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Julgamento de golpe de Estado é vitória histórica da democracia

País tem chance inédita de responsabilizar e punir um ex-presidente e generais pela prática desse crime

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22 de fevereiro de 2025
06:00

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A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, sobre o golpe de Estado, em marcha de julho de 2021 a 8 de janeiro de 2023, sob liderança do ex-presidente Jair Bolsonaro, tocou os corações brasileiros machucados pela impunidade dos ditadores, torturadores e assassinos do golpe de 1964. 

Afinal, eles ainda estão aqui, mas desta vez podem ser julgados e punidos, de acordo com a acusação robusta e minuciosa da PGR, pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do estado de direito e de organização criminosa “com o objetivo de impedir o regular funcionamento dos Poderes da República (art. 359-L do Código Penal) e depor um governo legitimamente eleito (art. 359-M do Código Penal)”.

E a denúncia vai além, estabelecendo a conexão entre a marcha golpista iniciada em 2021 e os crimes de 8 de janeiro, atribuindo, portanto, à mesma organização criminosa também os crimes de dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União “em investida ocorrida contra as sedes do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal”.

Um avanço importante em relação ao inquérito da Polícia Federal (PF), como observa o advogado criminalista Rafael Borges, estudioso dos crimes contra o Estado de Direito. Em excelente entrevista à Agência Pública, Borges destaca que o “grande mérito da denúncia da PGR” é a comprovação de que o 8 de janeiro não foi fruto de uma ação popular espontânea, mas “a face violenta desse conjunto de preparativos, articulações de conjunturas, de maquinações que vinham sendo feitas desde 2021”. 

Entre os 33 denunciados, além de Bolsonaro, fulguram as quatro estrelas dos generais Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Estevam Teophilo, além do almirante da Marinha Almir Garnier.

Viúvos do golpe de 1964, ressentidos com as investigações da Comissão da Verdade, ciosos de seus privilégios e inconformados com a democracia vigente no país, militares de alta patente, que retomaram o espaço político na derrubada de Dilma Rousseff e ascenderam no governo Temer, reabilitaram o ex-capitão do Exército, proscrito depois de planejar atos terroristas, para que os representasse nas urnas, quando se cogitava a possibilidade de o presidente Lula poder concorrer às eleições.

O que, aliás, é bom lembrar, provocou os tuítes ameaçadores do general Villas Bôas, então comandante do Exército e depois mentor de boa parte dos generais palacianos, às vésperas da votação de um habeas corpus de Lula pelo STF, em abril de 2018. Tuítes esses elaborados em conjunto com o Alto-Comando do Exército, como relatou o próprio Villas Bôas, que confessou ter planejado intervenção militar se Lula fosse solto.

Lula continuou na cadeia até 2019, Bolsonaro foi eleito, levando os militares para o governo, mas a queda de sua popularidade diante da morte de mais de 700 mil brasileiros pela covid, boa parte delas motivada pela má condução de seu governo diante da pandemia, e a anulação da condenação de Lula, em março de 2021, fizeram soar o alarme dos golpistas. Foi a partir daí, segundo a PGR, que a organização criminosa passou a atuar, disseminando mentiras sobre a segurança e isenção do sistema eleitoral para preparar o terreno para a derrubada do Estado democrático. 

Não por acaso, em julho daquele ano, o general Mário Fernandes tornou-se secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência. Preso em novembro de 2023 como suspeito de planejar atividades golpistas violentas como o assassinato de autoridades, como Alexandre de Moraes, o presidente Lula e o vice Alckmin, revelados no inquérito da PF, Fernandes foi comandante dos kids pretos, encarregados do “trabalho sujo” do golpe de Bolsonaro, incluindo a articulação e a radicalização dos acampamentos nos quartéis e os atos golpistas, como o de 8 de janeiro. 

Tudo feito com a anuência e liderança de Jair Bolsonaro, segundo a PGR, que destaca eventos, presenciados por todos nós, que apontavam na direção do golpe. Entre eles, a live de 29 de julho de 2021, quando Bolsonaro incitou publicamente a intervenção das Forças Armadas, e o discurso do ex-presidente em 7 de setembro de 2021, quando transmitiu uma mensagem explícita de golpe em caso de derrota nas urnas em 2022. 

Em 2022, a conspiração escalou com a reunião com os embaixadores estrangeiros, em julho, transmitida ao vivo pelo YouTube, em que o então presidente repisou falsidades contra as urnas e o TSE. Depois a PF descobriria a Abin paralela; a minuta do golpe – segundo a delação de Mauro Cid, editada pelo próprio presidente e por ele apresentada aos comandantes das Forças Armadas; planos de uso das operações da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para impedir a posse de Lula, flagrados com o general Braga Netto; as pressões feitas para que o comandante do Exército, Gomes Freire, aderisse ao golpe, as operações da Polícia Rodoviária Federal para impedir a votação de eleitores de Lula.

Os atentados que se seguiram à diplomação de Lula no TSE até o 8 de janeiro foram o desfecho desse plano que, felizmente, não apenas fracassou em seu principal objetivo, mas foi minuciosamente reconstruído pela PF e PGR e poderá levar à prisão de Bolsonaro, militares e civis golpistas. 

Das investigações da PF à peça da PGR, prevaleceram a competência, a transparência e o respeito pelos fatos, pelas leis e ritos institucionais, o que traz alívio para nós, cidadãos, que queremos viver em um país democrático. 

Por mais que os envolvidos e seus aliados, incluindo um jornalão que se dizia progressista e parece ter retornado às origens colaboracionistas de 1964, tentem colocar esse trabalho em dúvida. Longa vida para a democracia e para o jornalismo de interesse público!

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