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Sem alarde, WhatsApp vai abrindo a porteira para passar a boiada das Bets

Empresas de apostas podem enviar mensagens massivas e não solicitadas a milhões de usuários em diversos países

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26 de maio de 2025
17:00

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No dia 27 de agosto do ano passado, parceiros da Meta para serviços de disparo de mensagens do WhatsApp Business receberam uma mensagem oficial corporativa anunciando que Bets poderiam mandar mensagens para seus clientes na Índia, nas regiões da Ásia, Pacífico e América Latina. O motivo, segundo a representante da Meta, era que “as pessoas querem poder enviar mensagens a todos os tipos de empresas usando o WhatsApp, por isso investimos em sistemas que permitem que mais tipos de negócios ofereçam conversas seguras e de alta qualidade.” 

A mensagem tem a ver com uma mudança de postura em relação às apostas online, setor que tem crescido à margem da lei e às custas do vício em diversos países do globo. 

Até o ano passado, o WhatsApp era mais restritivo quanto ao uso do seu produto mais bem sucedido – a API comercial – para o setor de apostas, ou as Bets. O raciocínio era o mesmo usado para setores como armas, medicamentos, drogas recreativas e álcool: há enormes riscos para o consumidor. 

Desde a segunda metade de 2024, o WhatsApp tem liberado o uso da sua API para empresas de apostas online em vários lugares do globo. Para isso, a empresa, que pertence à Meta de Mark Zuckerberg, modificou sua política de mensagens do WhatsApp Business. 

Para entender essa mudança, basta saber que a API do WhastApp Business permite a qualquer empresa enviar mensagens massivas e não solicitadas a milhões de usuários, desde que a empresa tenha os números de celular. Se você já recebeu propaganda do nada no seu WhatsApp, provavelmente foi através dessa ferramenta. Geralmente este trabalho é feito por empresas mediadoras certificadas pela Meta conhecidas como BSP, ou WhatsApp Business Solution Provider. Foram esses BSPs que receberam a mensagem da Meta no ano passado. 

A nova política de mensagens do WhatsApp ainda lista “jogos de azar e apostas com dinheiro real” como um setor regulado, que só pode operar em alguns países específicos, dentre os quais não está o Brasil. Para se inscrever, as Bets precisam responder a um formulário de inscrição no próprio Facebook e devem “fornecer evidências de que as atividades de jogos de azar e apostas online são devidamente licenciadas”.

Agora, com a regulação feita pelo Ministério da Fazenda, apurei que o WhatsApp está considerando abrir o serviço aqui no Brasil. Questionada se haveria um plano para abrir a API no Brasil, a empresa se limitou a dizer que “neste momento, a API do WhatsApp não está disponível para empresas de apostas no Brasil” e que “nos países em que a API do WhatsApp está disponível para empresas de apostas, as mensagens enviadas pela plataforma de negociação devem estar em conformidade com todas as leis locais aplicáveis, códigos do setor, diretrizes e licenças exigidos ou estabelecidos, além de cumprir com os requisitos de idade e país consistentes com as leis locais”. Negou-se a comentar sobre planos futuros. “É isso que temos para compartilhar no momento”, afirmou a assessora de imprensa.  

Para bom entendedor, meia palavra basta. 

(Se você acha importante que a Pública siga fazendo perguntas incômodas como essa, apoie nossa campanha de financiamento para investigarmos as Bets. Temos só até dia 30 de junho para arrecadar R$100 mil e viabilizar essas investigações.)  

Segundo eu apurei, as mudanças nas regras globais já têm levado a um aumento de propagandas de Bets em português em telefones norte-americanos. 

  • Print de uma mensagem no WhatsApp promovendo site de bets com promessas de bônus em dinheiro
  • Print de uma mensagem no WhatsApp promovendo site de bets com promessas de bônus em dinheiro

Há outros indícios de que o Brasil entrará logo na boiada das Bets no WhatsApp.    

Uma das empresas BSPs, certificadas pelo WhatsApp como mediadoras, a croata Blip, postou em 23 de dezembro do ano passado um “guia” de comunicação para Bets no Brasil. Entre as limitações estaria a proibição de mensagens com botões como “compre agora” ou “pague aqui” e de promoções com tempo limitado. No entanto, segundo a mesma empresa, as Bets poderiam enviar notificações de saldos disponíveis, lembretes personalizados de jogos ou eventos, avisos de lançamento de novos jogos, quizzes interativos, pesquisa de satisfação, e avisos de promoções personalizadas. Até mesmo um chatbot poderia ser disponibilizado para melhorar a comunicação das Bets com o público brasileiro. 

Segundo o Whatsapp, suas regras determinam que “uma empresa só poderá contatar pessoas no WhatsApp se: (a) elas tiverem fornecido à empresa o número do celular delas; e (b) a empresa tiver recebido o consentimento do destinatário confirmando que deseja receber mais mensagens ou ligações suas.“. Questionada sobre como fará essa fiscalização, a assesoria de imprensa encaminhou para o página de regras que estabelece que haverá um ranqueamento das empresas.

O Brasil está enfrentando uma “epidemia” de apostas. Dados do Instituto Locomotiva mostraram que 52 milhões de brasileiros apostaram nos últimos 5 anos – metade disso, apenas na primeira metade de 2024. Sete em cada dez jogadores não resistem e apostam pelo menos uma vez por mês.

Caso se concretize no Brasil, a mudança será danosa, segundo Luã Cruz, coordenador de telecomunicações e direitos digitais do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec). “É danoso porque explora de maneira invasiva o meio eletrônico mais popular do Brasil, que além de tudo, não consome a franquia de dados da internet móvel, o jeito que a maioria da população pobre brasileira acessa a internet”, explica. “Isso acaba facilitando a promoção de comportamentos compulsivos e dificultando o controle de exposição de públicos vulneráveis, como crianças e adolescentes”. 

Um dos maiores problemas deste tipo de oferta é que é impossível para o WhatsApp verificar se há ou não menores de idade usando a plataforma. 

Mas há ainda outro problema, segundo Luã. “Bets não autorizadas também se aproveitam desses canais e da permissividade das Big Techs com esse tipo de conteúdo, uma vez que essas empresas estão mais preocupadas em lucrar com anúncios do que qualquer outra coisa”. Um levantamento do Wall Street Journal demonstrou que a Meta só proíbe contas fraudulentas depois de 32 denúncias. “Essa dobradinha de burlar regras por Bets – legais e ilegais – e Big Techs ampliam ainda mais os riscos sociais das apostas online”, diz Luã.

De fato, torna-se cada vez mais difícil separar o fenômeno das Bets mundialmente da atuação das Big Techs. É essa a base de um processo iniciado nos Estados Unidos.   

Fato é que, enquanto a praga das apostas online se espalha por todo o globo, as Big Techs não estão apenas de braços cruzados – elas estão lucrando, e muito

É essa a base de um processo aberto nos EUA contra a Amazon, Meta, Google e Apple por processar pagamentos para casinos online ilegais. Os advogados acusam as Big Techs de agirem como “bookers”, pois elas processam o pagamento entre os apps de cassinos e os clientes, abocanhando até 30% do valor. 

As plataformas se defendem valendo-se da boa e velha Section 230, que estabelece que elas não são responsabilizadas pelo conteúdo veiculado nelas. E ainda afirmam que “toda a economia da internet estaria em risco” se elas fossem responsabilizadas. 

A batalha legal deve continuar e há chances do processo chegar até a Suprema Corte.  

A mesma interface entre Big Techs e casas de apostas online tem chamado atenção em outras partes do mundo. Em novembro do ano passado, o governo da Indonésia pediu que as plataformas se empenhem em combater os jogos e apostas ilegais. “Nós observamos que os aplicativos de redes sociais se tornaram um dos principais terrenos de propagação para crimes digitais”, afirmou o ministro das comunicações. 

Na Índia, o Instituto Digital Índia Foundation acaba de publicar um relatório chamando a Meta e o Google de “facilitadores” do negócio ilegal de jogos online que deveriam trabalhar junto com o governo indiano para enfrentar o fenômeno. “Apesar das proibições de promoções de apostas pelas gigantes digitais, a aplicação das regras é falha. E o volume de anúncios na rede publicitária do Facebook disparou nos últimos anos.”

O relatório alerta ainda que as apostas online são conduítes de financiamento ao terrorismo e lavagem de dinheiro de atividades criminosas. 

Aqui no Brasil, as Big Techs ainda não foram envolvidas nesse debate, que ainda é recente. Sabe-se pouco, por exemplo, sobre quanto as principais redes sociais, serviços de mensageria e buscas têm lucrado com a epidemia – uma conversa urgente, que não pode tardar no país que é um dos maiores mercados das Big Techs. 

Você quer que eu e meus colegas da Pública investiguemos e quem lucra com a epidemia de apostas? Ajude nossa campanha de financiamento, que ainda está muito longe da meta – juntos, nós vamos conseguir lutar contra a epidemia das Bets.   

Atualizado em 10:26 de 28 de maio de 2025 para incluir mais respostas da Meta.

Reprodução
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