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Esta quinta-feira (15) começou com uma boa notícia ambiental que o caro leitor provavelmente vai ver em todos os veículos de comunicação. Em 2024, houve queda do desmatamento em todos os biomas do Brasil. A perda total de vegetação no país, no ano passado, caiu 32,4% na comparação com o ano anterior, de acordo com o Relatório Anual do Desmatamento elaborado pela iniciativa MapBiomas Alerta.
É a primeira vez que o monitoramento, realizado desde 2019, apresenta essa redução generalizada em todos os biomas (com exceção da Mata Atlântica, que se manteve estável porque o Rio Grande do Sul registrou uma alta de 70% da perda da vegetação, promovida principalmente por deslizamentos de terra causados pelas fortes chuvas do ano passado). E é a segunda redução consecutiva na área de vegetação perdida no país. Em 2023 a redução tinha sido de 11% na comparação com 2022.
Os bons números, como explicou Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, em coletiva à imprensa, podem ser resultado de uma combinação de pelo menos três fatores: a retomada, por parte do governo federal, do programa de combate ao desmatamento na Amazônia (o PPCDAM) e a elaboração de planos similares para todos os biomas do país; um aumento da participação dos estados nessas ações, se somando ao aumento dos embargos e autuações feitos pelo Ibama; e uma atenção maior dos bancos para dados sobre desmatamento na hora de decidir sobre a concessão de crédito rural.
É uma evidência de que o empenho, em especial do Ministério do Meio Ambiente, controlado por Marina Silva, de fortalecer as políticas públicas a fim de coibir o libera-geral que vinha dos anos Bolsonaro deu muito certo. São, de fato, dois anos a se comemorar.
Mas aí, claro, os desafios para continuar reduzindo o desmatamento – a fim de zerar o problema até 2030 –, como prometido pelo governo, ficam mais complexos. É a mesma coisa que acontece com a gente, quando está muito acima do peso e emagrece bastante no início de uma dieta rigorosa, mas depois atinge um platô. O desmatamento, em especial na Amazônia, está começando a dar sinais de resistência.
É o que indicam dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que fornece alertas quase em tempo real sobre perda de vegetação a fim de orientar a fiscalização. Desde agosto do ano passado (quando se inicia o chamado ano de referência para a medição da taxa oficial anual de desmatamento – sempre de agosto de um ano a julho do ano seguinte), o Deter vem mostrando, mês a mês, reduções menos significativas em alguns períodos e até mesmo algumas altas em outros.
Foi o que ocorreu no mês de abril, cujos dados foram fechados na semana passada e divulgados com preocupação pelo Ministério do Meio Ambiente. Os alertas do Deter apontaram um desmatamento de 270 km2 na Amazônia no mês passado, alta de 55% em relação a abril de 2024 (174 km2).
Apesar de o número ser ainda menor do que o de abril de 2023 (329 km2) e o segundo menor desde 2020, deixou o governo com olhos e ouvidos em pé.
No Cerrado também houve alta de 26% em abril – o bioma foi o mais desmatado dos últimos dois anos no país, mas também tinha apresentado uma redução no ano passado, como apontou o MapBiomas nesta quinta.
No consolidado de alertas de agosto a abril, o desmatamento da Amazônia caiu só 5,4% na comparação com os mesmos nove meses do período anterior. Para se ter uma ideia, entre agosto de 2023 e abril de 2024, a queda tinha sido de 55% sobre o intervalo de agosto de 22 a abril de 23 – uma redução sem precedentes.
Sim, hoje há menos gordura para queimar – e o governo já esperava por isso –, mas tudo o que nem Lula nem Marina Silva querem é ver uma alta do desmatamento justo no ano em que vai receber a Conferência do Clima da ONU, a COP30, em Belém.
Digno de nota que a equipe da ministra correu para tornar os dados públicos – transparência que se mantém quando há bons ou maus resultados – e reforçar ações.
“Fizemos questão de vir aqui exatamente para fazer o devido ajuste e colocar para a sociedade brasileira o quanto o governo está comprometido com as medidas necessárias para que sigamos levando o desmatamento para baixo e cheguemos ao desmatamento zero em 2030”, disse Marina, em coletiva na semana passada.
“Quando você soma os primeiros meses, você verifica que chegamos a uma situação de estabilização, então nosso compromisso não é ter uma versão positiva para apresentar, nosso compromisso é ter uma queda consistente e duradoura”, complementou.
Não é à toa que quase ao mesmo tempo em que os dados eram anunciados houve uma megaoperação do Ibama de embargar, ao mesmo tempo, cerca de 70 mil hectares de terra em 5 mil fazendas em toda a Amazônia, nos estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia e Pará.
A maior parte, quase 2 mil imóveis, está justamente no estado que vai receber a COP e, historicamente, é o que mais desmatou a Amazônia. Isso imediatamente gerou uma gritaria por parte dos proprietários de terra do estado, encampados pelo governador Helder Barbalho, que foi a Brasília pedir a suspensão da medida.
Segundo nota divulgada pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado (Semas), Barbalho se reuniu com a ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, para discutir “medidas adotadas por órgãos federais que geram impactos diretos sobre a produção agropecuária no Estado”.
O comunicado diz ainda que o governo do Pará “defende que medidas com forte impacto socioeconômico sejam adotadas com base em critérios técnicos e análise individualizada, para evitar que decisões generalizadas comprometam produtores regulares ou com processos de regularização fundiária em andamento”.
Afirmou, por fim, que “o posicionamento do Estado não se opõe à fiscalização ambiental, mas busca garantir segurança jurídica e respeito ao devido processo legal, reforçando que áreas em situação irregular devem ser tratadas conforme a legislação vigente”.
Pois é… Não deixa de ser, no mínimo, curioso o governador que anda todo pimpão com a COP30 ir a Brasília reclamar de uma ação que visa reduzir a atividade que mais emite, no Brasil, os gases de efeito estufa – justamente os causadores do aquecimento global que as COPs tentam resolver.
Mas antes de entrar no mérito das queixas dele, vale entender do que se tratou essa megaoperação.
Para embargar tantas áreas de uma só vez, o Ibama se valeu de uma técnica que já existe há alguns anos, mas nunca tinha sido usada nessa quantidade, que é o chamado embargo remoto.
O órgão cruza os dados de imagens de satélite do Prodes (também do Inpe, que fornece a taxa oficialmente de desmatamento da Amazônia) com dados públicos de autorização de supressão de vegetação (ASV). Se não houver autorização, o desmatamento é considerado ilegal, e o embargo é emitido automaticamente – a divulgação foi feita por edital no Diário Oficial da União.
Com isso, o proprietário deixa de conseguir, por exemplo, financiamento no banco e fica com mais dificuldade de vender a produção que venham justamente dessa área com desmatamento ilegal.
Sempre é bom lembrar que existe, sim, a possibilidade de desmatamento legal no Brasil. Pelo Código Florestal, propriedades na Amazônia têm direito de retirar 20% da vegetação nativa, mas desde que recebam uma licença para isso, uma ASV, que é concedida pelo Estado. Em teoria, porém, o governo só dá essa autorização se o imóvel não tiver nenhum passivo ambiental (como outro embargo, desmatamento ilegal), se estiver com Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanentes conservadas, etc.
Ou seja, não é exatamente fácil conseguir uma ASV. E o que historicamente se vê é que há, ainda, pouco desmatamento legal na Amazônia. O MapBiomas também faz essa análise e apontou que, em todo o Brasil, apenas 7% dos alertas de desmatamento não tinham indício de irregularidade ou ilegalidade.
De acordo com Marcondes Coelho, do Instituto Centro de Vida (ICV) – organização que faz parte do MapBiomas e é responsável por essa análise –, cerca de 14% do desmatamento na Amazônia correspondeu a alguma autorização no passado. Mas, segundo ele, a região norte é, hoje, a que menos tem transparência nessas ações.
A nota da Semas afirma que “decisões generalizadas comprometam produtores regulares ou com processos de regularização fundiária em andamento”, mas a realidade, como apontam os dados, é que há muito pouca ou quase nenhuma publicidade de licenças concedidas pelo Estado do Pará. No entanto, se elas existirem e por algum motivo não estiverem públicas, o proprietário tem todo o direito de recorrer.
Aqui na Agência Pública a gente observou, porém, que não só há pouca transparência, como há mal uso desse tipo de licença. Mostramos isso em reportagem que publicamos no fim de abril.
A apuração, que conduzi com meu colega Rafael Oliveira, revelou como alguns municípios têm se valido de um tipo de ASV, só que para vegetação secundária (mais conhecido como “limpeza de pasto”), para dar um verniz de legalidade para um desmatamento que, na verdade, é ilegal. Durante o trabalho vimos que esses dados não estão disponíveis facilmente, nem tampouco a Semas sabe quantas licenças desse tipo são dadas pelos municípios.
Por decisão recente do ministro do STF Flavio Dino, toda autorização de supressão de vegetação tem, agora, de ficar disponível no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), justamente para tentar dar mais transparência a esses processos. Não vemos o Pará atendendo a isso ainda.