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A negociação entre a multinacional Alcoa e ribeirinhos do oeste do Pará gerou um inédito acordo por “perdas e danos”, mas ainda há dúvidas sobre a viabilidade do modelo

Reportagem
15 de novembro de 2012
13:36
Este artigo tem mais de 11 ano

Fisicamente, Franklin Feder e Gerdeonor Pereira têm pouco em comum. O primeiro é um norte-americano naturalizado brasileiro, de barba grisalha e ar bonachão – ele preside atualmente a divisão da Alcoa na América Latina e no Caribe, companhia que lidera o bilionário mercado mundial de alumínio. Alcoa é sigla para Aluminum Company of America, explicitando a origem da empresa.

Já Pereira tem os olhos amendoados e o semblante sereno típicos dos que nasceram nas comunidades ribeirinhas de Juruti, município de quase 50 mil habitantes no extremo oeste do Pará, erguido na margem direita do rio Amazonas.

O que aproxima os dois é a terceira maior reserva mundial de bauxita, a matéria-prima do alumínio, estimada em 700 milhões de toneladas de minério da melhor qualidade. Ambos têm discursos ensaiados na ponta da língua que se chocam o tempo inteiro, mas que curiosamente convergem para uma conclusão comum: a certeza de que podem estar redesenhando a forma de fazer mineração na Amazônia.

Desde antes de iniciar a lavra, em setembro de 2009, a Alcoa vende a operação em Juruti como um case exemplar de sustentabilidade. “Esse projeto representa um avanço real sobre o modelo tradicional de mineração, seja na Amazônia, seja na África, seja em qualquer lugar do mundo”, analisa Feder.

De fato, são históricas as compensações – sobretudo financeiras – estendidas às 49 comunidades ribeirinhas onde vivem mais de 9 mil pessoas, representadas pela Associação das Comunidades da Região de Juruti Velho (Acorjuve), presidida por Gerdeonor Pereira. Mas, nesse caso, merece destaque a articulação sem precedentes das populações tradicionais atingidas. “Não podemos permitir que uma mineradora venha, leve nossas riquezas e deixe as comunidades ainda mais pobres. Nós queremos mostrar para o Brasil e para o mundo que as mineradoras podem fazer diferente na Amazônia”, ele afirma.

Certamente, a operação da Alcoa em Juruti não segue a mesma trilha da desastrosa experiência de extração de bauxita realizada pela Mineração Rio do Norte (MRN), na década de 1980, no município de Oriximiná, vizinho a Juruti. A empresa – hoje controlada majoritariamente pela Vale, em sociedade com a própria Alcoa e outras gigantes mundiais como a BHP Billiton, a Rio Tinto e a Hydro – assoreou e contaminou as águas do Lago do Batata com o rejeito do minério, prejudicando populações tradicionais que dependiam do rio Trombetas.

Nessa nova empreitada, as ações tomadas pela Alcoa para mitigar impactos socioambientais em Juruti já foram contempladas com prêmios cobiçados no meio corporativo. Existem projetos nas comunidades ribeirinhas e obras na zona urbana do município que extrapolam as obrigações legais impostas pelos órgãos competentes para o licenciamento do empreendimento.

Evidentemente, há vozes que destoam do que sugere o departamento de marketing da companhia. “A Alcoa é muito boa de mídia. Mas o conjunto de ações que ela fez até agora é muito tímido perto dos problemas que ela gerou”, critica o secretário de governo da Prefeitura Municipal de Juruti,  Antônio João Silva.

Desde o início das obras para instalação do projeto de bauxita, Juruti inchou consideravelmente. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2007, o município tinha 33.775 habitantes. Apenas três anos depois, esse número saltou para 47.086 pessoas, um impressionante crescimento de 39%. Se comparado com o início dos anos 2000, o aumento da população foi ainda mais significativo: 51% em uma década.

“A época da instalação do projeto foi um caos: trânsito, briga, bebedeira. Fora as criancinhas que nasceram e ficaram por aqui”, afirma Silva. Em 2007, Juruti teve até um surto de hepatite viral, com 269 casos notificados pela Secretaria Municipal de Saúde. Uma das explicações aventadas na época foi o vazamento do esgoto com fezes dos operários para as fontes de d’água que abasteciam a cidade. Segundo a própria empresa, pelo menos 10 mil pessoas estiveram envolvidas direta ou indiretamente na construção do complexo de Juruti – um investimento da ordem de R$ 3,5 bilhões.

A cada dois anos, a Alcoa encomenda à Fundação Getúlio Vargas (FGV) a publicação Indicadores de Juruti, que compila dados sobre educação, saúde, segurança – uma das principais contribuições que a companhia dá, em sua avaliação, ao município. “Se você abrir o livro, você pode ver indicadores de progresso, e também outros indicadores preocupantes. O ponto a destacar aí é a transparência total”, afirma Feder.

Diante da explosão demográfica que o município conheceu em um espaço de tempo tão curto, torturar estatísticas pode fazê-las confessar qualquer conclusão – favorável ou contrária ao empreendimento da Alcoa. Ao mesmo tempo em que o súbito crescimento populacional infla o número de matrículas nas escolas de ensino médio da rede pública, o que é positivo, ele também contribui para fazer os índices de criminalidade dispararem, o que é evidentemente negativo.

Da mesma forma, desde a chegada da Alcoa, Juruti teve redução nos índices de mortalidade infantil, um claro avanço. Porém, o aumento na notificação de casos de doenças sexualmente transmissíveis mancha os indicadores. Na ponta do lápis, o critério em que Juruti evoluiu mais expressivamente é financeiro: entre 2002 e 2010, a receita do munícipio foi multiplicada por seis, atingindo R$ 64 milhões, por causa principalmente dos tributos gerados pela mineração. Mas isso nem de longe significa que a qualidade vida tenha crescido na mesma proporção.

Conflitos

A área de onde a Alcoa retira a bauxita fica num imenso platô em plena floresta amazônica, banhado pelo Lago de Juruti Velho – uma espécie de apêndice do rio Amazonas. Na beira desse belo e imenso reservatório de água, que fica a pelo menos uma hora de lancha da zona urbana onde se localiza a sede do munícipio, foram constituídos 49 povoados de descendentes de nordestinos e de indígenas das etnias munduruku e muirapinima, a partir do início do século 20.

Tiniti Matsumoto Jr., representante da mineradora Alcoa, mostra a área de lavra do minério de bauxita

Trata-se de comunidades tipicamente ribeirinhas, que vivem da pesca, da agricultura, do extrativismo e, mais recentemente, de programas do governo federal, como o Bolsa Família.

“Quando a Alcoa apareceu aqui, em 2000, ela veio como os portugueses 500 anos atrás, distribuindo muitos presentes nas 49 comunidades”, conta Gerdeonor Pereira. “A empresa visitou todas elas, dizendo que o progresso e o desenvolvimento estavam chegando para o município e para a região de Juruti Velho. Ela fazia reuniões nas comunidades e depois distribuía camiseta, sandália, garrafa térmica, bicicleta”, recorda o presidente da Acorjuve.

Os conflitos começaram para valer com o início do processo de licenciamento do empreendimento. Quando o Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) ficou pronto, não havia uma linha sequer sobre Juruti Velho. “Simplesmente, 49 comunidades e 9 mil pessoas não existiam para a empresa. Fomos completamente ignorados”, afirma Gerdeonor.

O presidente da Alcoa admite que o EIA/Rima não mencionava os povoados. No entanto, rechaça a acusação de que isso tenha sido feito de forma deliberada. “A comunidade de Juruti Velho e aqueles que se reuniram na época sob o guarda-chuva da Acorjuve não quiseram ser incluídos no EIA/Rima”, argumenta Feder. “Foi uma decisão política por parte dessas comunidades. Então, você não pode mandar a equipe que está fazendo levantamento social e ambiental para comunidades que se recusam a participar.”

Em agosto de 2005, a Alcoa conseguiu a licença de instalação do projeto da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará (Sema), apesar de uma série de ressalvas apontadas pelos Ministérios Públicos Estadual (MPE) e Federal (MPF), que chegaram a recomendar a suspensão da licença, justamente por conta de falhas no EIA/Rima.

A instalação do bilionário projeto de bauxita sempre teve a simpatia dos mandatários do Pará. Segundo o presidente da Alcoa, a ex-governadora Ana Júlia Carepa (PT) foi a primeira chefe do governo estadual a colocar os pés na cidade de Juruti em toda a história – justamente por conta da chegada da mineradora. A cerimônia de inauguração da mina, realizada em 15 de setembro de 2009, contou também com a presença de Edison Lobão, ministro de Minas e Energia.

Nas audiências públicas realizadas para debater o projeto com a população de Juruti, a maioria dos cidadãos do município – principalmente os da zona urbana – também se mostrava favorável à chegada da mineradora, na esperança de que a economia local tivesse uma guinada. Atualmente, o empreendimento da Alcoa gera 1.871 empregos diretos e indiretos. Na época da instalação do projeto, esse número era cinco vezes maior.

“Como a gente percebeu que 90% da cidade de Juruti eram a favor do projeto, que os governos municipal, estadual, federal eram 100% a favor, a gente resolveu mudar de estratégia e propor uma negociação. Até porque a gente aqui em Juruti Velho não teria condições de impedir ou de tirar a mineradora das nossas terras”, explica Gerdeonor.

No momento de maior tensão, milhares de moradores de Juruti Velho ocuparam, em fevereiro de 2009, a rodovia que dava acesso ao canteiro de obras da Alcoa para protestar contra a empresa e pressioná-la a sentar à mesa de negociação. Mas havia um problema: como acontece em muitas comunidades tradicionais da Amazônia que habitam a região desde tempos imemoriais, ninguém possuía documento legal que comprovasse a propriedade sobre a terra. “A empresa entrou na área pela fragilidade jurídica que havia lá. Ela pressupunha que iria entrar numa terra que não tinha dono”, explica Dílton Tapajós, advogado da Acorjuve.

As negociações só se desenrolaram quando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) titulou definitivamente o território conjunto das 49 comunidades e criou na área uma espécie de assentamento: o Projeto Agroextrativista (PAE) de Juruti Velho. Com a regularização da situação fundiária, os ribeirinhos passaram então a contar com um documento que comprovava o domínio sobre seu território e que lhes permitia cobrar da Alcoa algumas compensações.

A participação no resultado da lavra da bauxita é uma delas. Por lei, a empresa é obrigada a pagar aos ribeirinhos 1,5% de tudo o que arrecada com a extração do minério. Quem recebe o dinheiro é a Acorjuve. “É a primeira vez na história do Brasil que uma mineradora paga esse tipo de participação a uma comunidade tradicional”, afirma Dílton Tapajós, advogado da entidade.

Detalhe do minério de bauxita

No acumulado de outubro de 2009 a julho de 2012, a mineradora já repassou quase R$ 15 milhões para a Acorjuve. Por decisão tomada em assembleia, metade desse dinheiro fica com a associação para a realização de projetos coletivos. A outra metade é rateada a cada três meses entre as 1.805 famílias filiadas à entidade. A última parcela foi de apenas R$ 380. “O que eu vejo é que esse dinheiro não dá para alimentar uma família durante três meses”, reclama o comerciante Sebastião Soares Serique.

Crítico da forma como a participação de 1,5% da lavra da bauxita paga pela Alcoa é repartida, Serique entende que os recursos seriam mais bem aplicados em projetos que pudessem gerar renda e trabalho a longo prazo aos moradores de Juruti Velho. Nesse sentido, ele até sugeriu a construção de uma fábrica de óleo comestível e uma de cosméticos, a partir dos insumos amazônicos, mas não obteve sucesso.

Serique vive em Juruti Velho há 44 anos e teve papel ativo nas primeiras manifestações contra a Alcoa. Entretanto, hoje ele questiona a mão de ferro com que a atual diretoria conduz a administração da Acorjuve. O estatuto da entidade, por exemplo, chegou a ser alterado para que a gestão que comanda a associação desde a sua fundação fosse reeleita. “Com certeza o pessoal que está na linha de frente [da Acorjuve] está melhor de situação do que o pessoal que é sócio”, avalia.

Perdas e Danos

Serique também se diz preocupado com o destino de uma milionária indenização que está em discussão entre a Acorjuve e a Alcoa. “Olha, a gente não sabe nem quanto é esse dinheiro. E de que forma vai ser distribuído para os sócios?”, indaga. Além do pagamento de 1,5% dos resultados da lavra, o Código de Minas – legislação federal que regula a atividade de mineração no país – também prevê que os donos das áreas diretamente afetadas por um empreendimento sejam ressarcidos pelos prejuízos.

No curso das negociações entre Alcoa e Acorjuve, foi pactuada a realização de um “Estudo de Perdas e Danos” para aferir o valor do prejuízo causado pela mineradora às comunidades de Juruti Velho. Bancada pela mineradora, a pesquisa custou cerca de R$ 7 milhões e foi encomendada a uma consultoria ambiental de Brasília chamada Ecooideia. Na avaliação do secretário-executivo da entidade, Guilherme Abdala, o trabalho representa um novo paradigma na avaliação de impactos socioambientais gerados por grandes empreendimentos no país.

“A legislação é muito vaga. Historicamente, pagava-se somente uma indenização sobre o valor da casa, do pé de abacateiro, da plantação de mandioca e pronto”, explica Abdala. “Mas, considerando as especificidades de uma comunidade tradicional como a de Juruti Velho, foi necessário analisar outros tipos de perdas, principalmente as imateriais.”

Mais de cem técnicos participaram da pesquisa realizada ao longo de um ano e meio com a missão de traduzir em dinheiro quatro eixos de impactos: econômicos, ambientais, sociais e culturais. Para o próprio Gerdeonor Pereira, o estudo é, na realidade, um segundo EIA/Rima.

Lagoa artificial de deposição de rejeitos de bauxita na mina da Alcoa, em Juruti (PA)

O documento levantou diversos problemas, desde o fechamento do acesso a áreas de floresta em que os ribeirinhos tiravam castanhas, passando pela degradação de igarapés onde famílias pescavam, chegando até à alteração da dinâmica social local provocada pela chegada de milhares de operários. “Somos mais de nove mil pessoas, mas não temos energia elétrica 24 horas por dia. Mas existe uma termelétrica montada pela Petrobrás dentro da mina”, reclama Gerdeonor Pereira.

Por outro lado, o estudo também lista aspectos positivos trazidos pela mineradora. “Tem a telefonia que chega, a questão da mobilidade e do transporte que foram melhorados. Isso também foi medido”, explica Abdala.

A pesquisa calculou em R$ 280 milhões o prejuízo gerado para todo o período de 27 anos em que a Alcoa vai ficar na área titulada das 49 comunidades de Juruti Velho. Por uma matemática simples, são pouco mais de R$ 10 milhões por ano.

A cifra, porém, desagradou a gregos e troianos. “Nós não queremos nem mais, nem menos. Nós queremos que a Alcoa pague o que ela deve”, afirma Gerdeonor. Apesar de não concordar como valor da indenização proposta pela Ecooideia e entender que a mineradora deve desembolsar mais do que os R$ 280 milhões, o presidente da Acorjuve evita cravar uma cifra e afirma que o estudo está em fase de análise.

Franklin Feder segue a mesma linha de argumentação: uma equipe de técnicos contratados pela Alcoa fez uma avaliação da metodologia utilizada para o cálculo da indenização e enviou suas ponderações para a Ecooideia, mas sem discutir valores. “Não há contraproposta”, garante.

Segundo o secretário-executivo da Ecooideia, a mineradora deseja pagar apenas os prejuízos já consolidados e se recusa a debater projeções. “A leitura da Alcoa é: quanto eu devo agora? Paga o que deve e, daqui a cinco anos, retomam-se as discussões”, resume Abdala. Por outro lado, a Acorjuve quer definir os valores desde já e obrigar a Alcoa a se comprometer com o pagamento a longo prazo.

O presidente da mineradora chega levantar a voz quando fala sobre o estudo de perdas e danos. “Você sabe qual seria o valor da indenização pelo Código de Mineração? Menos que o trabalho que nós pagamos. O estudo da Ecooideia vai sair mais caro do que [seria] a indenização”, afirma Feder. “Você não pode me dizer que não é uma abordagem absolutamente inovadora e diferente.”

Em outras palavras, Feder sabe que, se apelasse para a letra fria da lei, a indenização que caberia às comunidades de Juruti Velho seria bastante “tímida”, para usar um eufemismo. O discurso da Alcoa evidencia uma grave constatação: a falência das regras que disciplinam o licenciamento ambiental no país, que subestima os reais custos socioambientais dos grandes empreendimentos.

Entretanto, se a empresa resiste em pagar a indenização calculada por um estudo que ela mesma contratou, resta saber até quando – ou até quanto – a companhia estará disposta a negociar com a Acorjuve, sem recorrer à Justiça. As discussões entre a Alcoa e os ribeirinhos de Juruti estão sendo mediadas pelo Incra. Em nota, a assessoria de imprensa do órgão afirma que ao instituto “cabe o papel de mediar os conflitos, sempre procurando estabelecer o princípio da razoabilidade”.

Uma controvérsia que merece um capítulo à parte diz respeito à utilização da água do Lago de Juruti Velho. A Acorjuve acusa a Alcoa de puxar uma grande quantidade para lavar a bauxita extraída da mina, prejudicando a atividade de pesca. “O nível do lago baixou, e ele começou a ser invadido pelo rio Amazonas. Apareceram até piranhas por aqui. Isso não acontecia antes”, garante Gerdeonor.

Tiniti Matsumoto Jr., que já respondeu pela chefia da mina em Juruti e acompanhou a reportagem de Pública durante visita ao complexo da Alcoa, admite que a mineradora faz a captação de água no lago, mas afirma que o volume foi reduzido desde o começo da operação. “No início, foi uma média de 840 metros cúbicos por hora para o nosso reservatório. Mas hoje já diminuiu sensivelmente. Nós temos um circuito fechado que reutiliza a água da lavagem. O que nós captamos de água nova é uma quantidade muito pequena, 10% no máximo”, argumenta.

Para o secretário de governo da prefeitura de Juruti, o consumo de água pela Alcoa é uma verdadeira “caixa-preta”. “Não sei dizer quanto eles utilizam. As informações que a empresa fornece não são confiáveis, mas infelizmente não temos como contrapor”, admite Antônio João Silva.

Agenda Positiva

Não se limitam às 49 comunidades de ribeirinhos de Juruti Velho os impactos gerados pela instalação da mina, da unidade de beneficiamento, da ferrovia de 55 quilômetros e do porto para embarcar a produção de bauxita que segue até a Alumar – indústria de alumina instalada em São Luís (MA), controlada por um consórcio formado pela própria Alcoa, pela BHP Billiton e pela Rio Tinto.

Por essa razão, a prefeitura e a Alcoa fizeram um acordo e criaram a “Agenda Positiva”, que prevê a realização de 54 ações para aprimorar a infraestrutura de todo o município. “Trata-se de uma lista de desejos da sociedade de Juruti que não faziam parte das exigências legais para o licenciamento. Ou seja, é algo a mais”, explica Matsumoto.

Hospital construído pela Alcoa como parte da Agenda Positiva

“De fato, essa agenda trouxe obras importantes: havia, por exemplo, dois pontos de alagamentos terríveis na cidade que foram sanados”, reconhece o secretário municipal de governo, Antônio João. Como outras contribuições relevantes, ele também cita as sedes do fórum e do conselho tutelar cidade, além de um moderno hospital de média complexidade recentemente inaugurado. Também está prevista a construção do campus da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) no município. Segundo a empresa, cerca de R$ 60 milhões já foram investidos na Agenda Positiva. Até o momento, 41 das 54 obras previstas foram concluídas – o sistema de saúde do município foi o principal beneficiado.

“Antes, nós achávamos que esse dinheiro era muita coisa. Mas, com o tempo, vimos que era troco para a Alcoa”, analisa o secretário de governo da prefeitura. Em 2011, a receita bruta no Brasil da companhia que lidera o mercado global de alumínio foi de R$ 2,5 bilhões. Por essa razão, Antônio João defende uma revisão dos compromissos assumidos pela empresa. E também reclama do atraso de algumas obras: “Agora é que se inaugurou o novo hospital, por exemplo. Mas ele precisava ter ficado pronto quando a cidade viveu o boom da instalação do projeto”.

Sem sombra de dúvida, a principal pendência da Agenda Positiva é a construção do aterro sanitário. Hoje, todo o lixo produzido pela população de Juruti é acumulado e queimado na beira de uma rodovia, a poucos quilômetros da sede do município, sob o olhar de incontáveis urubus. Segundo Matsumoto, a obra ainda não foi iniciada porque a Alcoa aguarda a conclusão do plano municipal de gerenciamento de resíduos sólidos, uma exigência legal prevista pela legislação federal que regula esse assunto, aprovada em agosto de 2010. A Alcoa, inclusive, faz parte do grupo coordenado pela prefeitura para elaborar esse plano. “Sem ele, você não consegue fazer a implementação do aterro”, justifica Matsumoto.

Porém, o secretário refuta o argumento do representante da empresa. “A construção do aterro sanitário foi prevista muito antes do advento dessa lei federal de 2010. Não dá para usar isso como desculpa. A gente cobrou, mas a Alcoa sempre diz que está no vermelho, que tem algum impedimento”, argumenta Antônio João. Com um sorriso irônico no rosto, ele emenda: “a Alcoa é mais burocrática do que uma prefeitura”.

Apesar de empurrar boa parte da culpa para a empresa, a verdade é que o poder público municipal também tem uma grande parcela de responsabilidade sobre as pendências da Agenda Positiva em Juruti. A delegacia policial, por exemplo, foi reformada há apenas quatro anos, mas já está literalmente caindo aos pedaços por falta de manutenção, que caberia à prefeitura. “O Antônio João disse que algumas obras estão atrasadas. Mas ele disse que tem duas grandes obras que dependem de a prefeitura liberar o terreno?”, ironiza Franklin Feder, referindo-se à casa do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e ao posto policial de Juruti Velho.

Lixão de Juruti: aterro sanitário é a principal pendência da Agenda Positiva

Curiosamente, não são apenas a prefeitura e as comunidades ribeirinhas de Juruti Velho que se queixam da Alcoa. Até mesmo os comerciantes – categoria que geralmente apoia grandes empreendimentos devido à explosão demográfica que faz as vendas dispararem – têm reservas em relação à empresa. Passada a euforia gerada pela construção do projeto de mineração, entre 2005 e 2009, o comércio local estagnou.

“A Alcoa compra tudo fora de Juruti. Ela coloca uma exigência muito grande para o fornecedor local que inviabiliza o fornecimento”, reclama Olívia Ramos da Silva, presidente da Associação Comercial e Empresarial de Juruti (Acej). “Até supermercado os funcionários da empresa fazem em Santarém”, ela acrescenta, em referência à principal cidade do oeste do Pará, distante quatro horas de barco de Juruti.

Os taxistas também criticam a mineradora norte-americana. O presidente do sindicato que representa a categoria, José Batista de Sousa, afirma que os motoristas da cidade assumiram dívidas para comprar uma frota de 35 carros novos e brancos, tudo de acordo com o “padrão Alcoa”. “Quando a empresa veio para cá, prometeram que iam locar nossos carros. Mas agora ela fornece transporte para os funcionários. Para nós não sobra nada”, reclama.

Precedente

A exploração da bauxita localizada no território das comunidades de Juruti Velho está prevista para durar 27 anos. Porém, na página da empresa na internet e em pronunciamentos de seus representantes, a Alcoa afirma que sua presença no noroeste do estado do Pará pode se estender por um período consideravelmente mais longo: cerca de 70 anos.

Uma das ideias da companhia é construir uma fábrica para refinar a bauxita e produzir a alumina – que, posteriormente, é fundida para dar origem ao alumínio propriamente dito. Mesmo que a jazida em Juruti seja exaurida, ainda existe muito minério a ser explorado no Pará: estudos dão conta da presença de 1,5 bilhão de toneladas de bauxita em todo o estado, principalmente na chamada “calha norte” do estado.

A Alcoa encontra-se numa verdadeira sinuca de bico, se quiser preservar a ideia de que Juruti é um projeto de referência em sustentabilidade. Será que seus custos permitirão que a empresa aplique o modelo ali desenvolvido a outros de seus projetos futuros – como a possível fábrica de alumina que a Alcoa planeja construir?

“A Alcoa pega os valores que a Ecooideia levanta no Estudo de Perdas e Danos levanta e rapidamente cria os seus próprios indicadores: quanto é que fica a indenização por família, por hectare, por município. Ela vê como vai incorporar isso aos seus custos. Por isso é que ela tem que empurrar para baixo: lá na frente, os custos podem inviabilizar uma série de projetos”, finaliza Guilherme Abdala.

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