Os jornais cariocas manchetavam o início do chamado “segmento de alto nível” da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, no dia 20 de junho. Mais de 100 chefes de Estado se reuniriam no Riocentro, na Barra da Tijuca. Na abertura do evento, a presidenta Dilma Rousseff chamou os chefes de Estado a assumir a responsabilidade de planejar o desenvolvimento sustentável com “os seres humanos no centro das preocupações”.
No mesmo momento, um grupo de manifestantes, saídos da comunidade de Vila Autódromo, a três quilômetros dali, aglomerava-se diante da barreira militar, montada na Avenida Salvador Allende, acesso para a Vila Autódromo e para o Riocentro, fazendo barulho e tentando levar os problemas da comunidade que resiste há 20 anos a tentativas de remoções forçadas, para dentro da conferência ambiental, com o apoio do Movimento Nacional de Luta Pela Moradia (MNLM), da Via Campesina, do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas e da Central de Movimentos Populares.
A geografia do evento mostrou desde o início a distância entre movimentos populares e chefes de Estado. Paralelamente ao encontro, eles se reuniram dias antes na Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20 no Aterro do Flamengo.
Vila Autódromo conta sua história
A comunidade surgiu como vila de pescadores, na Baixada do Jacarepaguá, nos 1960 e cresceu durante a construção do autódromo do Rio, em 1975, com a mudança de alguns dos operários que trabalhavam na obra para vila, espremida em uma pequena área entre o Autódromo e a Lagoa de Jacarepaguá.
Há vinte anos seus moradores convivem com ameaças de remoção. Em 1992, coincidentemente o ano em que o Rio sediava a Eco-92, evento que deu origem à Rio+20, a prefeitura do Rio de Janeiro pediu pela primeira vez a retirada da comunidade. “A justificativa exata que a prefeitura do Rio usou foi de que a comunidade causava dano ao ambiente natural, urbano, estético e visual” afirma Gisele Tanaka, do Instituto de Pesquisa em Urbanismo (IPUR) da UFRJ. Ela explica: “De fato uma pequena área da comunidade está em área de preservação ambiental, mas seria possível urbanizar retirando apenas as casas que estão nessa área. Eles usaram esses termos para conseguir a remoção completa”.diz.
Em 1996, voltou-se a falar em remoção, desta vez com a justificativa de que a comunidade estava em área de risco. Em 2005, quando o Rio se preparava para abrigar os Jogos Pan-Americanos, e a área passou a ser cobiçada por empreiteiras para projetos imobiliários, nova ameaça. Mas a comunidade resistiu, vencendo todas as ameaças de despejo.
Ainda nem havia o projeto do Parque Olímpico para os jogos de 2016, quando novamente a Prefeitura anunciou que teria de remover a comunidade, dessa vez para a construção de um Centro de Mídia no local. Em 2010, o argumento foi de que a comunidade poderia ameaçar a segurança dos atletas pela proximidade da vila olímpica, apesar de alguns edíficios de alto luxo também estarem próximos dali.
O anúncio oficial veio em outubro de 2011, no edital de licitação do Parque Olímpico. A comunidade foi à Justiça, com apoio da Defensoria Pública, e conseguiu uma decisão obrigando a publicar no edital qual seria o destino das 4000 pessoas que residem no local. “Então eles refizeram o documento e desenharam uma alça viária que passava pela comunidade. Este é o último argumento. Essa alça ligaria as vias de BRT (Bus Rapid Transit) Transcarioca e Transolímpica [próximas à Vila Autódromo]”, explica Gisele, que destaca o fato de o projeto apresentado para licenciamento ambiental da Transcarioca, no mesmo ano, não previa essa alça.
“Como uma obra viária de grande porte, no município inteiro, que já está em obras tem seu trajeto mudado depois da licença ambiental?”, questiona a urbanista.
Os moradores da Vila Autódromo decidiram então apresentar um projeto para a urbanização da comunidade, como alternativa à obra prevista. Desenvolvido em conjunto com a UFRJ e a Universidade Federal Fluminense (UFF), em fase de finalização, o objetivo do projeto é melhorar as condições de moradia do local. E deve ser lançado nas próximas semanas. “Queremos pensar com eles e decidir juntos. Inclusive é muito mais barato urbanizar do que remover”, afirma Gisele Tanaka. Era isso que os manifestantes tentavam dizer aos chefes de estado, à sociedade e à imprensa naquela quarta-feira.