Em novo ataque aos direitos reprodutivos no Brasil, a Câmara dos Vereadores do Recife aprovou, nesta segunda-feira, 10 de novembro, um projeto de lei que institui a Semana de Conscientização sobre a Síndrome Pós-Aborto. A condição não é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pela Associação Brasileira de Psiquiatria ou mesmo pelo Ministério da Saúde, como a Agência Pública revelou em reportagem. A aprovação do texto acontece uma semana depois da aprovação de um projeto de decreto legislativo que dificulta a realização do aborto legal em crianças na Câmara dos Deputados, em Brasília.
De autoria do vereador Gilson Machado Filho (PL) – filho do ex-ministro do Turismo do governo Bolsonaro, Gilson Machado – o projeto foi aprovado com 19 votos a favor e apenas três contrários. Ele prevê apresentações e distribuição de materiais informativos sobre os riscos ao aborto provocado, entre outras ações. Vereadoras do PSOL e do PT apresentaram um substitutivo ao texto, para transformar a proposta na “Semana Municipal de Humanização do Luto Materno e Parental”, mas a bancada bolsonarista rejeitou por 20 votos contra três.
As vereadoras da bancada feminista do Recife e os movimentos sociais por direitos reprodutivos avaliam que o projeto de Machado institui uma “síndrome imaginária” e é uma “ameaça ao direito ao aborto legal”, que é previsto no Brasil em casos de gravidez decorrente de estupro, feto anencéfalo ou risco de vida para a gestante.
“Quando um projeto de lei parte de uma ideia que não é reconhecida pela ciência, ele corre um risco de espalhar desinformação e de estigmatizar ainda mais as mulheres e pessoas que gestam”, disse a vereadora Jô Cavalcanti (PSOL) à Pública.
“O substitutivo que apresentamos ao PL 104/2025 retirava o termo ‘síndrome pós-aborto’, que não tem fundamento técnico, e alinhava o Recife à lei federal que criou a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental. Mas, infelizmente, aprovamos mais um instrumento que é fundamentalmente ideológico e impregnado de moralismo religioso”, concluiu.
Em Brasília, a maioria da Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada, o PDL 3/25 que dificulta o aborto legal em crianças porque suspende a Resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Essa resolução determinava que menores de 14 anos podem realizar aborto em qualquer fase da gestação e estabelecia diretrizes para atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, incluindo estupro, e reforçando direitos já estabelecidos na Constituição Federal, no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O projeto é de autoria da deputada Chris Tonietto (PL-RJ), uma das parlamentares antiaborto com maior atuação no Legislativo.
Em nota sobre a aprovação do texto, o Ministério da Saúde afirmou que “O corpo de uma criança não suporta uma gravidez, e nenhuma gestação em crianças, situação de extrema vulnerabilidade deveria sequer ocorrer. Entendemos que o Conanda atuou dentro dos limites de sua competência legal e democrática, com participação da sociedade civil. Por isso, consideramos que o PDL não tem fundamento constitucional para seguir tramitando e representa um inconformismo de setores que se opõem à proteção integral de meninas vítimas de violência”, conclui o texto.

PayPal 


