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De ofensas a tentativas de assassinato, houve 114 ocorrências de violência contra candidatos e eleitores antes do primeiro turno, segundo levantamento inédito; em números absolutos, regiões Sudeste e Nordeste foram campeãs de violência eleitoral

Reportagem

Pau, pedra, faca, bandeira de candidato, um caminhão, garrafa, muitas balas e até explosivos. Essas foram algumas das armas usadas para agredir  eleitores e candidatos durante a última quinzena da campanha para as eleições municipais de 2020, marcadas por uma onda de violência sem precedentes – e de diferentes tipos.

Um levantamento inédito realizado por uma coalizão de nove veículos jornalísticos contabilizou 114 casos de violência relacionados à eleição –  incluindo ameaças, ofensas, agressões, tentativas de homicídio e assassinatos – ocorridos desde o começo de novembro. Isso significa que houve, em média, um episódio de violência política a cada 3 horas nos primeiros 15 dias de novembro.

O número é 60% maior do que a quantidade de ataques registrada na véspera das eleições de 2018, quando a polarização da disputa presidencial entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) deu o tom das agressões, com 50 delas partindo de bolsonaristas. Este ano, tanto vítimas quanto agressores eram de todo o espectro político. 

O advogado Fernando Neisser, especializado em legislação eleitoral, explica que casos de violência geralmente não são investigados como crimes eleitorais. Ele diz, ainda, que é importante observar as diferenças entre um pleito nacional, como foi o de 2018, e um municipal, como o de 2020. “As nossas eleições municipais sempre foram muito mais tumultuadas do que as eleições gerais”. Entretanto, ele avalia que “em paralelo, nós temos esse movimento de ascensão de um populismo extremista, de um discurso de ódio que eu não tenho dúvida que tem a capacidade de gerar mais atos de violência”, diz. Neisser acrescenta que talvez seja hora de se “ponderar se atos violentos com finalidade eleitoral devem vir pro guarda-chuva da justiça eleitoral como crimes eleitorais.”

Desta vez, os dados indicam que a violência foi mais difusa e variada. Mas o discurso do ódio esteve presente e fez vítimas. 

“Eu tô com a boca toda quebrada, meu jovem. Desde o outro sábado, eu tô bastante machucado” disse, por telefone, Etevaldo Santos, ainda com dificuldade para falar. Havia menos de dez dias que ele fora agredido fisicamente na periferia de São Luís, capital do Maranhão. Etevaldo é cego e candidatou-se a vereador da cidade, sem sucesso, pelo partido Cidadania. Na véspera do primeiro turno das eleições municipais, ele fazia panfletagem em um ponto de ônibus no bairro de São Raimundo quando um homem se aproximou. 

“Quando ele pegou o santinho, acho que ele viu a foto do candidato a prefeito que o partido apoia”, relata. O Cidadania apoiou a candidatura de Rubens Júnior, do PCdoB, nas eleições deste ano. “Ele começou a gritar que não votava em comunista, que o governador do Maranhão era bandido, que ele era bolsonarista, e saiu me agredindo. Eu sou cego. Ele saiu me batendo, me chutando, quebrou a minha bengala”, relata. 

Ele diz ter levado socos no olho esquerdo e na boca, que causaram uma série de cortes nos lábios, por isso a dificuldade de falar. “Ele dizia: ‘Cego? Do lado de comunista?’ Ele me chutou, pegou mais na bengala do que na minha perna. Com a força do chute, eu caí”. O caso de lesão corporal dolosa está sendo investigado, mas ainda não se sabe quem foi o agressor. 

“O meu partido nem é um partido comunista, é o Cidadania”, diz o ex-candidato. “Eu acho que a gente tá perdendo nosso direito de democracia, as pessoas sendo agredidas por causa de política”, lamenta.  

Os casos envolvendo ataques a políticos não ficaram apenas na base dos xingamentos, socos e empurrões. Também houve ocorrências graves: pelo menos 41 atentados ou tentativas de homicídio e 1 assassinato motivados por disputas políticas. Um dos mais chocantes foi em 7 de novembro e envolveu explosivos deixados na entrada da residência de Paulo Coradini, que disputou pelo PSB uma vaga à prefeitura de Governador Lindenberg, no Espírito Santo.

O Sudeste foi a região com mais tentativas de homicídio relacionadas a política (15) e o Rio de Janeiro, o estado recordista nesse tipo de violência, somando 6 casos apenas durante os primeiros 15 dias de novembro. Em pelo menos um deles, fica claro o envolvimento da disputa de poder ligado às milícias, que têm avançado no estado. 

No dia 2 de novembro, o candidato à reeleição para o cargo de vereador do Rio de Janeiro, Jair Barbosa Tavares (Podemos), conhecido como Zico Bacana, foi atingido por um tiro de raspão na cabeça enquanto fazia campanha em um bar, no bairro de Ricardo Albuquerque, zona norte da cidade. Na ocorrência, outras quatro pessoas foram baleadas; duas morreram no local e outras duas foram internadas, segundo a Secretaria de Estado de Polícia Militar. 

Zico Bacana é policial militar e foi citado no relatório final da CPI das Milícias da Assembléia Legislativa do Rio em 2008, sendo apontado como líder de uma milícia que atuava em Guadalupe, também na zona norte da capital. O caso está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro. Zico Bacana não foi reeleito.   

As tentativas de homicídio também ocorreram em muitas cidades do Nordeste (13 casos) e do Norte (7 casos) do país.

Na noite de 9 de novembro, por exemplo, o prefeito e candidato à reeleição em Castanheiras, Rondônia, Alcides Zacarias Sobrinho (PSD), teve que se esgueirar na mata para salvar a própria vida. 

“Chegando na sede do município, a moto se aproximou e vi que eles estavam armados”, relatou à reportagem Genivaldo Japão (DEM), candidato a vereador que estava no banco do carona, acompanhando o prefeito.

“Eu falei [para Alcides:] ‘eles tão armados’. Ele acelerou, ele colocou o carro na contramão, ficou na margem de uma capoeira, e embicou no mato. Rapidamente a gente desceu do carro”, relata. “Estávamos nos arrastando, era muito cipó, muito espinho. E começamos a escutar os tiros, contra o carro e contra a gente”, relembra Japão. Ele diz que, depois de se arrastarem por cerca de 20 metros, ouviram o barulho da moto acelerando em fuga. 

O carro de Alcides Zacarias Sobrinho (PSD), prefeito de Castanheiras (RO), foi alvejado por tiros

Segundo Japão, por volta das 22h eles acenderam seus celulares e conseguiram andar em direção à sede de uma fazenda. Lá, ligaram para a Polícia Militar. Posteriormente, registraram um boletim de ocorrência na delegacia da cidade. O caso está sob investigação e tramita em sigilo, segundo a Polícia Civil de Rondônia. 

Concorrendo nas urnas como “Alcides do Som”, o candidato perdeu a disputa eleitoral. Ele ficou conhecido quando fez uma série de denúncias ao Ministério Público que resultaram na deflagração da Operação Hipólito, montada pelo MP estadual para combater esquemas de corrupção em Castanheiras e que motivou a prisão de cinco vereadores do município em 2018. 

“Para mim, é um crime de motivação política. Eles temiam que Alcides fosse reeleito e continuasse esse trabalho. Ele já vinha sendo ameaçado”, afirma Japão. 

O pesquisador Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), tem acompanhado os casos de violência contra políticos desde o início de 2020. Até o primeiro turno da eleição, havia contabilizado 84 mortes e 111 agressões em 22 estados brasileiros. Pernambuco foi o que registrou maior número de mortes (13), seguido por Minas Gerais (9) e Rio de Janeiro (8).

Nunes conta que, durante seu levantamento, passou a perceber padrões nos atentados, como o uso de bombas caseiras, ou mesmo a estratégia de encurralar as vítimas com carros ou motos. O pesquisador ressalta que é um modo de ação semelhante ao que culminou no assassinato da vereadora Marielle Franco, também no Rio, há 982 dias sem solução. 

Apenas nos primeiros 15 dias de novembro, pelo menos 14 candidatos em todo o Brasil foram alvo de atentados a tiro em que os disparos vieram de carros ou motos. A empresária Simone Sartório (Patriota), candidata à Câmara Municipal da capital fuminense, teve o carro atingido por um tiro, em Rocha Miranda, na zona norte da cidade, em 3 de novembro. Ela voltava para o comitê eleitoral quando percebeu que estava sendo seguida. Na hora em que abandonou seu carro para se refugiar em uma casa, atiraram contra ele. Simone Sartório, que não foi eleita, conseguiu sair do veículo antes dele ser atingido.  

“A minha sorte é que o vidro não estava abaixado”, disse o policial militar que candidatou-se a vereador de Magé, na Baixada Fluminense, Kleyson Sodré (PSL). Ele contou à reportagem que estava voltando para casa com um amigo depois de um dia cheio de campanha quando parou em um posto de gasolina para abastecer o carro. Segundo Kleyson, um Corolla emparelhou do lado do motorista, onde ele estava, e atirou contra o veículo. “Quando eu vi a mão do cara saindo, eu me deitei”, lembra. O atentado ocorreu no dia 12 de novembro, por volta das 23h. 

Poucos minutos antes, por volta das 22h30 do mesmo dia, Tom Viana (PSL), candidato à prefeitura de Búzios, na região do Lagos, sofreu um ataque a tiros na rodovia RJ-102, altura do bairro Campos Novos. Os disparos atingiram a porta e o vidro blindado – ninguém ficou ferido. 

Já no interior e em estados do Norte e Nordeste, motos são mais utilizadas, em uma “dinâmica de dois caras em uma moto efetuando os disparos contra o político”, explica Pablo Nunes. 

Para o pesquisador, o assassinato de um representante político “ataca o centro da democracia” e representa uma “interferência violenta em um dos pilares da democracia, que é exatamente a possibilidade de votar e ser votado”. 

“Se um parlamentar ou um candidato não está seguro, nenhum de nós está”, alerta. 

Violência contra mulheres 

Dentre os mais de cem casos levantados, chama a atenção a maneira como mulheres foram alvo de violência de gênero – ou seja, elas sofreram violência por serem mulheres em pelo menos 8 ocasiões. 

Candidata pela segunda vez, a vereadora Elizangela Altoé (PT), de Cachoeiro de Itapemirim (ES), foi agredida pelo empresário Robson Salles Gratival, dono da loja de motos ZeroKm, enquanto cumpria agenda de campanha na sexta-feira, 13 de novembro. O empresário teria a agredido verbalmente, jogado uma lata de cerveja na candidata e ainda a teria derrubado no chão. Ela registrou um boletim de ocorrência na 7º Delegacia Regional da Polícia Civil da cidade, que investiga o caso. 

Em vídeo que circula pelas redes sociais, é possível ouvir o empresário chamando Elizangela de “puta”. Em entrevista à reportagem ela contou que “desde esse dia, eu parei de fazer campanha”.

“Fui levada para o hospital porque fiquei tonta ao bater a cabeça no chão. Não cheguei a perder todos os sentidos, não sei se foi por cair ao chão ou por todas as agressões. Quando eu estava no chão, o agressor me segurava pelo cabelo, tive machucados na mão e no braço. Fui agredida por ser mulher e por ser de esquerda, do PT”, disse. 

A agressão presencial à candidata Manuela D’Ávila, que concorre à prefeitura de Porto Alegre pelo PCdoB, é ainda mais chocante porque ocorreu em pleno debate de candidatos, e presencialmente. Seu ex-noivo, Rodrigo Maroni, do PROS, que também foi candidato a prefeito da cidade, além de ofendê-la, ameaçou expor fatos de sua vida pessoal ao público. “Tu é patricinha mimada, poderia estar comprando bolsa no shopping. Se eu fosse abrir a boca, eu não acabaria com a carreira, mas com tua vida, Manuela”. Nesse contexto, a fala pode ser considerada uma ameaça de violação da intimidade feminina, crime previsto no artigo 7º da Lei Maria da Penha. Em vídeo, Manuela chamou o caso de “violência política de gênero” e “violência psicológica”. 

Como é praxe no Brasil, a violência contra a mulher também se somou ao racismo em pelo menos uma situação. Em um evento de campanha no dia 7 de novembro em Cariacica (ES), a candidata à vice-prefeitura Edilamara Rangel e a candidata a vereadora Kelly Kuster, ambas da Rede, foram chamadas de “criolas” por um homem não identificado depois de terem pedido que ele lhes desse passagem para subirem no carro de som. “Ele fez isso de forma gratuita, porque viu mulheres negras em cima do carro de som e achou que poderia falar qualquer coisa. Um absurdo, situações como essa não podemos aceitar. Temos que repudiar com veemência os ataques de injúria racial”, disse Edilamara em entrevista. 

Em outro momento da atividade, outro homem teria gritado questionando “se não teriam roupa para lavar?”. Dois dias depois, as candidatas registraram boletim de ocorrência por injúria racial na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher.

Sandra Carvalho, coordenadora da ONG Justiça Global, alerta que é preciso prestar especial atenção aos casos de violência política cujos alvos são mulheres e pessoas LGBTs. “Pelo que a gente documentou até agora, tudo indica que, com o maior número de mulheres e pessoas trans ocupando cargos políticos, essas pessoas estão mais vulneráveis. E a gente entende que o Brasil não tem ainda uma estrutura [para lidar com isso] – nem os partidos políticos, nem as instâncias que teriam alguma responsabilidade sobre a apuração ou medidas de prevenção estão mobilizadas nesse sentido”, destaca. No fim de setembro, a Justiça Global, em parceria com a ONG Terra de Direitos, lançou um levantamento de casos de violência política no Brasil entre janeiro de 2016 e setembro deste ano.

Cumprindo a lei eleitoral  

Houve ainda quem tenha sido alvo de ataque porque estava tentando fazer cumprir a lei e defendendo a democracia. Foi o caso de um delegado de partido do PMN na cidadezinha de Tanque D’Arca, em Alagoas. José Cícero Fernandes, que acompanhava o pleito eleitoral na única seção da cidade, no Centro de Educação Infantil Dulce Ferreira Gomes, levou um tapa do atual prefeito, Will Valença (PSD). Cícero queria evitar que o prefeito fizesse boca de urna e foi agredido. Registrou um boletim de ocorrência no Centro Integrado de Segurança Pública (Cisp) de Taquarana e um escrivão da delegacia confirmou que o prefeito vai ser intimado à delegacia. 

José Cícero acredita que a causa do ataque foi política. “Eu sou oposição ao prefeito, tenho me manifestado na internet. Tenho feito vídeos com críticas. E no dia da eleição eu estava trabalhando como delegado pela minha coligação”, afirmou à reportagem. 

Houve também 4 casos de violência contra agentes públicos, como mesários e fiscais do Tribunal Regional Eleitoral. No dia da eleição em Nova Iguaçu (RJ), um mesário voluntário chamou a atenção do candidato a vereador Felipinho Ravis, do PSC, por suspeita de boca de urna, e acabou agredido com socos e chutes por dois homens que acompanhavam o político. 

Violência contra jornalistas

Outro caso que choca é o espancamento a um profissional de imprensa – apenas um dos 7 casos registrados pelo consórcio de veículos jornalísticos.  

Na sexta-feira anterior à eleição, dia 13 de novembro, o jornalista da TV Record Marcos Guedes foi espancado e ameaçado durante a apuração de uma reportagem sobre notícias falsas na disputa eleitoral de Valinhos, município localizado a 96 km de São Paulo. O motorista que o acompanhava também sofreu agressões.

Segundo o delegado João Alves Netto, responsável pelo inquérito sobre o caso, os principais agressores do jornalista são o policial militar Welton Rodrigo Manchila do Amaral, o Cabo Amaral (PSD), eleito suplente de vereador em Valinhos no domingo (15/11), e Marcio Xavier Filho, que trabalhava para a campanha da então candidata Capitã Lucimara (PSD), policial militar que acaba de conquistar o cargo de prefeita da cidade.

“Quando tomei conhecimento da situação e me deparei com ele, [o jornalista] tinha acabado de ser agredido, estava com o rosto até meio deformado de tanto inchaço na região dos olhos, estava machucado”, relatou à reportagem o delegado. Tanto o jornalista como o motorista passaram por exames de corpo de delito.

Todos os envolvidos estão sendo investigados por ameaça e lesão corporal.

Entidades como as associações brasileiras de Rádio e Televisão (Abratel) e de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) manifestaram repúdio contra a agressão sofrida por Guedes e seu motorista.

Região Nordeste

De acordo com o levantamento, o Nordeste foi a região mais violenta, em termos absolutos, na reta final das eleições municipais: um em cada três casos de violência política ocorreram lá. Com 8 casos, a Bahia foi o estado nordestino com maior número de ocorrências, seguida por Pernambuco e Paraíba, com 6 casos cada. 

O candidato eleito à prefeitura de Santa Teresinha, na Paraíba, José Arimateia Camboim (Republicanos), foi brutalmente espancado em sua fazenda, no dia 8 de novembro. Em relato postado nas redes sociais, ele conta que estava dormindo quando, por volta das 6h da manhã, escutou gritos de “Polícia Federal” e batidas na porta. Quando atendeu ao chamado, quatro homens com armas na mão invadiram o quarto onde estava sua família e “começaram a revirar tudo”, de acordo com o político. 

Arimateia lembra que, logo em seguida, os invasores começaram a espancá-lo e diziam a todo momento que queriam o dinheiro da campanha, que ele perderia a eleição e que estavam obedecendo ordens. “O alvo realmente naquele momento era eu”, afirmou. “Eles bateram sem dó.”

Conforme reportagem do G1, dez pessoas que estavam na fazenda foram amarradas pelos homens, que levaram objetos pessoais e dinheiro. O caso foi registrado como roubo qualificado e como crime patrimonial na Delegacia de Polícia de Patos.

Região Sudeste 

A região Sudeste foi a segunda com maior número absoluto de casos: 32, que correspondem a 28% do total. Com 15 casos, o estado de São Paulo foi o mais violento e teve o maior número de agressões entre todos os estados do Brasil (8). No Rio de Janeiro, foi onde mais ocorreram tentativas de assassinato: foram 6 atentados de um total de 8 casos de violência. 

O candidato a vereador de Guarulhos, Ricardo de Moura (PL), foi baleado à luz do dia enquanto gravava um vídeo para a sua campanha, no dia 9 de novembro. A gravação, divulgada por alguns jornais, mostra o exato momento do crime. Quando Ricardo afirma “passou da hora de fazer a diferença aqui em Guarulhos”, ele leva um tiro e cai no chão, assim como seu celular. A imagem da câmera fica direcionada para o céu, mas é possível ouvir os tiros, o grito de dor e o pedido de socorro de Ricardo. 

Segundo o presidente do Partido Liberal (PL) de Guarulhos, coronel Flammarion Ruiz, ele estava sozinho quando um homem de capuz e máscara fez os disparos e fugiu correndo para dentro de uma favela da região. “Foram dois tiros”, contou Ruiz à reportagem. Segundo ele, uma bala atingiu o braço, e a outra bala, a perna de Ricardo, mas nenhuma delas se alojou no corpo da vítima, que teve alta no mesmo dia depois de ser encaminhada ao Hospital Geral de Guarulhos. 

“A gente não tem nenhuma pretensão de fazer alarde político, mas a gente pensa que alguma coisa diferente ocorreu, porque não levaram nem o celular, nem carteira, nem dinheiro, nem nada”, avaliou Ruiz, ao ser questionado sobre uma possível motivação política do crime. Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou que o caso está sendo investigado pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) do município, que instaurou Inquérito Policial. As investigações correm sob sigilo. Ricardo de Moura não venceu a eleição. 

Região Norte 

No Norte do país, o destaque foram os atentados ou tentativas de assassinato, que corresponderam a 7 dos 15 casos de violência política contabilizados na região pelo consórcio de veículos. No Tocantins, ocorreram 5 casos de violência, no Pará, 4, e em Rondônia, também 4. 

Na madrugada dia 7 de novembro, o vereador Anderson Santana de Oliveira (PDT) saiu de uma reunião e dirigia sua moto para buscar seu filho na casa de um amigo, no município de Alto Paraíso (RO). O dia seguinte seria cheio: ele participaria de uma carreata em apoio a Marcos Froes (PP), candidato à prefeitura na cidade que acabou derrotado na eleição municipal do último domingo. No meio do trajeto, foi abordado por quatro homens armados e encapuzados em uma caminhonete.

O vereador Anderson Santana de Oliveira (PDT) foi torturado

“Eles me abordaram e queriam que eu gravasse um vídeo dizendo que eu havia desistido de apoiar a candidatura do Marcos Froes, pois ele estava com dinheiro para compra de votos vindo de alguns empresários”, disse o político em entrevista à reportagem. Ele se recusou a gravar o vídeo e foi vítima de uma sessão de tortura. Os homens o levaram até uma lavoura de soja na área rural da cidade e começaram a agredi-lo com socos, chutes e coronhadas de revólver. Também fizeram vários cortes em seu rosto e na cabeça com um facão.

Anderson conta que, em dado momento, sofreu uma pancada na cabeça e ficou desacordado. Foi deixado pelos agressores nas imediações do cemitério de Alto Paraíso, onde foi encontrado e levado à Unidade de Saúde da cidade. Lá, prestou depoimento às autoridades policiais. Membro do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), ele acredita que o crime teve motivações políticas. Diz também que ele e Froes representam pequenos agricultores e se opõem a grandes empresários do agronegócio local. Na semana do crime, ele já havia recebido em seu gabinete um bilhete com a mensagem: “Você conhece a frase ‘não cutuca o cão com vara curta?’.” A Polícia Civil de Rondônia informou à reportagem que o caso deve ser encaminhado para a Polícia Federal por ser tratado como crime de motivação eleitoral. 

Região Sul 

No Sul do país foram registrados 16 casos de violência política na primeira quinzena de novembro. Rio Grande do Sul e Paraná tiveram 6 casos cada e Santa Catarina, 4. 

O candidato à prefeitura de Encruzilhada do Sul, no Rio Grande do Sul,  Pedro Paulo dos Santos Soares (PTB), foi vítima de um ataque a tiros no dia 13 de novembro. Ele estava a trinta metros de sua residência quando um veículo que vinha na direção contrária começou a disparar contra a sua caminhonete.  

“Eu estava numa reunião partidária, na casa do meu vice. Estávamos em quatro ou cinco pessoas na coordenação. Jantamos, e, à meia noite, fomos para a casa. Eu moro numa chácara. A gente já vinha desconfiando, vinha sendo seguido, meus companheiros de coligação eram olhados com olhos muito carrancudos, como falamos na nossa linguagem”, relatou Pedro Soares à reportagem. 

O então candidato estava sozinho e disse que seus vizinhos ouviram os disparos. “Foram três ou quatro tiros, ainda aguardamos a perícia para saber”, disse, acrescentando que se deitou na hora. “Sou um sujeito que não tem inimigos, não teria motivos para alguém me matar, a não ser político. Eu também denunciei um esquema político na câmara e na prefeitura”, contou. O caso está sendo investigado pela polícia civil e a caminhonete passou por perícia.  

Região Centro-Oeste 

No Centro-Oeste do país, nosso levantamento identificou 13 casos de violência política. O estado com maior número de ocorrências é o Mato Grosso (6 casos), seguido por Mato Grosso do Sul (4 casos) e Goiás (3 casos). 

A candidata à prefeitura de Ribas do Rio Pardo (MS) Fabiana Galvão (MDB) sofreu um atentado no dia 10 de novembro. Sua casa foi alvo de cinco tiros que acertaram o portão da garagem, o teto e o vidro traseiro do carro. “A sorte é que na hora em que começaram a atirar eu me joguei no chão. Foi tudo muito rápido. Os vizinhos escutaram e já chamaram a polícia, eu fiquei em choque”, relatou.  

Fabiana Galvão (MDB), candidata à prefeitura de Ribas do Rio Pardo (MT), sofreu um atentado na porta de casa

Segundo informações do boletim de ocorrência, os tiros foram disparados pelo passageiro do banco da frente de um carro sedan, que parou em frente à residência. Logo após fazer os disparos, o veículo foi embora. As imagens da câmera de segurança de um vizinho foram consultadas pela polícia, no entanto, ainda não há suspeitos e o carro não foi localizado. O caso foi registrado como ameaça e disparo de arma de fogo. 

Em entrevista a um veículo local, o delegado responsável pelas investigações, Bruno Santacatharina, quando questionado se o atentado tem relação com a campanha eleitoral, respondeu que “tudo indica que sim”. De acordo com Fabiana, a política no município é “complicada”, com “muita agressão em redes sociais”. 

“Teve algumas pessoas que me agrediram de forma pessoal em que houve um atrito forte. E eu fiquei meio assim. Acho que juntou tudo, juntou pessoal com político. Foi pra me assustar. Eram seis candidatos e eu era a única mulher. Eu comecei a campanha muito bem nas pesquisas, em segundo e terceiro lugar, de repente, na última semana, acontece isso, e aí eu recuei”, relata. Fabiana não foi eleita.

O projeto Violência nas Eleições é realizado por uma equipe de jornalistas de nove veículos.

Reportagem: Alice Maciel, Anna Beatriz Anjos, Caroline Farah, Ciro Barros, Ethel Rudnitzki, José Cícero da Silva, Julia Dolce, Laura Scofield, Mariama Correia, Rafael Oliveira, Raphaela Ribeiro e Rute Pina (Agência Pública), Gabriella Soares e Rogerio Galindo (Plural), Kátia Brasil e Nicoly Ambrozio (Amazônia Real), Inara Fonseca e Paula Guimarães (Portal Catarinas), Vitória Régia (Gênero e Número), Débora Britto (Marco Zero Conteúdo), Paulo Eduardo Dias (Ponte Jornalismo), Liana Melo (Projeto #Colabora) e Mirella Lopes e Rafael Duarte (Agência Saiba Mais).

Edição: Andrea DiP, Giulia Afiune, Marina Dias, Natalia Viana e Thiago Domenici (Agência Pública), Rogerio Galindo (Plural), Oscar Valporto (Projeto #Colabora), Rafael Duarte (Agência Saiba Mais), Amauri Gonzo (Ponte Jornalismo), Giulliana Bianconi (Gênero e Número), Paula Guimarães (Portal Catarinas) e Kátia Brasil (Amazônia Real).

Coordenação: Anna Beatriz Anjos e Giulia Afiune (Agência Pública)

Dados e infográficos: Bianca Muniz e Larissa Fernandes (Agência Pública)

Artes: Débora Britto (Marco Zero Conteúdo) e Ana Clara Moscatelli (Agência Pública)

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