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Limitações do sistema e falta de estudos com população preocupam especialistas

Reportagem
7 de fevereiro de 2025
04:00

O novo sistema de envio de alertas de eventos climáticos desenvolvido pelo governo federal, conhecido como Defesa Civil Alerta, não contabiliza o número de celulares que efetivamente recebem os avisos, segundo a Agência Pública apurou com exclusividade. 

O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, responsável pela Defesa Civil Nacional, afirmou à reportagem que não é possível saber a quantidade de celulares que de fato recebem os alertas nem quantos dispositivos bloquearam o recebimento das mensagens.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que coordena o disparo das mensagens junto às operadoras de telefonia, também não tem dados sobre a quantidade de usuários que desabilitaram os alertas de nível severo.

Especialistas consultados pela Pública apontam que a falta dessas informações impede que as defesas civis estaduais e municipais espalhadas pelo país saibam quantos cidadãos foram de fato atingidos pelos alertas e quantos recusaram o recebimento dos avisos.

Por que isso importa?

  • O novo sistema do governo federal foi inaugurado em janeiro e deve ser usado em todo o país, mas sistema não mede quantos celulares recebem o aviso.
  • Especialistas apontam que faltam estudos e ações com a população para que alertas de fato tenham resultado.

O principal diferencial do Defesa Civil Alerta em comparação a outros sistemas que já são usados no Brasil é que a mensagem se sobrepõe na tela do celular, chamando atenção da pessoa. O sistema dispensa cadastro prévio, necessário para os alertas via SMS já utilizados.

O alerta funciona com a tecnologia cell broadcast, que usa as antenas telefônicas para enviar o conteúdo aos celulares localizados na área definida pelas defesas civis dos estados e municípios. É necessário que o aparelho esteja conectado à rede 4G ou 5G para receber o aviso. Por enquanto, o serviço está disponível apenas para as regiões Sul e Sudeste, com previsão de expansão para todo o país ao longo de 2025.

Sistema foi usado pela primeira vez durante chuva recorde em SP

A primeira vez que a ferramenta entrou em ação foi em 24 de janeiro, na cidade de São Paulo, durante a maior chuva já registrada na capital no período de uma hora desde o ano de 1961, quando começaram as medições do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Após a notificação da Defesa Civil, alguns celulares exibiram uma mensagem pop-up informando que se tratava de um alerta de emergência sem fio, com a opção de continuar recebendo esses avisos ou não.

Segundo a Pública apurou, moradores Jardim Pantanal, bairro da zona leste que passou seis dias com casas alagadas, não teriam recebido alertas para as chuvas que ocorreram no final de janeiro e início de fevereiro.

É possível desabilitar os alertas de nível severo, como o emitido em São Paulo. Contudo, em casos de nível extremo, não é possível cancelar o aviso, que dispara um som de sirene no celular. Essa situação ocorreu no Rio de Janeiro no dia 29 de janeiro.

Segundo a Anatel, a estimativa divulgada de que 8 milhões de aparelhos teriam recebido o alerta extremo no Rio de Janeiro, informada em coluna do jornal O Globo, diz respeito ao número de dispositivos registrados no município que suportam conectividade 4G ou 5G e, portanto, são compatíveis com o sistema. Mas a quantidade exata de celulares que realmente soaram o aviso é desconhecida.

“É muito preocupante a impossibilidade de saber que, do total de x aparelhos que existem em uma região, y foram avisados e z não querem receber mais o alerta”, analisa Jordan Henrique de Souza, professor de gestão pública em proteção e defesa civil na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

“À medida que os alertas são dados e não se efetivam – o que pode acontecer no futuro, infelizmente, porque é impossível ter uma modelagem perfeita [para a previsão de eventos extremos] –, a quantidade de pessoas que começarão a desacreditar os alertas e desativar essas notificações vai aumentar”, completa.

Na visão de Souza, o novo sistema de alertas é um avanço importante e pode ajudar a aprimorar a resposta das cidades aos eventos climáticos extremos, que estão mais frequentes e intensos com o aquecimento do planeta. Porém é preciso estabelecer outras formas de dialogar com a população e atentar para a forma como a mensagem é percebida.

“No momento em que o cidadão recebe um alerta desse nível, com um barulho estridente [no caso do alerta extremo] e uma mensagem muito impactante, se ele não souber como agir diante disso, há o risco de gerar uma preocupação e uma confusão sobre o que está acontecendo. Tem vários memes das pessoas levando susto com o alerta, e qual é o significado que fica disso?”, provoca.

Victor Marchezini, sociólogo e pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento de Alertas e Desastres Naturais (Cemaden), compartilha a mesma percepção: “Houve uma grande pressa para se implantar o sistema, mas sem considerar os efeitos positivos e negativos que os alertas podem gerar nos usuários. As mensagens costumam ser muito genéricas e sempre dependem da interpretação das pessoas que conhecem o lugar onde estão”.

População precisa ser sensibilizada para saber como agir diante do alerta

Marchezini coordena o projeto Capacidades Organizacionais de Preparação para Eventos Extremos (Cope), que busca construir sistemas de alerta que sejam centrados nas pessoas e atendam às necessidades específicas para o contexto socioambiental de uma comunidade.

Ele avalia que foram feitas poucas pesquisas nos municípios brasileiros para entender como os cidadãos se comportam diante dos alertas e como percebem esses avisos. “Pode ser que essa tecnologia [Defesa Civil Alerta] tenha utilidade para uma determinada classe social em um município da região Sudeste, mas não para outro município da região Nordeste. Ainda não estamos nos questionando se o mecanismo de disseminação de alertas em massa é uma estratégia efetiva para todas as cidades de grande, médio e pequeno porte.” 

Para Marchezini, o fortalecimento dos núcleos comunitários de proteção e defesa civil, por exemplo, pode ser mais eficaz para a proteção de vidas em certas cidades do que o disparo de alertas por celular. Em especial nos casos de pessoas com dificuldade de manusear os dispositivos, como idosos, ou em regiões com baixa cobertura de sinal.

“As pessoas não são só receptoras do alerta, elas têm autonomia de decisão no momento da emergência. Temos que ouvi-las para pensar no desenho do sistema de alertas e envolver as comunidades no mapeamento das áreas de risco, para que elas saibam quais lugares são seguros e quais não são. Se isso não for feito, de nada adianta disparar um monte de alertas”, diz.

Jordan Henrique de Souza defende a realização de campanhas periódicas de conscientização sobre os alertas na televisão e nas redes sociais, para que a população entenda como agir diante de um alerta e não perca a credibilidade no aviso.

“Se muitas pessoas começarem a desabilitar as notificações de alertas, é sinal de que estão insatisfeitas ou incomodadas com o serviço. E se estão se sentindo assim, por quê? Como podemos melhorar o serviço?”, diz Marchezini.

Sem dados sobre o recebimento e o cancelamento dos alertas, será difícil responder a essas perguntas.

Edição:
José Cícero/Agência Pública

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