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Auditor foi realocado após reportagem da Pública sobre falhas nas armadilhas. Servidores relatam pressão interna

Reportagem
20 de fevereiro de 2025
08:00

Um dia depois de a Agência Pública mostrar que a Controladoria-Geral do Município (CGM) de São Paulo iniciou uma sindicância para apurar se armadilhas contra a dengue compradas pela prefeitura podem ter aumentado o número de casos na capital, o servidor responsável pelo pedido de investigação foi removido de sua função.

O Diário Oficial do município de 12 de fevereiro registrou que Aldo Lúcio Santillo, auditor municipal de Controle Interno, foi removido da Corregedoria-Geral do Município e realocado na Coordenadoria de Promoção da Integridade e Boas Práticas, um setor interno da CGM que não atua diretamente com sindicâncias.

A CGM é o órgão que apura possíveis casos de corrupção na gestão municipal, e Santillo foi o servidor responsável por analisar as suspeitas de irregularidades na compra das armadilhas, que vêm sendo reveladas pela Pública desde o ano passado.

Em dezembro de 2024, a CGM recebeu o prazo de 30 dias para informar ao Ministério Público (MP) de São Paulo se tomou providências sobre as suspeitas, que já haviam se tornado alvo de investigação na promotoria desde janeiro.

De acordo com servidores da CGM ouvidos pela reportagem em condição de anonimato, Santillo fez uma pré-apuração, encontrou materialidade nas denúncias e recomendou que elas fossem analisadas com mais profundidade em uma sindicância. Ele concluiu o parecer em 20 de dezembro. Nos dias seguintes, seus argumentos receberam aval do setor jurídico da CGM, da Corregedoria-Geral e, por fim, do controlador-geral do município, Daniel Falcão, em 22 de janeiro – o pontapé inicial para a investigação.

A Pública apurou com servidores que houve pressão interna para que o auditor fosse penalizado, depois da publicação da reportagem. Segundo as pessoas ouvidas, o prefeito Ricardo Nunes (MDB-SP) teria ficado incomodado com o vazamento da sindicância para a imprensa.

Santillo foi procurado, mas não quis comentar. Seus colegas o descreveram como um servidor profissional e imparcial.

“A sindicância vai seguir, mas uma pressão dessas vindo pela chefia vai acabar impedindo uma apuração mais correta”, disse uma das pessoas ouvidas. “Acho que a atuação da Controladoria deveria ser o mais independente possível, e não é o que está ocorrendo”, completou. 

Em nota, a CGM não confirmou se as investigações terão continuidade, mas informou que a movimentação do servidor foi “uma ação administrativa de rotina, visando melhor organização dos trabalhos”. “A Coordenadoria de Promoção da Integridade e Boas Práticas [para onde Santillo foi realocado] é uma área fundamental para a CGM e tem como principal atribuição promover a transparência pública e fomentar a participação da sociedade civil na prevenção da corrupção”, diz o texto.

Também em nota, a Secretaria de Saúde refutou que as armadilhas contra a dengue seriam ineficazes. O órgão disse que teria havido uma redução de cerca de 20% nos casos de dengue em áreas com as armadilhas se comparadas a outros territórios com características similares. Em 2025, ainda segundo o município, a queda teria sido de 32,6% nos primeiros 42 dias do ano. A secretaria, no entanto, não explicou como fez a medição dos números, quais foram as áreas analisadas e os critérios usados para comparação. A reportagem pediu duas vezes para ter acesso à íntegra dos dados, mas isso não ocorreu até a publicação desta reportagem.

Falhas nas armadilhas podem ter levado a aumento de mortes 

De acordo com o relatório da CGM, o fato mais grave foi a falta de manutenção nas armadilhas, que deveria ocorrer a cada quatro semanas, segundo o fabricante, ou no máximo a cada três meses, de acordo com a Secretaria de Saúde. Mas dados da mesma secretaria mostram que a manutenção só aconteceu, em média, a cada sete meses – quando o veneno que deveria matar o mosquito da dengue já estava vencido há bastante tempo. 

Com isso, as armadilhas, que deveriam contaminar os insetos e matar suas larvas, podem ter se tornado criadouros e aumentado a sua proliferação. O ano de 2024 foi o mais mortífero em casos de dengue na capital. Foram 522 óbitos no período, um aumento de mais de 5.000% em relação ao ano anterior – e muito superior a todos os outros da série histórica, que começa em 2007. 

O esperado é que 2025 seja mais um ano epidêmico. Até o momento, houve uma morte confirmada no município, de uma menina de 11 anos. Ela não havia tomado a vacina, disponível para crianças de 10 a 14 anos em 1.932 municípios, entre eles São Paulo.

Vereador quer CPI sobre armadilhas da dengue em SP 

O vereador Toninho Vespoli (PSOL) protocolou no último dia 14 um pedido para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar “se as armadilhas contra o mosquito da dengue, em vez de combater sua proliferação, acabaram agravando a epidemia na cidade, uma vez que possível ineficácia dessas armadilhas pode ter exposto a população ao aumento expressivo de casos de dengue, colocando em risco a saúde pública e a integridade dos cidadãos”.

O requerimento tem, até agora, quatro assinaturas. Além de Vespoli, também assinaram Nabil Bonduki (PT), Amanda Paschoal (PSOL) e Silvia Ferraro, da Bancada Feminista (PSOL). O pedido precisa de 14 assinaturas para ser votado no plenário da Câmara Municipal.

O vereador acredita que deve conseguir o número necessário nos próximos dias, uma vez que os partidos de oposição na Casa (PT, PSOL, Rede e PSB) somam 18 integrantes. 

O empresário que vendeu as armadilhas para a prefeitura, Marco Antônio Bertussi, é um velho conhecido de Ricardo Nunes. Os dois se conheceram antes de o prefeito entrar na política. Em 2007, fundaram juntos uma associação de empresas de controle de pragas. Quando era vereador, Nunes intermediou reuniões para o amigo na Secretaria de Saúde. 

Em uma das reuniões, a prefeitura concordou em fazer um teste com as armadilhas. Os resultados foram inconclusivos – um primeiro estudo indicou que a redução de mosquitos foi em “níveis baixos”, e um segundo nunca teve resultados publicados. Ainda assim, o teste foi a justificativa da prefeitura para abrir a licitação, já com Nunes como prefeito, para comprar as armadilhas. A vencedora foi a Biovec, empresa de Bertussi.

Mas a participação do amigo de Nunes não se limitou a ganhar o contrato inicial de R$ 19 milhões – e que posteriormente ganhou outros aditivos, totalizando mais de R$ 40 milhões.

Na fase de pesquisa de preços da licitação, as três empresas que participaram tinham ligação com o empresário. Além da Biovec, também participaram a TN Santos, outra empresa de Bertussi, e a Biolive, uma empresa de Salvador ligada a um sócio de Bertussi.

A sindicância da CGM irá verificar se houve prática de corrupção contra a administração pública e prejuízo ao erário com a compra das armadilhas.

Investigação também no MP

Depois da publicação da reportagem, a deputada federal Tabata Amaral (PSB) pediu uma investigação ao Ministério Público de São Paulo sobre a falta de manutenção nas armadilhas, que podem ter impactado a saúde pública, e o possível cerceamento da investigação na CGM.

Edição:

*Atualização às 18:00 de 20/02/2025: incluímos a informação da investigação solicitada ao MP.

José Cícero/Agência Pública
André Bueno/CMSP

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