Buscar
Coluna

Desmatamento em propriedade rural entra na conta de emissões do agro

Estratégia do Brasil para reduzir emissões de gases-estufa foca na atividade agropecuária, mas prevê alta em energia

Coluna
24 de julho de 2025
17:00

Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Antes que seja tarde, enviada às quintas-feiras, 12h. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.

O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima divulgou na sexta-feira passada (18) o plano do governo para que o país reduza a sua contribuição com o aquecimento global. Foi anunciada a chamada estratégia nacional de mitigação e sete planos setoriais, que fazem parte do Plano Clima. 

Com inovações na forma de contabilizar quanto de emissão cabe a cada setor da economia, o plano foca bastante na redução por parte das atividades agropecuárias do país, mas ainda deixa a desejar na parte de energia, setor para o qual ainda é prevista a possibilidade de aumento das emissões.

Em novembro do ano passado, às vésperas da COP29 (Conferência do Clima da ONU, realizada em Baku), o Brasil anunciou uma nova meta climática, se comprometendo a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa entre 59% e 67% em 2035, na comparação com os níveis de 2005. 

Foi uma atualização da chamada NDC, ou Contribuição Nacionalmente Determinada, apresentada pela primeira vez em 2015, quando foi adotado o Acordo de Paris – compromisso mundial de combate às mudanças climáticas. Espera-se que neste ano, todos os países que fazem parte do acordo atualizem suas metas.

Na ocasião, porém, não foi dito como a nova meta seria alcançada, nem qual seria a parte de cada setor da economia. É isso que o governo propôs agora – um documento que ainda pode mudar um pouco porque vai para consulta pública. 

Essa estratégia traz uma inovação muito interessante ao, pela primeira vez, contabilizar como parte do setor de agricultura e pecuária também as emissões provenientes de desmatamento que ocorre dentro de áreas agrícolas

No inventário oficial de emissões do país, que segue metodologia internacional definida pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), todo o desmatamento do país é contado dentro da categoria de mudança do uso da terra – independentemente de onde esse desmatamento ocorre. E essa é a nossa principal fonte de emissões de gases de efeito estufa. Cerca de metade do que foi emitido pelo país em 2022 foi por desmatamento. 

Agropecuária aparece como a segunda principal fonte, considerando somente as emissões diretas do setor, provenientes da fermentação entérica do gado, da remoção do solo para plantio e do uso de fertilizantes, por exemplo.

O que a estratégia de mitigação faz é tentar apontar os responsáveis pelo desmatamento, a fim de contê-lo – lembrando que a meta principal do país é zerar a perda florestal até 2030. E é aí que a coisa começa a ficar interessante. Porque, ao fazer essa contabilidade, as emissões ligadas à agricultura e a pecuária sobem bastante. O setor se torna o primeiro em emissão no país, respondendo por 68% de tudo o que foi emitido em 2022.

Ainda levando em conta essa data como referência, o país como um todo promete reduzir, no cenário mais ambicioso, 58% das emissões nacionais até 2035. Coube ao setor de agricultura e pecuária a maior fatia – uma meta de redução de 54% das emissões. 

Aloisio Melo, que é o secretário de Mudança do Clima e a pessoa à frente da estratégia de mitigação, me explicou que a ideia foi justamente considerar o “agente responsável” pelo desmatamento – ou seja, dar mais clareza sobre a responsabilidade pelo problema. O que faz bastante sentido, visto que esse é um plano que tem como objetivo orientar políticas públicas para conter essas emissões.

E isso incluiu uma outra inovação. Foram considerados como área agrícola, para fins de estabelecer as metas do plano setorial de agricultura e pecuária, não apenas os imóveis rurais privados, mas também os assentamentos de reforma agrária e áreas quilombolas. 

Também ouvi o Rodrigo Lima, que é sócio-diretor da Agroicone, uma consultoria voltada para o desenvolvimento sustentável do agro, e ele disse achar essa estratégia um pouco injusta porque vai jogar um peso muito maior sobre o agronegócio.

Por que? “É que assentamento e área quilombola são terras públicas, ou seja, a gestão é pública, da União e do Incra. Então alocar as emissões que ocorrem dentro dessas áreas como sendo da agropecuária é uma escolha política, não técnica”, disse Lima.

Insisti nisso com o Aloisio Melo e ele discorda. “Os assentamentos são destinados à atividade produtiva. A rigor, sim, eles são áreas públicas, federais ou estaduais, mas elas são destinadas à atividade agropecuária. Por isso se entendeu que faria mais sentido agregar isso dentro do plano setorial de agricultura e pecuária”, explicou.

Como o objetivo é pensar em políticas públicas para a redução das emissões, elas têm de ser pensadas no contexto dos instrumentos de incentivo, de financiamento a todo o setor, com articulação entre os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário. 

Melo destacou que o plano inclui também as remoções de gás carbônico que ocorrem nas áreas agrícolas pela vegetação que ainda estiver preservada e também o que vier de restauração florestal: “Toda a remoção de carbono que ocorre por restauração, recuperação de áreas, no caso das áreas privadas, é contabilizado no setor? Então entram os dois lados da conta: tanto a emissão como a remoção”, disse.

Entre os planos setoriais há um outro especificamente voltado para desmatamento e restauração florestal, que foi chamado de Conservação da Natureza. Ele foca nas áreas públicas que são destinadas à proteção ambiental, como terras indígenas e unidades de conservação, e também nas áreas públicas não destinadas, onde há ainda um vazio fundiário. O desmatamento que ocorre nessas áreas conta para este setor, dentro da gestão do Ministério do Meio Ambiente.

Para Lima, “alocar as emissões de desmatamento em assentamento para agropecuária é legalmente questionável” e ele já antevê que vai ser objeto de debate. O plano vai entrar em consulta pública na terça que vem, dia 28, para receber comentários e só depois sai a versão final, mas eu também já imagino que vai abrir uma nova queda de braço com o agro.

Plano de energia ainda permite aumento de emissões

Para finalizar, vale a pena também falar do plano setorial para energia, que prevê ainda uma certa estabilidade de emissões no plano mais ambicioso (com um aumento de 1%), mas podendo chegar a uma alta de 44% na margem menos ambiciosa do plano. Isso até 2035, bem o período que o Brasil estima que ainda vai aumentar a sua produção de combustíveis fósseis. A estratégia prevê neutralidade de carbono para 2050.

“O Brasil, que tinha 88% de renováveis em 2024, poderá cair para até 82,7% em 2030 e, mantido esse patamar até 2035, estará regredindo em vez de liderar”, aponta uma análise feita pelo Instituto Talanoa sobre os planos setoriais. 

“A justificativa? Eventos climáticos extremos podem exigir maior uso de térmicas fósseis. Em outras palavras: a crise climática causada pelos fósseis pode ser motivo para… usar mais fósseis. Um paradoxo perigoso”, alerta a organização.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Vale a pena ouvir

EP 178 O que o censo não revela sobre os evangélicos no Brasil

Pesquisadora Christina Vital analisa o avanço evangélico no Brasil e suas consequências sociais e políticas

0:00

Aviso

Este é um conteúdo exclusivo da Agência Pública e não pode ser republicado.

Leia de graça, retribua com uma doação

Na Pública, somos livres para investigar e denunciar o que outros não ousam, porque não somos bancados por anunciantes ou acionistas ricos.

É por isso que seu apoio é essencial. Com ele, podemos continuar enfrentando poderosos e defendendo os direitos humanos. Escolha como contribuir e seja parte dessa mudança.

Junte-se agora a essa luta!

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes