O jornal Extra criou uma editoria “Guerra” para tratar da situação de segurança pública do Rio de Janeiro. Na avaliação do periódico, essa foi a forma encontrada para não deixar o olhar jornalístico acomodado diante da barbárie que tem ocorrido na cidade.
A decisão editorial trouxe à tona uma discussão de fundo sobre a utilização do termo “guerra” em meio a um cenário cada vez mais alarmante de mortes de lado a lado, tanto civis quanto militares. Afinal, é guerra ou não? “Não há que se falar em guerra, a questão é muito mais de falta de política pública”, avalia o ex-coronel da PM Íbis Pereira, na primeira resposta à questão formulada pelo repórter da Pública Rogério Daflon.
Os outros entrevistados também avaliam a questão pelo viés do fracasso das políticas de segurança. Para María Martín, repórter do El País, as UPPs não deram certo. Cecília Olliveira, do The Intercept Brasil e gestora de dados do aplicativo Fogo Cruzado, afirma que o que se vive hoje no Rio “é um caos, fruto da corrupção generalizada do uso político das forças de segurança nos últimos 40 anos”.
Para quem está no olho do furacão, nas periferias e favelas, as localidades mais vitimadas pelos confrontos, caso de Lidiane Malanquini, da Redes Maré, a situação atrás de cada número que contabiliza uma morte “leva a toda uma família, uma rua, uma comunidade que fica extremamente sensibilizada”.
É Guerra? from Agência Pública on Vimeo.
Rogério Daflon – Vou começar com o Íbis para falar da questão dos números de mortes que estão acontecendo. Então, vamos abrir o debate no mais importante, que é a preservação da vida.
Íbis Pereira – Vou apresentar alguns números para a gente pensar na enormidade do nosso desafio. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a gente vive numa região violenta. Das 50 cidades mais violentas do planeta, 46 estão localizadas na América Latina e 32 estão localizadas no Brasil. O Rio de Janeiro não faz parte dessas 32. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2015 foram quase 60 mil pessoas vítimas de mortes violentas intencionais. Morte violenta intencional é o indicador que reúne alguns crimes: homicídio doloso, homicídio com a intenção de matar; lesão corporal seguida de morte; latrocínio, que é o roubo seguido de morte, e mortes decorrentes de oposição à intervenção policial, vulgarmente chamado de auto de resistência. Essas modalidades compõem o que a gente chama de morte violenta intencional. Em 2015, um brasileiro foi vitimado a cada dez minutos com base nesse indicador.
No Rio de Janeiro, nos primeiros seis meses deste ano, de acordo com o Instituto de Segurança Pública, a média diária foi de 872 roubos e 20 mortes violentas intencionais. Essa média de mortes violentas intencionais no Rio é de 30,3 mortes por 100 mil habitantes, o que situa o estado no 16o lugar. Em quase 30 anos de Constituição, a gente praticamente triplicou o número de mortes por 100 mil. Se fizermos um recorte por idade, entre 15 e 29 anos, saltamos da 16a para a 11a posição – com uma tendência de alta nos últimos seis anos, e não desenhamos nenhuma política pública para conter isso.
O perfil das vítimas no Rio de Janeiro é o mesmo das vítimas no Brasil. Jovem do sexo masculino, negro, morador de favela, de periferia. Dentro de dois ou três anos, estaremos entre os dez estados mais violentos da federação se não enfrentarmos a questão. Não há que se falar em guerra, a questão é muito mais de falta de política pública.
Rogério Daflon – A Maré é um dos lugares onde tem mais bala perdida. Então a gente queria que a Lidiane, da Redes Maré, passasse a vivência desse dia a dia.
Lidiane Malanquini – Os dados são alarmantes em toda a cidade. Mas a gente sabe que existem áreas onde essa violência se concentra cada vez mais. O coronel Íbis fala muito bem que não são espaços de guerra, mas espaços sem políticas públicas, que devem ser pensadas a partir das favelas e das periferias.
A Maré é o maior complexo de favelas do Rio de Janeiro, somos 140 mil habitantes. A Maré tem um processo de luta muito grande por direitos e por políticas públicas. Não à toa a gente vai encontrar lá uma efervescência cultural e de lutas que garantiram 46 escolas municipais, nove postos de saúde…
Mas, independentemente de tudo o que foi construído, se olha a Maré como um espaço de violência por excelência. O Raul Santiago falou muito bem no vídeo da Pública, Bala Perdida, que a bala tem um endereço: é a favela, a periferia. A população negra. E os jovens são as vítimas diretas dessa violência letal.
A Redes da Maré vem desenvolvendo um estudo sobre a questão dos confrontos armados decorrente dessa política de guerra às drogas. A gente não gosta do termo “guerra” porque legitima uma série de ações que não devem ocorrer. Monitoramos os confrontos armados e fazemos atendimento à população. Em 2016, por exemplo, tivemos 33 situações de confrontos na Maré e em 2017 a gente já teve 40 confrontos armados.
E o que esses confrontos armados intensos trazem? Trazem uma mudança cotidiana dessa população. A criança não vai para a escola porque a escola não consegue abrir, o posto de saúde não funciona, o comércio fecha, e quem mora na Maré e trabalha fora não consegue sair. Muitas vezes se acorda às 6 horas da manhã em meio ao confronto armado, o que impossibilita o direito de ir e vir. Nesses últimos sete meses, identificamos 21 pessoas mortas, um aumento em relação ao ano passado, com 17 mortes e 36 feridos. Ou seja, 53 pessoas que foram vítimas diretas dessa violência armada na Maré. Até o final do ano, esse número vai ser mais alarmante. E atrás de cada número desses tem toda uma família, uma rua, uma comunidade que fica extremamente sensibilizada. Muitas vezes são as mulheres que vão ter que lidar com todas essas questões e são invisibilizadas pelos dados. Porque é inquantificável. Como é que você vai quantificar o número de famílias que são desestabilizadas, desestruturadas nesses processos? A gente quer olhar os números como produtos sólidos. Como se os números falassem por si. A gente também não tem uma política pública que promova cuidado a essas famílias. Principalmente a essas mulheres, que ficam com a consequência cotidiana dessa violência armada. Será mesmo que a gente vai continuar acreditando que combater o tráfico ilegal de drogas é o caminho para a gente garantir segurança para a população? De que população a gente está falando? Porque com certeza a população da favela não é.
Rogério Daflon – Nós, jornalistas, uma vez ou outra usamos o termo “guerra” nas nossas reportagens. O jornal Extra criou a editoria de guerra. E a gente botou isso em questão: é guerra ou não é guerra? A gente deve usar esse termo? María Martín, gostaria que você falasse sobre isso e sobre o nosso papel na cobertura jornalística nesses territórios mais pobres.
María Martín – Acho que a decisão do Extra trouxe uma discussão muito interessante para a gente, os jornalistas, fazer uma autocrítica. Uma das primeiras pessoas para quem liguei foi a Cecília. Eu tinha usado a palavra “guerra” várias vezes. Eu tinha muito receio com essa palavra e acho que comecei a usá-la quando derrubaram aquele helicóptero na Cidade de Deus, com quatro policiais mortos, sete pessoas executadas.
Eu fui lá e me choquei ao ver como as crianças brincavam. No mesmo momento em que os policiais entravam na favela, tinha criança imitando o fuzil do policial com um cabo de vassoura. E isso é uma situação tão complexa que a gente tem um pouco de preguiça intelectual e usa um clichê jornalístico.
No meu caso, o conceito de guerra resume a complexidade que a gente vive aqui.
É complicado que alguém que nunca teve contato com essa realidade consiga entender o que acontece. Então, quando o Extra decidiu criar a editoria, liguei para a Cecília. E a Cecília: “Não é guerra”. Coloquei para ela várias situações e ela: “Não é guerra, María. É política de segurança fracassada”.
Enfim, acho que o conceito é errado mesmo, pois implica uma série de consequências que são perigosas. Faço esse mea culpa por ter usado o termo e a partir de agora vou pensar 200 vezes antes de escrever algo como uma situação de guerra. Mas é importante a gente pensar sobre isso, porque às vezes trabalhamos por inércia e, como comentado antes, será que não deveríamos pensar numa cobertura da segurança pública, dando a importância ao assunto de uma forma mais planejada? Como a gente está cobrindo a segurança pública no Brasil e no Rio de Janeiro? É muito factual. “Menino morreu de bala perdida”; “Menina morreu na escola”; “100º policial morreu.” A própria polícia é muito pouco transparente. É muito complicado informar.
Rogério Daflon – A Cecília fez uma crítica contundente sobre a questão de rotular de guerra uma editoria no jornal carioca. Queria que você formulasse para a gente os argumentos principais sobre isso.
Cecília Olliveira – Na verdade, a palavra “guerra” está entranhada na nossa realidade. Eu digo nossa realidade, principalmente, para quem é carioca ou quem mora no Rio. Para o aplicativo Fogo Cruzado, eu trabalho com filtros específicos nas redes sociais para mapear quem está falando sobre tiroteios na cidade e com qual frequência. E uma coisa que percebi é que as pessoas usam as palavras “tiro”, “tiroteio”, “porrada”, “bomba” para qualquer situação. Então, é uma linguagem muito comum do carioca, do fluminense.
E uma das coisas que destaco é a linguagem policialesca comum na imprensa. O linguajar militarizado, de território, confronto, heroísmo, conquista, embate… Isso é absorvido pelas redações. Então, o jornal fala como a sociedade fala, a sociedade fala como o jornal fala, que fala igual à polícia fala, e vira um ciclo. Mas isso é muito diferente de você decretar que há uma guerra. E é diferente em todos os sentidos, porque, como o coronel Íbis mesmo demonstrou, o Rio de Janeiro nem sequer está entre os top 5 de letalidade e violência. Muitas cidades que têm a letalidade mais acentuada, no Norte e Nordeste, a gente nem sabe. E, como todo mundo realmente disse e ficou claro, o que a gente vive aqui no Rio de Janeiro é de fato o resultado de uma série de questões. É resultado da falta de planejamento, não é falta de investimento porque o dinheiro que o Rio recebeu e investiu em segurança pública superou muito o que foi investido em educação e saúde, por exemplo. Mas o que foi feito com esse dinheiro? A gente vê, inclusive, um ex-governador preso, devolvendo algumas partes desse dinheiro.
A gente não tem transparência de informações, o que dificulta, inclusive, o trabalho da imprensa. Uma coisa que fazemos no Fogo Cruzado é quantificar o número de vítimas. Se a gente decidir comparar esse número com o número que o Instituto de Segurança Pública produz, vamos ter que esperar 40 dias no mínimo, porque esses dados não são sistematizados e disponibilizados com a agilidade com que deveriam ser. O Fogo Cruzado nasceu de uma necessidade que tive como repórter: eu não consegui o número de tiroteios disparados de arma de fogo na cidade. Então decidi: “Vou começar a contar isso na mão”. Mas, sozinha, era muita coisa. Então tive a chance de sistematizar isso por meio da rede internacional. O que a gente vive hoje no Rio é um caos, fruto da corrupção generalizada e do uso político das forças de segurança e mau planejamento nos últimos 40 anos. Não é surpresa. Não tem uma coisa que você fala: “Nunca vi isso”. Nos anos 1980, 1990, já se viu isso muitas vezes. Então por que é guerra hoje e não era guerra nos anos 1990? A legitimidade que a gente dá a essa palavra criando essa editoria é grave. O papel da imprensa deve ser o contrário, ou seja, questionar sistematicamente o que o Estado decide.
Rogério Daflon – A cobertura, aqui no Rio de Janeiro, sobre segurança pública muitas vezes é feita com a versão da polícia. Eu queria saber a visão do coronel Íbis em relação ao nosso papel de jornalista na segurança pública.
Íbis Pereira – Eu acho que se cria uma figura da pessoa que é “matável”. O sujeito que está dentro da ordem jurídica, mas também está fora da ordem jurídica. O traficante é exatamente isso, é “matável”. É para a gente respeitar se ele tiver com um fuzil atravessado no peito e aparecer essa foto no jornal.
Entendo que isso tem a ver com o processo de militarização da segurança pública, algo que começa no final dos anos 1970, uma herança da ditadura. A gente nunca teve polícia democrática. A ditadura deu ciência a essa brutalidade, brutalizou as forças públicas. Aliás, o decreto que regulamenta as polícias militares é de 1969.
Se um garoto troca tiro com a polícia e tem um envolvimento com o tráfico e vem a morrer nesse confronto, sua morte nem é investigada. Aliás, de cada cem homicídios no Brasil só investigamos oito.
O grande problema nesse tipo de narrativa é acreditar que se está em guerra e que essa guerra se dá contra um inimigo, o traficante de drogas, o que o torna uma pessoa “matável”. Com isso a gente alimenta esse processo de embrutecimento das forças policiais. Acho que o desafio da nossa democracia é desconstruir essa questão. Para fazer isso, a gente precisa envolver no debate um personagem que é absolutamente central e tem permanecido à margem da discussão, que é o Ministério Público. O Ministério Público no Brasil é o fiscal das polícias, é o responsável pelo controle externo da atividade policial. Ele tem estado, insisto em dizer, muito á margem dessas discussões.
Rogério Daflon – Existem ações da polícia que parecem ações de vingança.
Lidiane Malanquini – No dia 24 de junho de 2013, houve uma operação do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar, o Bope, e um policial foi morto na Maré. À noite teve uma incursão nas favelas de Nova Holanda até o Parque União. Foram 11 pessoas mortas. Um mês atrás, a gente viu isso no Jacarezinho. Depois da morte de um policial do Core, novamente uma operação que durou dez dias, com tiroteio e sete mortos. A gente percebe que não está se falando de uma política de segurança pública, mas de uma política de vingança e confronto onde a favela é o espaço no qual esse confronto acontece de forma livre. Quando a imprensa vai falar em guerra, a gente está legitimando uma série de violações de direitos humanos. A Maria Eduarda morre dentro de uma escola e o representante da PM fala que uma criança morrer é um efeito colateral. Quando a gente fala que tem que questionar, é por causa disso. Se a gente legitima a fala guerra, a gente legitima as práticas.
Rogério Daflon – María, como você acompanhou essa transição do fim da UPP para algo que a gente não sabe muito bem como definir?
María Martín – Sempre houve uma crítica enorme. Já nasceu com muitos problemas e com um conceito que não chegou a ser atingido de polícia de proximidade. Há anos que existem relatórios falando que é impossível que dê certo se você fica mantendo essa política extensiva nas comunidades. Agora a gente viu uma novidade que é esse anúncio de remanejamento e recursos. Os jornalistas estavam na coletiva. A gente não entendia nada, tinha que fazer trocentas perguntas. O que vocês querem dizer? Vocês querem dizer que vão retirar os policiais? “Não, não, não. Policial fica.” Então, o que vocês vão fazer? Você vê que há, inclusive, uma dificuldade de comunicar. Isso cria muita insegurança do ponto de vista jornalístico, do ponto de vista do cidadão, pois parece que eles não sabem o que vão fazer.
Rogério Daflon – O termo “auto de resistência”, que são as mortes em confronto. Como é que você, à frente do Fogo Cruzado, faz análises em relação a isso?
Cecília Olliveira – No Fogo Cruzado, a gente contabiliza as mortes, todas elas, e também os feridos. Como a María disse, é difícil obter informação porque as informações são extremamente descentralizadas. Tem um perfil por batalhão, tem perfil no Facebook, tem perfil no Twitter, perfil no Instagram, tem o site, e é tudo muito pulverizado. É estrategicamente descentralizado. A questão, por exemplo, dos policiais mortos. O Instituto de Segurança Pública só contabiliza policiais mortos em serviço. Você percebe muito claramente o desdém do governo com a sua própria gente. A gente falou, a imprensa fez milhões de infográficos, informações sobre o 100º policial morto. Pergunta se o governador foi ao enterro desse policial? Se o secretário de Segurança esteve presente nesse funeral? O uso político que é feito das forças de segurança é danoso tanto para o agente público quanto para a sociedade. Então, é muito complicado quando a gente fala sobre política pública porque política pública não existe.
Plateia – Sobre a Polícia Militar, tenho muita dificuldade de entendê-los. Já há alguns anos faço essa reflexão. Que instituição é essa? As suas cúpulas ganham dinheiro com diversos tipos de crime, como tráfico de drogas, roubo de carga, caça-níqueis. Você esteve lá dentro. O senhor pode comentar um pouco dessa instituição?
Íbis Pereira – O problema da corrupção policial é fato. Eu comandei a polícia durante dois meses. Uma das minhas primeiras providências foi reunir todos os meus oficiais e procurar deixar bem claro o que estava fazendo ali.
É claro que assumi o comando muito mais como um interventor do que qualquer outra coisa. Eu vi um problema seríssimo de corrupção tremenda que entrei para tentar debelar. Acho que essa corrupção é facilitada por conta do anacronismo da nossa legislação. Acho que, se a nossa legislação fosse melhor e permitisse uma atuação mais proativa, controle efetivo sobre os processos administrativos burocráticos, a gente poderia limitar muito a corrupção. Não é que a polícia seja voltada para isso. O problema da corrupção acaba sendo, em última análise, um custo e benefício. Até onde eu posso ir que ninguém vá me alcançar? A Corregedoria acaba se tornando um órgão cartorial. Honestamente, não vejo a instituição como contendo a sua existência vocacionada para o crime.
Rogério Daflon – Eu estava relendo a frase do ministro que diz que “é possível que aconteçam coisas indesejáveis”. Institucionalmente esse conceito de guerra está entrando de uma forma muito forte. De onde vem isso?
Íbis Pereira – É uma frase horrorosa. Penso que ela traduz exatamente essa concepção militarizada da segurança pública. A ideia de que você combate o crime. A ideia de que você tenha que enfrentar um inimigo, o inimigo número 1 da sociedade, que é o tráfico de drogas. Na ditadura militar, era o comunista. No final dos anos 1970, os EUA declararam guerra às drogas. Quando a gente estava saindo da ditadura, a gente trocou uma guerra por outra.
Acho que a doutrina de segurança nacional que se incorporou na segurança pública, sobretudo a partir de 1969, quando o policiamento ostensivo passou a ser exclusivo das polícias militares.
Quando um ministro usa essa expressão, a gente já não estranha mais. A gente não estranha sequer ver 7 mil soldados entrando numa favela com um veículo blindado da Marinha. Eu assisti a Tropa de elite, o primeiro, o segundo não consegui assistir. Assisti em quatro cinemas diferentes da cidade e a reação do público foi a mesma. As pessoas batiam palma para cena de tortura. E isso só é possível numa sociedade que tem uma baixa compreensão do que é democracia e que está militarizada. E isso é herança da ditadura civil-militar.
Rogério Daflon – Maré, Manguinhos, Jacarezinho. Vocês, de certa forma, estão conversando entre si para dar esse recado de uma maneira mais forte? Que o direito à segurança pública é pública por mais que seja redundante?
Lidiane Malanquini – A gente tem reunido uma série de grupos de favelas para discutir segurança pública na perspectiva de afirmar segurança como direito. Embora a gente tenha vivenciado historicamente nas favelas a segurança pública enquanto um não direito, violência e violação. A gente quer afirmar a necessidade da segurança pública ser percebida por todos. Tem movimentos muito organizados, mas a gente sempre está falando entre a gente. Trazer a pauta da segurança pública é tirar do individual. A gente não quer mais discutir qual foi o policial que invadiu a minha casa e quebrou tudo. Esse policial tem que ser punido? Tem. Mas esse policial vai ser punido e vão vir mais cem atrás dele. A gente tem que tirar isso do plano individual e também jogar isso para quem está comandando.