirusChines, que chegou aos Trending Topics no Twitter ontem (19 de março), contou com o auxílio de robôs e foi coordenada por influenciadores virtuais.

Tudo começou quando, no dia 18 de março, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho zero três do presidente, retuitou postagem de Rodrigo da Silva, fundador do portal Spotniks, que culpa o governo chinês pela pandemia do coronavírus. “A culpa é da China e liberdade seria a solução”, acrescentou.

Tuíte de Eduardo Bolsonaro que acusa governo chinês pelo coronavírus

Menos de 12 horas depois, a Embaixada da China no Brasil repudiou o posicionamento do zero três. “As suas palavras são extremamente irresponsáveis e nos soam familiares”, respondeu o órgão em sua conta oficial de Twitter.

O embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, também respondeu ao deputado “Tal atitude flagrante anti-China não condiz com o seu estatuto como deputado federal, nem a sua qualidade como uma figura pública especial”, tuitou marcando o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a Câmara dos Deputados e o presidente da Casa, Rodrigo Maia.

O ministro das Relações Exteriores se pronunciou em favor do deputado Eduardo Bolsonaro, mas ressaltou que as opiniões do zero três não refletem a posição do governo brasileiro. Para amenizar as tensões, o presidente Jair Bolsonaro tentou entrar em contato com o presidente chinês, mas não foi atendido.

Enquanto o Itamaraty tentava reduzir as tensões com a China, redes bolsonaristas levantaram a #VirusChines. Em questão de horas – durante a madrugada do dia 19 de março – a hashtag chegou aos Trending Topics no Brasil.

A Agência Pública levantou e analisou todas as postagens com a #VirusChines das 9h às 17h50 do dia 19 – período no qual a tag ficou entre os assuntos mais comentados incessantemente. Foram 94 mil tuítes e retuítes – uma média de 3 por segundo –, nos quais foram constatadas evidências de manipulação algorítmicas com o uso de contas automatizadas.

Além disso, a reportagem descobriu que o uso das hashtags também foi organizado pelo Whatsapp. Em pelo menos 16 grupos de apoio ao presidente Jair Bolsonaro foram enviadas mensagens pedindo que os membros tuitassem e retuitassem a #VirusChines durante o dia.

A mensagem retuitada por Eduardo Bolsonaro que deu origem à polêmica também foi compartilhada em grupos de Whatsapp como forma de corrente.

Mensagem que culpa governo chines pelo coronavírus foi compartilhada por Whatsapp

Influenciadores impõem narrativa

Grande parte das mensagens de Whatsapp que pediam que as pessoas “subissem a tag” estavam acompanhadas de um tuíte de Leandro Ruschel, influenciador bolsonarista que acumula mais de 370 mil seguidores no Twitter.

Ruschel foi um dos primeiros a usar a hashtag ainda no dia 18 de março, menos de 1 hora depois do posicionamento do embaixador chinês. “Vamos aproveitar a liberdade que o Partido Comunista Chinês nega ao seu povo, para reafirmar: #VirusChines!”, publicou. A postagem teve mais de 3,8 mil retuites e 13 mil curtidas.

Influenciador bolsonarista foi um dos primeiros a postar a tag #viruschines

Ele fez outras 18 publicações com a hashtag – a grande maioria durante a madrugada do dia 19 de março. Às 1h43 da manhã ele comemorou “#VirusChines subindo nos TT’s”. Das 9h às 17h50, período monitorado pela reportagem, Ruschel só publicou 3 vezes com a tag, mas foi mencionado ou retuitado mais de 7,2 mil vezes por perfis que publicaram a #VirusChines.

Além de Ruschel, outros influenciadores digitais que apoiam o presidente Jair Bolsonaro também tiveram grande influência para levantar a hashtag. O youtuber e diretor do portal “Brasil Sem Medo”, Bernardo Küster foi mencionado ou retuitado 5,4 mil vezes em postagens com a #VirusChines.

O perfil Bolsoneas também articulou pessoas em torno da #VirusChines. Em tom de ironia, alertou seus seguidores a não usarem a tag, pois a “extrema-imprensa mundial” ficaria “chateada”. Foi o único post que o perfil fez com a hashtag, mas conseguiu 2,6 mil retuítes e foi o 6º perfil mais mencionado, com 3,3 mil menções ou retuítes.

Robôs engajam

Os 94.243 tuítes feitos com a hashtag dentro do período de 8 horas analisado vieram de 27.982 perfis. A média é de 3,38 tuítes por usuário, mas, na realidade, apenas 187 (0,67%) perfis foram responsáveis por mais de 10% das postagens.

O usuário @aasteixeira foi o mais ativo. A conta tem 5.826 seguidores, 190 mil tuítes, e parece estar ligada a uma pessoa real. Porém, alguns dados indicam comportamentos automatizados.

Às 11h11 do dia 19 de março, Artur, que leva em seu nome de usuário a própria hashtag #VirusChines, seguida pelos emojis da bandeira do Brasil, Israel e Estados Unidos, fez 13 retuítes no mesmo minuto. Ao todo, foram 219 posts com a tag, todos retuítes, alguns postados com menos de 5 segundos de diferença entre eles.

Retuitar muito também é uma prática comum entre os 10 usuários que mais publicaram a hashtag — ao todo, as contas fizeram 1.448 tuítes, dos quais 947 são retuítes, ou seja 65%. @mceliaraujo, @ana_paula_nery e @SammirSouza também estão entre as contas que não produziram nenhum conteúdo original, somente republicaram. Eles foram responsáveis por, respectivamente, 121, 116 e 153 retuítes com a hashtag.

Segundo Sergio Denicoli, o excesso de retuítes e o grande volume de publicações em um curto período de tempo são evidências de automação para interferir no debate público. “Inicialmente os perfis fazem esse volume maior de postagem até que isso vá se dissolvendo e as pessoas vão absorvendo aquela informação”, explica o CEO da AP Exata.

@LIRAXXX, cujo nome de usuário destaca o número 38 — número do recém criado partido de Bolsonaro, o Aliança Pelo Brasil — , também traz evidências de automatização. No período analisado, publicou 200 vezes a frase “#VirusChines Não podemos deixar barato!!!!!!!”.

@LIRAXX fez tuítes com texto repetido

A AP Exata está analisando o debate no Twitter a respeito do coronavírus. Segundo a agência, 8,38% dos usuários que mencionaram a doença e usaram a tag #VirusChines são perfis de interferência, ou seja, “robôs ou perfis criados para interferir no debate público”, explica Denicoli. Por mais que pareça uma porcentagem pequena, o pesquisador garante que é uma média alta já que os esses perfis produzem um grande volume de tuítes. A análise também é restrita, pois só considera tuítes originais e geolocalizados, de forma que a presença de perfis de interferência pode ser ainda maior.

As regras de automação do Twitter permitem “retweetar ou comentar o tweet de maneira automatizada para fins de entretenimento, em caráter informativo ou de novidade”. Isso desde que o usuário esteja em conformidade com as outras normas, que incluem proibições a contas em série para o mesmo caso de uso e incitação de abuso, violência e ódio.
Como punição ao descumprimento das regras, a plataforma indica que pode tomar medidas como a suspensão da contagem ou a filtragem dos tuítes nos resultados de buscas.

O perfil de Andrea Paccini (@apaccinifot), por exemplo, não aparece na busca da seção ‘Top’ ou por pessoas no Twitter, o que pode indicar que a conta já foi penalizada. Para encontrar o usuário, é necessário encontrar algum tuíte em que ele foi mencionado ou entrar direto no perfil.

Hashtags bolsonaristas

A hashtag #VirusChines foi utilizada várias vezes acompanhada por outras. As mais frequentes foram #GloboLixo, que apareceu 2.292 vezes, e #VirusdaChina, que foi citada 2.252 vezes. No ranking das cinco principais, as três que se seguem mostram que o movimento de culpabilizar a China e o governo chinês pelo surto não está presente somente no Brasil.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é citado em muitos conteúdos compartilhados com a hashtag e também tem chamado o Coronavírus de Vírus Chinês. Como reflexo no Brasil, #ChinaLiedPeopleDied (1.389), #ChineseVirus (1.310) e #ChineseWuhanVirus (895) se destacaram por terem sido usadas em conjunto com a analisada.

Mas essas não as únicas. A #RespeiteOPresidente foi utilizada 583 vezes, evidenciando ainda mais a relação da base bolsonarista com a campanha. #EduardoBolsonaroTemRazao apareceu em 247 tuítes, como uma resposta de defesa direta às críticas que o filho do presidente recebeu depois do posicionamento que deu força ao movimento.

#Respeitem57MilhoesDeEleitores (219 vezes) e #BolsonaroAte2026 (211 vezes) acompanharam frequentemente a hashtag que coloca na China a culpa pelo Vírus.

Além de indicar a relação da base bolsonarista e a abrangência internacional do movimento, as hashtags utilizadas juntamente com a #VirusChines também evidenciam o caráter xenofóbico da campanha. Utilizada 321 vezes, a #VirusXingLing é um exemplo.

A expressão Xing Ling, em si, já tem tom preconceituoso e racista e são comuns tuítes de mesmo caráter. Em um deles, que traz a hashtag #EduardoBolsonaroTemRazao e foi retuitado por um dos perfis mais ativos, o vírus é desenhado remetendo à fisionomia chinesa.

Tuítes racistas contra chineses foram feitos junto com a tag #VirusChines
Infografista:
Reprodução
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Agência Pública
Bruno Fonseca/Agência Pública
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Bruno Fonseca/Agência Pública
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Bruno Fonseca/Agência Pública
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