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Denunciada pela CPI dos Ônibus de Niterói, Guanabara Participações, de Jacob Barata, também é proprietária de garagem no Rio de Janeiro

Reportagem
1 de agosto de 2017
12:54
Este artigo tem mais de 6 ano

Ilustração: Biba Rigo

Os ônibus que cruzam a cidade do Rio de Janeiro são apenas a ponta do iceberg no oceano de negócios dos empresários do ramo. A partir de um levantamento inédito, a Pública identificou a possibilidade de alguns proprietários dos ônibus do Rio utilizarem imobiliárias para mascarar sobrelucro e driblar certas exigências das concessões.

Ao longo de cinco meses, mapeamos 165 donos das viações que operam as linhas públicas de ônibus. Atrás apenas do setor de transportes, as imobiliárias correspondem a 42 das 294 empresas identificadas no levantamento dos negócios dos empresários de ônibus na cidade. Destas imobiliárias, 11 possuem participação direta da família Barata no quadro societário.

Em 2013, a CPI dos Ônibus de Niterói identificou que Jacob Barata Filho utilizava uma imobiliária para mascarar lucro obtido acima do limite legal. É possível que o esquema se repita no Rio de Janeiro. Jacob Barata Filho foi preso em julho deste ano na Operação Lava Jato, por suspeita de envolvimento no esquema de propina do governo Sérgio Cabral.

Anos antes, a CPI de Niterói revelou que, por meio de imobiliárias, Jacob Barata Filho e seu sócio majoritário na Viação Pendotiba alugavam a garagem da companhia para eles mesmos a preços exorbitantes. Em 2009, a despesa declarada da Pendotiba com a garagem no bairro do Largo da Batalha não chegava a R$ 6 mil por ano. Quatro anos depois, a CPI constatou-se um aumento de 77.347%.

Em 2013, os custos com garagem alcançaram R$ 4,6 milhões, valor equivalente a quase dois terços do lucro declarado naquele ano pela Viação Pendotiba. Pelas normas legais da licitação de Niterói de 2012, o lucro dos proprietários não poderia ultrapassar 8,5% da receita das empresas. Porém, no cálculo tarifário, os gastos com garagem constam como despesa.

De acordo com o relatório técnico da CPI, a garagem da Pendotiba tinha uma área por veículo três vezes maior que as demais do município: 216,64 m2 por carro contra 69 m2 das outras. O documento mostra que Barata e seu sócio compraram “solo urbano muito além da necessidade para abrigar sua frota e passaram a cobrar aluguel mensal da concessionária de transporte no valor de R$ 400 mil”. Os investigadores sustentam ainda que há indícios de que “esse interesse [pelo item garagem no cálculo tarifário] parece ter de certo modo influenciado os organizadores da licitação”, pois a garagem respondia por 21% da pontuação final.

Em Niterói, Jacob Barata Filho utilizou a Guanabara Participações e Empreendimentos Imobiliários para alugar o terreno da garagem da Viação Pendotiba, também controlada por ele. No caso do Rio de Janeiro, a Pública identificou que a Guanabara Participações é proprietária da garagem de pelo menos uma das empresas de Barata que operam linhas públicas.

Parte do Consórcio Internorte, a Auto Viação Tijuca (Tijuquinha) comprou o terreno de mais de 15 mil m² na Estrada dos Bandeirantes, no bairro de Curicica, em 1999. Ele foi vendido à Guanabara Participações por R$ 7 milhões em 2009, um ano antes da licitação das concessões de ônibus (confira a certidão).

Trecho da certidão que comprova a propriedade da Guanabara Participações (Imagem: Reprodução)

“Esta garagem é compartilhada pela Tijuquinha e a Útil Turismo e Fretamento, responsável pelos transportes de condomínios da Barra. É supercomum este tipo de ‘parceria’, empresas de transporte público alugarem vagas na garagem para empresas privadas”, explica Gabriel Petersen, que pesquisa os ônibus cariocas desde 2007.

A defesa de Jacob Barata afirmou que não iria comentar a possibilidade do esquema identificado em Niterói se repetir no Rio de Janeiro. Disse ainda que “a Imobiliária Guanabara Participações não mantém negócios com empresas que operam linhas públicas de ônibus no município do Rio”. Quando questionada sobre o caso da garagem da Tijuquinha, porém, a defesa não apresentou um posicionamento, até a publicação desta reportagem.

No mesmo endereço onde opera outra garagem da Tijuquinha, no Andaraí, consta também o registro de outra imobiliária: a Tijuquinha Empreendimentos Imobiliários. Barata possui imobiliárias em outros municípios onde atua no setor de transporte, como Guarulhos (SP), Mesquita (RJ) e Petrópolis (RJ).

Não há informações públicas sobre contrato e valores de aluguel das garagens no Rio de Janeiro. Porém, após a prisão de Jacob Barata Filho, no início de julho, a Justiça bloqueou mais de R$ 22 milhões na conta da Guanabara Participações.

Outras imobiliárias do grupo tiveram seus bens financeiros confiscados, como a Guarulhos Participações e Empreendimentos Imobiliários (R$ 41 milhões), a Catobira (R$ 673 mil) e a Verdun Empreendimentos Imobiliários, cujo endereço declarado é o mesmo da viação homônima, que opera linhas de ônibus no Rio. Aberta em 2011, a imobiliária Verdun teve R$ 34 milhões arrestados de sua conta.

Outras famílias

A família Barata não é a única que faz uso de imobiliárias e empresas de administração de bens. Representante do Consórcio Internorte, Humberto Valente e sua irmã Simone Valente estão por trás da S Lopes Valente Participações Ltda., holding que é dona da garagem da Viação Nossa Senhora de Lourdes, concessionária controlada por ambos. No mesmo endereço, funciona a Ovar Empreendimentos Imobiliários, empresa compartilhada com outros membros da família.

Para Jorge Martins, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e responsável pelas análises técnicas da CPI de Niterói, é “evidente” que o esquema para mascarar o sobrelucro identificado lá se originou no Rio de Janeiro em 2010, quando foi feita a licitação das linhas sem um projeto básico dos corredores de BRT. “A modelagem de planejamento da licitação carioca foi replicada em Niterói com algumas modificações”, afirma.

Na capital fluminense, a regulamentação do lucro dos empresários se dá por meio da Taxa Interna de Retorno (TIR), uma estimativa de remuneração do negócio. Limitado a 12% ao ano, esse índice é apresentado por cada consórcio em sua proposta econômica inicial. Caberia à prefeitura acompanhar se o lucro dos empresários permanece de acordo com essa taxa e, em caso de alterações, fazer o ajuste da tarifa para cima ou para baixo.

Segundo o vice-prefeito e secretário de transportes do Rio, Fernando MacDowell, isso não vinha ocorrendo. “Com a gente agora aqui, vai ter [acompanhamento da TIR]. Nós vamos acompanhar, assim como faz com a Via Light, Via Amarela etc. [Vamos fazer com] o ônibus também”, promete. No entanto, ele não explica quais ações concretas foram ou serão tomadas nesse sentido.

Martins afirma que a transferência das garagens para imobiliárias serve também de estratégia para evitar que esse patrimônio retorne ao poder público após o término das concessões. “As instalações prediais das empresas deveriam integrar os bens sobre os quais é aplicada a TIR contratual e que, ao final da concessão, seriam reversíveis ao poder concedente, tal como a frota. Ou seja: passariam a ser bens públicos de modo a garantir-se a continuidade do serviço”, analisa.

O empresário Jacob Barata Filho foi preso pela Polícia Federal no Aeroporto Internacional Tom Jobim quando embarcava para Portugal (Foto: Tânia Rêgo/EBC)

Desse modo, segundo ele, em vez de as garagens continuarem como patrimônio da empresa de ônibus, elas passaram a constituir objeto de nova razão social, com firmas específicas do mesmo grupo para fazer a gestão desse patrimônio imobiliário. “Assim, o item ‘garagem’ passa a ser um custo operacional com peso maior. Além de mascararem ainda mais o sobrelucro – que se desconhece –, os empresários mantêm o capital imobiliário como bem próprio do grupo econômico e/ou dos sócios majoritários”, afirma Martins.

Em suas investigações, Edmilson de Siqueira, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, se deparou com uma justificativa usada pelos empresários do setor de transporte, de que os gastos com garagens e imóveis são pequenos perto dos custos totais do sistema. No entanto, ele ressalta que para avaliar isso seriam necessários mais transparência e detalhes sobre a composição dos custos do transporte no Rio de Janeiro. A prefeitura tem apenas uma estimativa: que o item garagem e oficina corresponde a 1,6% do valor da tarifa.

Siqueira esclarece também que o pagamento do aluguel, em si, é regular. “Se o empresário é dono da garagem, ele deve ser remunerado pelo custo de oportunidade desse ativo, que é o aluguel. Se você mora no seu próprio apartamento, por um lado não paga aluguel, mas por outro fica com o valor do apartamento parado sem poder aplicar. Alternativamente, você poderia vender o apartamento, ganhar juros com o investimento do dinheiro e com esse rendimento pagar seu aluguel”, compara.

Para Martins, contudo, a analogia é mais complicada quando se trata do interesse público: “No caso de transporte público, quaisquer receitas alternativas obtidas pelo operador de transporte – ou seu grupo controlador – precisam garantir principalmente a economia da tarifa. Não se pode tolerar o que constatou a CPI de Niterói. Se a área ocupada por um veículo é pouco mais do que 30 m2 , não é razoável que se transfira ao usuário a despesa com aluguel de 216,64 m2/veículo apenas porque a empresa identificou nesse aspecto uma boa oportunidade para obter maior rentabilidade”, questiona.

Negócios Ocultos

O endereço declarado da Guanabara Participações e Empreendimentos Imobiliários é o mesmo da Guanabara Diesel, concessionária da Mercedes-Benz controlada pelo grupo Barata, com sede na avenida Brasil. Porém, questionado pela reportagem, um funcionário da empresa que não quis se identificar afirmou que a imobiliária não opera no local.

As imobiliárias da família Barata não publicam detalhes sobre suas atividades, clientes e negócios. Apesar disso, segundo o site do Banco Guanabara, “a diversificação das atividades do Grupo, no que diz respeito a investimentos no setor imobiliário, tem papel preponderante nos bons resultados obtidos pelo Grupo nos últimos anos”.

Além dos Baratas, outros empresários de ônibus possuem imobiliárias. Pessoas relacionadas à Pavunense, como Nelsinho da Pavunense e Mário Pereira do Outeiro, controlam as imobiliárias Keter Cochma, MPJF e Anchieta, por exemplo. Já o Grupo Rubamérica controla as empresas H2S, Leunam e JHL, enquanto Callak e a família Sequeira possuem outras três imobiliárias: a Cipan, Castelo Real e a Fluminauto.

Negócios intrincados

Além das imobiliárias com as garagens, os donos dos ônibus cariocas possuem outras empresas que atuam em setores transversais ao transporte público, e podem fornecer produtos para si próprios. Alguns casos são conhecidos, como a Guanabara 13, dos Baratas, que põe de volta no mercado ônibus usados. Ou a Miriam Minas Rio, concessionária da Mercedes-Benz que vende coletivos novos e tem no quadro societário José Carlos Reis Lavouras, ex-diretor da Fetranspor, atualmente preso.

Mas os exemplos são diversos. Representante do Consórcio Intersul, Cláudio Callak é sócio de um posto de gasolina (Ipiranga) em Del Castinho, zona norte do Rio. Entre os outros donos do estabelecimento, há outros três empresários de ônibus: João Morgado, Marcelo Morgado e Oswaldo Jurema, que controlam a Real Auto, junto com Callak. A empresa opera linhas públicas na cidade, especialmente na zona sul.

O mesmo ocorre com o representante do Consórcio Santa Cruz, Orlando Pedroso Marques. Ele divide com Maria de Fátima Costa Marques e Franklin Lopes Marques o comando do Auto Posto São Furtuoso (Shell), que opera em frente à estação do BRT na Taquara, na zona oeste. Os três aparecem também como sócios das seguintes empresas que operam linhas públicas na cidade: Palmares, Expresso Recreio e Expresso Pégaso.

Já Isaac de Castro Barbosa possui dois postos de gasolina e uma empresa especializada em reforma de pneus usados. Sediadas em Duque de Caxias, todas as empresas são operadas com outros parceiros de negócio nas linhas públicas de ônibus no Rio de Janeiro.

Crédito da ilustração: Biba Rigo/Agência Pública

*Atualização em 09/09/2017: Uma versão anterior do texto dizia que  Orlando Pedroso Marques era representante do Consórcio Internorte. Ele é do Consórcio Santa Cruz. A informação foi corrigida.    

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