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Entrevista

O que os números do Censo não revelam sobre os evangélicos brasileiros?

A socióloga e pesquisadora Christina Vital analisa o fenômeno do crescimento evangélico no país

Entrevista
27 de julho de 2025
17:00
Arquivo pessoal

O último Censo Demográfico do IBGE atualiza os dados sobre o aumento de pessoas que se declaram como evangélicas no Brasil, que passaram de 21,6% para 26,9% da população, entre os anos de 2010 e 2022. É um fenômeno que precisa ser observado com atenção, para que se interpretem as informações além dos números, já que não se trata de um grupo homogêneo ou perfeitamente representado por suas figuras políticas e midiáticas.

Para analisar esse atual cenário e projetar perspectivas para o futuro, Andrea Dip recebe no Pauta Pública desta semana a pesquisadora e socióloga Christina Vital. Ela avalia a atuação de representantes evangélicos no Congresso, suas influências na política e também nas periferias do país. Para Vital, houve mudanças significativas no campo evangélico desde a ascensão do bolsonarismo, em 2018, e ainda há muitos desafios para próxima eleição presidencial em 2026, já que algumas dessas instituições religiosas passaram a atuar de forma política.

Essa presença ganha força especialmente nas periferias ou onde em territórios onde o Estado está ausente, de acordo com a socióloga. “Os dados do IBGE mostram que nas periferias quem domina são os evangélicos, sobretudo os pentecostais. [Eles] se anunciam como mais poderosos no combate à violência, porque a colocam como um mal moral e espiritual e a religião na confrontação desse mal. [Além disso], oferecem também rede de apoio material, social e emocional”, ressalta Vital.

Leia os principais pontos da entrevista e ouça o podcast completo abaixo.

EP 178 O que o censo não revela sobre os evangélicos no Brasil

Pesquisadora Christina Vital analisa o avanço evangélico no Brasil e suas consequências sociais e políticas

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O que os dados sobre religião do Censo do IBGE de 2022, divulgados em junho de 2025, nos dizem sobre religião no Brasil e como a gente olha para esses números de maneira crítica?

Tem um mapa da religião no Brasil que é muito interessante de acompanhar.

Os números gerais informam que a população do Brasil tem 57% de católicos, quase 27% de evangélicos e os que se declaram sem religião, são quase 10%. Houve também o crescimento dos que se declaram de religiões de matrizes africanas e uma queda das declaradas espíritas.

Ao longo dos levantamentos pelo Censo, é possível verificar o aumento da diversidade religiosa no Brasil, no espaço urbano. É menor a presença de outras religiões no interior do país. Outra coisa interessante, é o crescimento evangélico, principalmente nas periferias das cidades.

Hoje, no Brasil, a gente vê esse crescimento evangélico em áreas de expansão e é possível perceber as marcas que esses grupos vão produzindo em cada um desses territórios também. Por exemplo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense, tem um número muito maior de evangélicos do que de católicos.

Nos anos 2000, por exemplo, quando os católicos eram 74% da população, na faixa litorânea do Rio de Janeiro, que é maior renda e escolaridade, você tinha mais católicos do que a média nacional. Ou seja, 80% da população dessa área era de católicos. Quando olhava-se para a região metropolitana Baixada Fluminense, esse mapa invertia. Esse mapa continua invertido nesse sentido, porque os dados do IBGE mostram que nas periferias quem domina são os evangélicos.

Ao que podemos atribuir esse crescimento dos evangélicos nas periferias?

Desde os anos 1990, realizo trabalho de campo em favelas, de forma intermitente, por meio de pesquisas qualitativas. Acompanhei de perto muitos desses processos, sobretudo nos anos 1990, quando se intensificou o chamado “novo nascimento”, isto é, o processo de conversão de pessoas oriundas do catolicismo popular ou de religiões de matriz africana para as igrejas pentecostais, que se tornavam cada vez mais numerosas.

Venho acompanhando esse fenômeno e dialogo com referências importantes nesse debate, como Clara Mafra e Paul Freston, que analisam, entre outros aspectos, como os evangélicos, especialmente os pentecostais, se apresentam como mais eficazes no enfrentamento da violência. Isso porque, ao interpretar a violência como um mal moral e espiritual, a religião assume um papel central no enfrentamento desse mal.

Considero que a expansão e a importância dos evangélicos nessas localidades estão relacionadas à violência, ao fato de serem áreas de expansão urbana e à presença dos templos e da comunidade, que oferecem e continuam oferecendo redes de apoio relevantes, materiais, sociais, emocionais e espirituais. Além disso, há uma questão importante que é a validação moral que os evangélicos conquistaram. Por muito tempo, foram vistos no Brasil como representantes de uma moralidade superior, marcada por comportamentos associados à abstinência de álcool, fumo e práticas consideradas ilícitas, características frequentemente destacadas como superiores em relação à cultura católica predominante.

Esse fator também contribuiu para o lugar social que passaram a ocupar, especialmente em relação à classe social. É possível considerar, portanto, pelo menos esses elementos para entender o crescimento evangélico no Brasil, sobretudo em áreas de expansão urbana e em territórios marcados por alta vulnerabilidade e violência.

Você acha que o bolsonarismo mudou o campo evangélico no Brasil?

Eu diria que o impacto do bolsonarismo no campo evangélico foi inédito, principalmente em relação às formas de engajamento político que se consolidaram a partir da eleição de Jair Bolsonaro. Antes mesmo das eleições de 2016, já se observava o contexto do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e toda a articulação que Bolsonaro realizava naquele período. Nesse momento específico da história, ele conseguiu ocupar um espaço de projeção como liderança capaz de organizar a direita e o conservadorismo no país.

Anteriormente, havia ações da Justiça Eleitoral que confrontavam campanhas políticas dentro de igrejas; várias denominações foram autuadas por irregularidades durante o período eleitoral. Existia uma contenção, uma vigilância sobre manifestações políticas em templos, com algumas igrejas, como a Igreja Universal do Reino de Deus, mais conhecidas por essa prática. Houve, inclusive, apreensão de materiais de campanha de candidatos em templos, evidenciando o vínculo institucional entre igrejas e partidos, sobretudo na disputa por espaços no Legislativo e, posteriormente, no Executivo.

Em 2018, observou-se uma participação mais explícita de lideranças religiosas, inclusive de pastores reconhecidos, que passaram a orientar fiéis sobre características desejáveis em candidatos. Fora dos púlpitos presenciais, essas lideranças utilizaram as redes sociais como púlpitos eletrônicos, declarando abertamente apoio a candidatos e partidos, além de se posicionarem contrariamente a adversários.

Essa situação ficou praticamente sem controle, impulsionada por uma rede bolsonarista muito ativa na internet, que fez uso estratégico da religião. A gramática religiosa foi convertida em gramática política de uma forma inédita na história brasileira. Além disso, o crescimento dessa onda conservadora e extremista também provocou uma reação significativa, estimulando a organização de setores progressistas dentro do campo evangélico. Desde 2018, esses grupos passaram a atuar de forma mais estruturada, o que resultou, por exemplo, na eleição de um deputado federal evangélico que se posiciona contra o fundamentalismo religioso, além do fortalecimento de movimentos de evangélicos de esquerda no Brasil.

Pensando nessas transformações todas que estão acontecendo no campo dos evangélicos no país, como você vê o apoio deste grupo nas eleições de 2026?

Já em 2014, observou-se uma organização diferente por parte de setores evangélicos. Esse processo é resultado de um empoderamento que se constrói desde 1989, quando atores evangélicos passaram a se estruturar politicamente para oferecer apoio a candidaturas. Se antes atuavam nos bastidores, fornecendo suporte e recebendo políticos em busca de diálogo, passaram a reivindicar protagonismo, ocupando diretamente o espaço eleitoral.

Em 2014, a candidatura de Pastor Everaldo à Presidência marcou esse movimento. Ele conseguiu reunir em torno de si lideranças influentes, como Silas Malafaia e Robson Rodovalho, ainda que enfrentasse tensões internas, já que era ligado à Assembleia de Deus, a maior denominação do país, enquanto a Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, era antagonista ao PSC, partido pelo qual concorreu. Mesmo assim, havia a expectativa de que, se sua candidatura ganhasse força, outras lideranças se somariam a ela. Ainda assim, sua campanha teve desempenho fraco, mas a ideia de um “puro-sangue”, como defendeu Marco Feliciano, não se perdeu entre parte do eleitorado evangélico.

Jair Bolsonaro, embora não seja evangélico, fato que ele próprio reafirmou diversas vezes, foi o presidente que mais abriu espaço para o discurso religioso na política, tanto pela retórica quanto pela composição de ministérios e pela indicação de nomes como André Mendonça ao STF. Mesmo não sendo evangélico, conseguiu representar uma pauta que agradou a setores do poder religioso e a uma base social que se reconheceu em seu discurso.

Para 2026, considero improvável que essa mesma mobilização se repita com a mesma força, especialmente em caso de condenação de Bolsonaro, o que levantaria dúvidas sobre sua capacidade de articulação política. Isso abrirá espaço para disputas não apenas entre possíveis candidatos, mas também entre lideranças religiosas.

Em médio prazo, no entanto, é importante observar o surgimento de novas lideranças jovens, alinhadas à extrema direita, que estão se organizando e se fortalecendo. Essas figuras podem, futuramente, viabilizar candidaturas que reúnam diversas forças do campo conservador. Sóstenes Cavalcante, por exemplo, sugeriu que o crescimento mais contido do número de evangélicos pode estar ligado ao envelhecimento de grandes lideranças. De fato, o envelhecimento desses atores impacta a dinâmica do campo evangélico, que passa a se reorganizar, inclusive no ambiente virtual.

Essa reorganização tende a tornar o campo evangélico mais difuso socialmente, diluindo o peso de grandes lideranças e tornando menos central a identidade evangélica declarada como condição para fortalecer candidaturas. Assim, é possível que, num futuro próximo, surja um “puro-sangue” que não se apresenta explicitamente como tal, mas que, mesmo assim, consiga reunir amplos setores conservadores em torno de sua candidatura. Tudo isso ainda está em movimento.

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