Ao redor do mundo, o jornalismo esportivo tem o costume de simplesmente ignorar temas como política esportiva, financiamento do esporte, esporte amador e, no caso do Brasil, até os preparativos para os megaeventos que o país vai sediar nos próximos anos. Também não costuma consultar mais de uma fonte para seus artigos e mantém uma hegemonia masculina, tanto nos autores quanto no foco das matérias.
Essas são algumas das conclusões da pesquisa “International Sports Press Survey” (ISPS, sigla em inglês para Pesquisa Internacional sobre a Imprensa Esportiva numa tradução livre), feita pelos acadêmicos alemães Jörg-Uwe Nieland, da German Sport University, e Thomas Horky, da Macromedia University for Media and Communication, em parceria com o Danish Institute for Sport Studies (Idan) – instituto de pesquisa esportiva independente, financiado pelo Ministério da Cultura da Dinamarca. No estudo, foram analisadas 18.340 matérias de 81 jornais, em 23 países, de abril a julho de 2011. Os países analisados foram: Austrália, Brasil, Canadá, Dinamarca, Inglaterra, França, Alemanha, Grécia, África do Sul, Índia, Malásia, Nepal, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Romênia, Escócia, Cingapura, República Eslovaca, Eslovenia, Suíça Francesa, Suíça Alemã e Estados Unidos.
A pesquisa ainda não foi publicada na íntegra, mas alguns dados e conclusões iniciais foram divulgados no último dia 24, no seminário “Mega-eventos e democracia: riscos e oportunidades”, parte da conferência internacional Play The Game de transparência e democracia no esporte.
Segundo o estudo, três assuntos dominaram os jornais analisados neste período: resultados ou crônicas de jogos ou partidas (de futebol ou não); performance esportiva de atletas ou times (quebra de recordes, período de invencibilidade de uma equipe) e prévias de competições (prognósticos a respeito de resultados de um torneio, quem tem mais chances, quem tem menos, etc.). Juntos, chegaram a 77,7% das matérias publicadas. Política esportiva e financiamento do esporte corresponderam a apenas 5,8% do conteúdo publicado em todo o mundo.
O futebol foi a modalidade mais noticiada pelos jornais, com 40,5% das publicações do período. O tênis, segundo esporte mais abordado pelos jornais em todo o mundo, ficou com o índice de apenas 7,6%. Em regiões como América do Sul, Europa e África do Sul, o futebol chegou a atingir índices entre 50 e 85% de predominância em todos os artigos esportivos.
Segundo a pesquisa, os jornalistas esportivos também não costumam escutar muitas fontes. Em mais de 40% dos artigos analisados, apenas uma fonte foi ouvida e uma em cada quatro matérias não usou fonte alguma. Técnicos e atletas representam quase a metade das fontes ouvidas. Pessoas ligadas ao governo e pesquisadores acadêmicos tiveram índices quase inexpressivos.
No Brasil
A pesquisadora Tatiane Hilgemberg, especialista em gestão do esporte pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), reuniu alguns dados a respeito da mídia brasileira para a International Sports Press Survey. Tatiane analisou três tipos de jornais: um nacional, um regional e um tablóide. Os jornais avaliados foram O Globo (nacional), Tribuna de Minas (regional) e Meia-Hora (tablóide), também no período entre abril e julho de 2011.
Por aqui, o futebol foi tema de 74,6% das matérias analisadas sendo, de longe, o mais abordado. O segundo esporte mais veiculado foi a Fórmula 1, com 3,3%.
“As conclusões preliminares mostraram que o futebol está massivamente presente na mídia analisada, e os temas giram sempre em torno das performances e resultados de partidas”, constata a pesquisadora. “Os preparativos, tanto para a Copa quanto para os Jogos Olímpicos, estiveram presentes na análise, porém ambos perderam espaço para a cobertura do Campeonato Brasileiro ou da Libertadores”, explica. Segundo os dados, 72% das matérias publicadas a respeito de esporte focaram prévias de jogos, competições, torneios, resultados e relatos de jogos ou competições e a performance de jogadores e times.
Mesmo em um momento decisivo na preparação para os megaeventos, alguns aspectos importantes para uma fiscalização correta parecem ter sido ignorados. O financiamento público do esporte, por exemplo, foi um tema que apareceu apenas em 0,9% das matérias esportivas. Política esportiva apareceu em 0,8% dos textos. Juntos, esses temas não chegam nem a dez por cento do que foi destinado a resultados de jogos e de competições. A cobertura específica a respeito dos megaeventos teve um índice de apenas 2,6%.
O modelo se reflete nas fontes utilizadas pelos jornais. Políticos ou instituições governamentais foram ouvidos em apenas 1% das matérias. “Percebi também que a maioria das matérias de esporte não estão assinadas”, completa Hilgemberg. “E as que estão assinadas são, em sua maioria, de autoria masculina.” Nos artigos assinados, 93% eram feitos por um homem e somente 7% por uma mulher. No mundo, o índice foi de 88% das matérias assinadas por homens e apenas 11% por mulheres.
Diante das conclusões da parte brasileira do estudo, a pesquisadora aponta que a imprensa vem deixando de exercer o seu papel de “cão-de-guarda” de um patrimônio cultural, político e econômico tão importante quanto o esporte. “Há pouquíssima informação sobre política, economia ou transparência. Ou seja, a imprensa não tem cumprido seu papel de fiscal”, conclui.