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Como a Meta silencia notícias incômodas

Big Tech adota estratégia de entrevista em off para dificultar checagem dos jornalistas e não se posicionar publicamente

Coluna
17 de fevereiro de 2025
14:03

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Dizem que as salsichas e as notícias, é melhor não saber como são feitas. Pois hoje eu vou contar como notícias não chegam a ser feitas, como as Big Techs, mais especificamente a Meta, trabalham para que uma notícia incômoda não chegue ao público. 

A história começa assim. Dez dias atrás, recebemos uma imagem promocional do PL de Bolsonaro chamando para o 1º Seminário Nacional de Comunicação do Partido Liberal, “o maior evento de comunicação partidária do Brasil”. No centro, fotos sorridentes de Bolsonaro, sua esposa, Michelle, e o presidente do partido, Valdemar Costa Neto. Abaixo, à esquerda, Meta, TikTok e Google eram listados como “parceiros”. 

Que as Big Techs estejam fornecendo treinamento de comunicação para políticos do maior partido da extrema direita brasileira é, por si só, bastante questionável; ainda mais levando em conta ser esse o partido que mais produz desinformação que é disseminada justamente nessas plataformas. (Afinal, metade dos políticos que espalham fake news é do PL.) 

Mais que o treinamento semanas depois do pronunciamento assustador de Mark Zuckerberg e depois de estarem todos os executivos ostensivamente se exibindo como troféus na posse de Trump, trata-se de uma enorme sinalização de que a aliança com o radicalismo de direita já atravessa fronteiras.

Pois nossa repórter Laura Scofield procurou as assessorias das ditas empresas e recebeu muitas respostas evasivas. Mas a Meta usou um artifício que tem empregado frequentemente e que joga contra o jornalismo de interesse público. 

Basicamente, em vez de oferecer uma entrevista que pode ser publicada, de maneira transparente, sua assessoria de imprensa oferece a “oportunidade” à jornalista de conversar com funcionários da empresa que, então, explicam que, na verdade, não é bem assim, que existem, sim, salvaguardas e as coisas são feitas de maneira ética lá dentro. 

Só que a jornalista não pode publicar nada disso. Tem que acreditar no que é dito a ela, em off, sem comprovação nenhuma e sem poder contrastar dados nem poder trazer a público de maneira transparente o que foi dito. Então, tal informação não poderá nem ser contestada, se for uma mentira. 

No caso do congresso do PL, muitos jornalistas ouviram, em off, que na verdade esse tipo de treinamento a políticos é um serviço gratuito, rotineiramente oferecido a diversos partidos. Laura pediu, oficialmente e por email, uma lista com as datas desses treinamentos, para que se pudesse comprovar como são realizados e de que maneira essas corporações estão distribuindo seus recursos internos treinando políticos de diferentes espectros. Não recebeu nada. Como você deve ter percebido, a matéria não foi publicada na Agência Pública.  

Depois que alguns sites publicaram sobre o evento, a imagem deste foi alterada para mencionar apenas a “participação” das empresas. 

Ora, isso em nada muda o fato de que há um partido de extrema direita promovendo um evento sobre comunicação e propagandeando a participação de três das maiores empresas de tecnologia do mundo para treinar seus partidários, notórios por espalharem desinformação, insuflar seus opositores a questionar as eleições e tentar dar um golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023. 

É ainda digno de nota que essas empresas ainda assim aceitam que isso seja propagandeado pelo partido, uma maneira clara de se legitimar e de demonstrar para o público interno que há aí uma aliança. 

Mas a história morreu e a vida segue. O que quero chamar a atenção é para essa prática desleal, porém corriqueira, que as Big Techs utilizam para desmontar histórias “sensíveis”, se valendo da boa vontade dos jornalistas que não têm como checar as informações passadas em off.

Pra deixar claro o que significam esses termos jornalísticos: “off the record” significa que uma pessoa pode passar informações importantes para o jornalista, que depois deve corroborar de outras maneiras, sem citar a fonte. Ou pode citar apenas frases como “uma pessoa que conhece o tema”. O estratagema é usado, por exemplo, quando uma fonte interna quer vazar uma informação importante, como uma ilegalidade que está acontecendo dentro de uma corporação ou um governo, mas não quer se expor por segurança. É resultado de uma decisão pessoal, e não de uma estratégia corporativa.

O que tem sido feito pela Meta é algo completamente diferente: a empresa orienta seus funcionários a falar com a imprensa para dar a sua visão sobre o assunto, tentando demonstrar ao jornalista que a história não é bem assim, que não se trata de um escândalo. Mas sem assumir a sua posição diante da opinião pública. Trabalha apenas para que essas histórias jamais sejam publicadas.     

E talvez seja importante lembrar: quando há algum problema com um produto ou um impacto negativo de uma empresa, o papel do jornalista é questionar a empresa, e a responsabilidade social desta é responder de maneira clara e, de preferência, corrigir o erro. Não é o que acontece com as Big Techs. 

“Mesmo não sendo uma postura assim, de pé na porta, que derruba a sua investigação, o que acontece é que, quando é um assunto sensível, a gente não tem segurança para fazer uma afirmação contundente. Então, muitas vezes essa prática enfraquece a matéria”, me disse um jornalista que cobre tecnologia para um grande jornal brasileiro e pediu para não ser identificado (uma fonte em off, aliás). Segundo ele, um dos momentos em que a prática foi muito utilizada foi justamente na época do desastroso pronunciamento de Zuckerberg.   

“Quando é algo mais sensível, eles têm esse costume de te colocar para falar com alguém que seja de relações governamentais, ou um advogado, tudo em off e no geral com essa conversa de que ‘não é bem assim’, e começam a esmiuçar dados técnicos que eu sinto que mais confundem do que ajudam”, diz ele. “Não ajudam porque não tem impacto no resultado final do problema que eu estou investigando, não resolve o problema.”

Para esse jornalista, entretanto, essa é apenas uma das maneiras que as Big Techs usam para pressionar jornalistas. Ele se lembra de ter recebido enorme pressão de uma assessora quando publicou uma reportagem que incomodou a Meta. “Ela me ligou inúmeras vezes querendo que eu mudasse, em pleno sábado.” O pedido era que a reportagem fosse mudada com base em uma conversa em off , o que foi negado. 

É essa também a postura adotada pelo Núcleo, site especializado em cobrir tecnologia. O fundador e editor, Sérgio Spagnuolo, me explicou que era comum que a Meta propusesse a seus repórteres a prática dos “esclarecimentos em background”.

“Antes era comum que um representante nos ligasse para dar esclarecinentos “em background”, que é quando não podemos citar nomes nem cargos, é quase um off, mas com posicionamento não semioficial. Ou seja, traz esclarecimentos, mas tira qualquer ônus de uma resposta oficial. 

Sérgio conta que há alguns anos decidiram deixar de aceitar esse tipo de conversa. “Entendemos que empresas bilionárias como a Meta são capazes de se posicionar oficialmente e se defenderem em caso de reportagens que tragam informações críticas a elas”, diz. 

“Isso não é construir fontes que falam em off sobre questões das empresas, e sim criar, tentar colocar um posicionamento oficial como se fosse parte da apuração da reportagem, não da resposta oficial, é uma tentativa de manipulação que a gente aqui do Núcleo não morde a isca”, conclui. 

Assim como Sérgio e meus colegas que citei na matéria, ao cobrir o setor da tecnologia percebo que a secretividade é usada por essas empresas como uma arma para impedir a crítica, por mais que os resultados maléficos de seus produtos estejam literalmente destruindo nossos cérebros e nossas democracias.  

É comum, por exemplo, que o Google e a Meta promovam visitas a suas empresas, para que os jornalistas conversem com os funcionários e fiquem impressionados com seus enormes salões de jogos e espaços coloridos para tirar uma soneca, mas tenham que assinar um documento dizendo que não podem mencionar nada do que foi falado lá dentro. “Eu nunca tinha visto isso, visitar uma sede de empresa e assinar NDA [non-disclosure agreement] para não contar nada do que eu vi ali. E muito esquisito”, diz o jornalista. 

Ele me contou que a prática de tentar “derrubar” histórias faz com que sinta grande estresse ao cobrir essas empresas – e pode levar até a uma certa autocensura. “O que eu mais sinto é stress, principalmente quando tem essa situação de querer colocar o nosso trabalho em xeque, questionar nosso trabalho, mas sem tomar uma atitude clara e transparente. Isso nos desestimula de ir atrás de certos assuntos.” 

Portanto, saiba que as Big Techs participarão, sim, de um evento realizado pelo PL para treinar seus partidários, aqueles que são metade dos que espalham fake news no Brasil, e mantiveram sua decisão mesmo depois de o caso ter vindo à tona. Diferentemente dessas conversinhas em off, as decisões executivas dessas empresas são eloquentes o suficiente.    

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