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A detenção do editor do WikiLeaks, Julian Assange, é a mais longa prisão sem julgamento da Justiça sueca

Da Redação
19 de junho de 2014
15:16
Este artigo tem mais de 9 ano

Completam hoje dois anos desde que Julian Assange atravessou a porta branca da embaixada equatoriana em Londres, disfarçado, temendo ser interceptado pela polícia britânica que lhe monitorava cada passo através de uma pulseira eletrônica presa ao seu tornozelo. Já fazia então um ano e meio que Julian estava sob prisão domiciliar em uma casa no interior da Inglaterra, após começar o vazamento dos despachos das embaixadas norteamericanas que renderam tantas revelações, tantas reportagens e tanta inspiração para tanta gente. Hoje já são 1289 dias de prisão. Sem qualquer julgamento, sem qualquer condenação.

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Julian Assange posa com a camisa da equipe equatoriana na embaixada que o acolheu. Foto: AneurisMatt

Dentro da embaixada, que fica no andar térreo de um prédio vitoriano, em frente ao templo do consumo de Londres, a loja Harrod’s, Julian ocupa duas salas: uma delas, um escritório transformado em quarto onde se amontoam suas poucas mudas de roupa, os presentes que continuam a chegar de todo lado do mundo, cartões de incentivo, livros, papeis. No outro, apenas uma tela que a equipe usa para projetar fundos diversos quando o jornalista participa por Skype de algum evento (como aconteceu no debate de encerramento do Arena Net Mundial) , uma mesa com uma enorme tela de computador e outros, pequenos, espalhados por todo lado. Não há um quintal onde Julian possa tomar sol quando ele dá o ar da graça na cinzenta Londres, e diante do escritório, cujas cortinas ficam permanentemente fechadas, um carro policial vigia, escuta, espia ostensivamente qualquer movimentação lá dentro.

A enxuta equipe do WikiLeaks continua trabalhando com ele todos os dias, mas os horários são limitados, assim como as visitas que ele pode receber: com o tempo, os rituais para visitar Julian se tornaram mais cansativos, burocráticos, mais lentos. Assim, é um tanto triste o que eu tenho a contar. Estive na embaixada algumas vezes, visitando um amigo que eu admiro pela argúcia e a coragem, que nunca vi igual. A última visita foi em novembro do ano passado. Passamos algumas horas, madrugada adentro, tomando uma vodka que lhe fora presenteada por uma das visitas que recebe quase todos os dias.

Julian estava um pouco irritado. Sua assistente Sarah Harrison estava ainda em Moscou, dando apoio a Edward Snowden, a quem conseguiu tirar de Hong Kong e levar para a Russia mesmo sem passaporte – um feito inacreditável. Estava claro que Sarah não poderia voltar a pisar no Reino Unido; poucos meses antes David Miranda, companheiro do jornalista Glenn Greenwald, fora detido por 9 horas no aeroporto sob a Lei de Terrorismo, por portar documentos de Snowden. A posição legal em que Sarah está é bastante complicada: segundo a lei, ela pode ser detida por até 9 horas, e é obrigada a responder quaisquer perguntas e fornecer quaisquer documentos e senha que tenha consigo. Não lhe é dado, sob essa lei, o direito ao silêncio. Viajar até a sua terra natal significaria, portanto, colocar em risco não só a si mesma, mas a todos do WikiLeaks e a Edward Snowden (leia o que ela escreveu sobre isso). Hoje em dia, Sarah está vivendo em Berlim, assim como Jacob Applebaum, outro hacker que colabora com o WikiLeaks e Snowden, e Laura Poitras, a documentarista que recebeu os documentos o ex-funcionário da NSA junto com Glenn Greenwald.

Isso significa que muitos dos que sempre apoiaram Julian estão afastados do seu claustro em Londres. Os dias tornam-se cansativos, e o jornalista às vezes se sente “em solitária de fato por 9,10 horas por dia”, como me disse uma vez. O prolongamento da detenção prévia, como sempre, o tem empurrado ao trabalho frenético – hoje o WikiLeaks publicou documentos sobre um acordo multilateral secreto que propõe a liberalização dos serviços (TISA) em 50 países e em breve Julian vai lançar um livro sobre o Google – mas também a uma solidão difícil de suportar. Pela primeira vez, eu temo pelo meu amigo.

No ano passado o Reino Unido decidiu encerrar o grupo de trabalho que tinha como objetivo negociar com o governo equatoriano o impasse que o mantém trancado naquelas duas salas: o Equador deu asilo a Julian, mas a Inglaterra se nega a dar o salvo-conduto para ele viajar para a América do Sul. A esperança, se era pequena, ruiu. Em resposta, na última semana o presidente equatoriano Rafael Correa disse a jornalistas: “Estão atentando contra os direitos humanos de uma pessoa”.

Outra voz reiterou essa semana a enorme violação de direitos humanos que a situação apresenta.  Uma coalizão de organizações de advogados Associação de Juristas Americanos, a Associação Europeia de Advogados pela Democracia e Associação dos Advogados da Índia entregou um relatório analisando as condições da detenção prévia de Assange à Comissão de Direitos Humanos da ONU. O relatório critica o excesso de poder do ministério público na Suécia: “Primeiro, os procuradores rotineiramente colocam os suspeitos em prisões preventivas longas, isoladas, ou sem explicação. (…) Estatísticas recentes mostram que a Suécia está entre os piores países europeus em prisões preventivas”. O documento também aponta que “nos casos em indivíduos sob investigação estão fora da Suécia, os procuradores aceitam tomar seu depoimento remotamente em alguns casos, mas não em outros. As decisões sobre fazer ou não um interrogatório remoto são feitas sem qualquer explicação ou base coerente”. No caso de Assange, a acusação negou a oferta de realizar o interrogatório na embaixada, ou por Skype. Leia aqui o documento completo.

O relatório, que recomenda mudanças no código penal sueco, será usado como base para os advogados de Assange entrarem com um pedido na Justiça sueca demandando a extinção do pedido de extradição e da detenção prévia, que já dura 3 anos e meio. O caso de Julian é o mais extenso caso de detenção sem julgamento na Justiça sueca.

Enquanto isso, o governo brasileiro jamais teve uma postura proativa diante do impasse do Assange, cada dia mais claramente uma questão de violação grave de direitos humanos. O primeiro governo a defender o jornalista – ainda sob o comando de Lula, em 2010 – jamais se ofereceu para mediar o impasse diplomático que envolve o país vizinho. Algo que o Itamaraty mais que provou que tem competência e condições de fazer. Só não tem vontade.

 

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