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Solução contra crimes anunciada pelo governador Mauro Mendes, Vigia Mais MT não identificou agressores em reduto do agro

Reportagem
25 de março de 2025
04:00

Desde 2022, o governo de Mato Grosso divulga como um caso de sucesso no combate ao crime o sistema Vigia Mais MT, que, criado pela gestão Mauro Mendes (União), lhe permite fazer um monitoramento massivo da população. Ocorrido à luz do dia numa das principais vias de Sinop (MT), a 500 km de Cuiabá, em um dos pontos monitorados por meio do sistema de vigilância do governo, um ataque a bomba contra crianças, idosos e mulheres no Dia Internacional da Mulher segue sem solução, nem identificação dos autores. Apesar de não ter deixado feridos graves, o ataque foi carregado de simbolismo e põe em dúvida a efetividade do sistema alardeado pelo governo estadual como “referência para outros estados da Amazônia Legal”.

O sistema criado pela gestão Mauro Mendes reúne em tempo real imagens capturadas por mais de 10 mil câmeras espalhadas em 126 dos 142 municípios de Mato Grosso. A Agência Pública apurou que o governo opera o Vigia Mais MT em conjunto com outros programas, incluindo o sistema Córtex, do governo federal – acessado por forças de segurança do estado desde 2020, lhes dando acesso a uma série de informações sensíveis e sigilosas dos cidadãos sem depender de autorização judicial. 

Antes e depois do ataque, os dois homens que jogaram uma bomba contra manifestantes durante um ato convocado por centrais sindicais no dia 8 de março circularam pela avenida Governador Júlio Campos, uma das principais de Sinop, passando por pontos de monitoramento conectados ao Vigia Mais MT. Ainda assim, ninguém foi identificado ou preso até o momento.

Por que isso importa?

  • A proteção da população e a capacidade de respostas rápidas de agente de segurança são utilizadas como justificativas para o monitoramento de cidadãos em tempo real por sistemas como o Vigia Mais MT e o Córtex; por isso, a ineficiência diante atentados graves coloca em dúvida as narrativas oficiais e justificativas do governo Mauro Mendes para expandir o alcance do sistema.

Sinop fica em uma região dominada pelo conservadorismo, onde feminicídios e crimes sexuais têm se tornado cada vez mais recorrentes.

  • Prefeito Roberto Dorner (PL), de chapéu, em visita à central de monitoramento de Sinop – com acesso a imagens em tempo real captadas e integradas por meio do Vigia Mais MT
  • Prefeito Roberto Dorner (PL), de chapéu, em visita à central de monitoramento de Sinop – com acesso a imagens em tempo real captadas e integradas por meio do Vigia Mais MT

“Todas as forças de segurança têm essas imagens”

O Vigia Mais MT segue a tendência de outros programas em operação no Brasil, como o Muralha Paulista, do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), que fazem o “cercamento eletrônico” de cidades, rodovias e lugares públicos em geral.

No caso de Sinop, existem pelo menos 71 câmeras integradas ao Vigia Mais MT, inclusive nas proximidades do ataque no último Dia da Mulher. Há câmeras que leem automaticamente placas veiculares e têm recursos como zoom óptico e movimentação 360 graus, com operação remota via central de videomonitoramento. A cidade possui uma central com acesso em tempo real às imagens. 

Segundo a prefeitura, as imagens são recebidas pelo Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp) do governo do estado, em Cuiabá; pela Guarda Civil, 11º Batalhão da Polícia Militar e delegacias de Polícia Civil de Sinop, um dos municípios expoentes do agronegócio no “Nortão” de Mato Grosso.

Em novembro de 2024, o prefeito reeleito de Sinop, Roberto Dorner (PL), disse que “os malfeitores que passam pela nossa cidade vão ter problemas”, pois “todas as forças de segurança têm essas imagens” captadas pelo Vigia Mais MT.

“As equipes que estão em ronda têm acesso às imagens via celular”, afirmou ainda o prefeito, que ainda não se pronunciou sobre o ataque do último dia 8 de março.

À Pública, a Polícia Civil apenas informou que investiga o caso, “que se encontra em fase inicial de oitivas, em que estão sendo ouvidas as testemunhas”. Já a prefeitura de Sinop não respondeu até a publicação desta reportagem.

“Naquele dia não tinha sinal algum de patrulha”

O evento onde ocorreu o ataque foi organizado pelo Comitê Sindical de Sinop, que reúne diversas categorias. O comitê avisou a prefeitura sobre a realização do evento com antecedência, enviando ofícios para as secretarias de Cultura e de Trânsito, para a Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, Criança e Adolescente (Deam) da cidade, ligada à Polícia Civil, e para a Guarda Civil de Sinop.

A presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Sinop, Eliane de Oliveira, discursava bem no momento do ataque. “Foi muito diferente do que estamos acostumadas: notificamos as autoridades com antecedência, como sempre fizemos, mas dessa vez fomos ignoradas”, disse.

Também presente na ocasião, o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos da Educação Profissional e Tecnológica de Mato Grosso em Sinop, Milton Mauad, reforçou as suspeitas quanto à falta de apoio – tanto presencial quanto por meio das câmeras de vigilância.

“Sempre tem alguma patrulha acompanhando nossas manifestações, mas naquele dia não tinha sinal algum [de patrulha]”, afirmou ele. “Em eventos assim, às vezes ouvimos um ou outro xingamento, nada muito grave… mas [ocorrer] um ataque desses, mesmo sendo mais ‘para assustar’ do que ‘para machucar’, é a primeira vez que acontece”, disse ainda o dirigente sindical.

Acesso liberado e pouca explicação

Chama atenção o fato de a iniciativa privada também ter acesso ao Vigia Mais MT, diferentemente de outros sistemas do gênero.

À Pública, o governo Mauro Mendes disse que pelo menos 66 usuários da iniciativa privada acessam o sistema, mas “que cada um só tem acesso ao seu âmbito de atuação”. A Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso (Sesp) não forneceu, porém, quaisquer detalhes sobre os usuários. “No caso da sociedade civil, o acesso é limitado às câmeras vinculadas ao CNPJ cadastrado. Apenas a Sesp tem autorização para acessar todos os pontos”, disse a pasta. 

Ainda de acordo com a Sesp, ao menos 3.154 servidores do estado têm acesso ao Vigia Mais MT. Até janeiro de 2024, o sistema contava com pelo menos 10,7 mil câmeras integradas em Mato Grosso, com planos do governo para chegar a 15 mil câmeras em todos os 142 municípios.

As polícias Civil e Militar, o Corpo de Bombeiros, o Ministério Público e o Poder Judiciário de Mato Grosso, além do Departamento de Trânsito (Detran), da Secretaria de Infraestrutura (Sinfra), da Secretaria de Educação (Seduc) e do Sistema Penitenciário estaduais são os órgãos com acesso ao Vigia Mais MT, segundo o governo Mauro Mendes.

“Cada instituição tem acesso exclusivo a imagens relacionadas ao seu âmbito de atuação. Na Sinfra, o monitoramento é direcionado para obras em andamento; na Polícia Militar, os agentes visualizam as imagens do batalhão ao que estão lotados”, afirmou a pasta.

O governo Mauro Mendes tenta obter imagens em tempo real não apenas de vias públicas, mas imagens obtidas de veículos usados por motoristas de aplicativo, caminhoneiros e taxistas no estado. O governo quer também imagens em tempo real de escolas da rede pública estadual para inclusão no banco de dados acessado por meio do Vigia Mais MT.

A gestão Mauro Mendes anunciou, inclusive, a criação de um “Núcleo de Inteligência de Segurança Escolar” com atuação em escolas estaduais em Cuiabá e Várzea Grande, cidade vizinha à capital.

Como já relatado pela Pública, especialistas em educação criticam o avanço do modelo de vigilância nas escolas, alegando que os monitoramentos não contribuem para a segurança de alunos e docentes.

Comandante da PM trabalhou na expansão do Vigia Mais MT

Pouco antes de se tornar comandante da Polícia Militar de Mato Grosso, em 29 de novembro passado, o coronel da PM Cláudio Fernando Carneiro Tinoco trabalhou muito na expansão do Vigia Mais MT pelos municípios mato-grossenses.

Tinoco era o secretário-adjunto de Operações Integradas da Sesp antes de assumir o comando da PM em meio a uma crise de segurança pelo descontrole em relação às facções criminosas presentes em Mato Grosso.

Enquanto atuou na Sesp, o coronel Tinoco era um dos responsáveis por apresentar o projeto às prefeituras, para que assinassem acordos de cooperação com o governo Mauro Mendes e aderissem ao sistema. O nome dele consta em apresentações institucionais do projeto, como a exibida numa visita de membros da secretaria à Assembleia Legislativa do estado em 2023.

Tinoco aparece também em conteúdos de divulgação das prefeituras que aderiram ao sistema, como no caso de Nossa Senhora do Livramento (MT). “É a construção de um legado que Mato Grosso tem feito, e já temos resultados positivos em todo o estado com a instalação dessas câmeras em vários municípios”, disse então o policial, na ocasião da assinatura do acordo com o município, em 2024.

Antes de entrar para a cúpula da Sesp, em Cuiabá, Tinoco trabalhou em diversos postos no comando regional da PM em Nova Mutum (MT), na mesma região de Sinop. Em 2019, o coronel foi homenageado pela prefeitura local, à época governada por Adriano Pivetta (Republicanos) – irmão do atual vice de Mauro Mendes, Otaviano Pivetta (Republicanos).

Edição:
Reprodução/Prefeitura de Sinop
Reprodução/Prefeitura de Sinop
Prefeitura de Sinop/divulgação
Reprodução Comitê Sindical de Sinop
Mayke Toscano/Secom-MT
Sesp/reprodução
Sesp/reprodução
Mayke Toscano/Secom-MT
Reprodução ALMT
Reprodução SESP

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