Parlamentares fundamentalistas identificados com o bolsonarismo dominam a Comissão de Direitos da Mulher, que deve votar o Estatuto do Nascituro, nesta quarta-feira (14). O projeto (PL 478/2007) pode anular o direito ao aborto legal no Brasil, mesmo em casos já previstos como violência sexual, anencefalia do feto e risco à vida da gestante.
O bloco ultraconservador ocupa hoje a presidência da comissão e também tem maioria de votos. A ocupação fundamentalista da Comissão de Direitos da Mulher este ano, na última legislatura do governo Bolsonaro, foi estratégica para avançar pautas conservadoras. O projeto do Estatuto do Nascituro, uma pauta antiga dessa ala, tem apoio da presidente da comissão, a policial militar bolsonarista Katia Sastre (PL-SP), que se elegeu deputada exibindo, durante a campanha, um vídeo onde mata Elivelton Neves Moreira, 21 anos, em frente a uma escola. Ela teria sacado o revólver depois do jovem anunciar um assalto. Sastre frequenta uma igreja evangélica em Suzano (SP) e disse que “orou pela família de Elievelton”.
“O fato de um projeto de 2007, como é o Estatuto do Nascituro, ter sido pautado já no finalzinho da legislatura, indica uma posição da presidência da comissão a favor da causa. Foi um movimento muito bem articulado”, observa a deputada Erika Kokay (PT-DF), que tem vaga de suplente na comissão.
O PL, partido do presidente Bolsonaro, ainda ocupa uma das três cadeiras da vice-presidência, com a deputada Silvia Cristina, de Rondônia. Os outros dois vices são parlamentares conservadores identificados com o bolsonarismo: delegado Antônio Furtado (União-RJ), e a cantora gospel Lauriete (PSC-CE).
Joluzia Batista, integrante do Cfêmea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), explica que a presidente e os vices são responsáveis por coordenar todo o trabalho da comissão. E, com uma presidência mais “resistente às pautas progressistas, deputadas feministas têm dificuldade para fazer avançar debates de direitos das mulheres”.
“A tentativa é dificultar, bloquear as possibilidades para o campo progressista. Querem enfiar o Estatuto do Nascituro goela abaixo”, diz Batista. Na última terça-feira (7 de dezembro), ela lembra que a presidente da comissão impediu a participação de movimentos sociais no debate sobre o Estatuto do Nascituro, que aconteceu a portas fechadas. Grupos feministas protestaram no corredor de acesso à comissão e uma manifestante foi agredida por um bolsonarista que participa de atos golpistas em Brasília (DF).
Dentro da comissão, os embates entre parlamentares da bancada feminista e bolsonaristas também foram truculentos. Depois de um pedido de vistas do projeto por parlamentares, entre eles as deputadas Erika Kokay (PT) e Sâmia Bomfim (Psol), a votação foi adiada e pautada nesta quarta-feira (14).
“Tem um bloco conservador forte, formado por deputados militantes antiaborto como Chris Tonietto (PL), Diego Garcia (Republicanos), Sóstenes Cavalcanti (PL), Bia Kicis (PL) e todos os outros que orbitam em torno do capital que o fundamentalismo religioso aliado ao bolsonarismo conseguiu construir politicamente nos últimos anos. Eles têm maioria de votos, então é muito difícil conseguirmos barrar a aprovação do Estatuto do Nascituro em votação”, explica Masra Andrade, da Articulação de Mulheres Brasileiras. O relator do PL, Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT), também é favorável ao Estatuto do Nascituro.
Desde em 2013, segundo Andrade, quando o deputado bolsonarista e pastor evangélico Marco Feliciano (PL) se tornou presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, os fundamentalistas religiosos avançaram sobre comissões antes ocupadas pelo campo progressista. “O resultado prático dessa dominação é a ameaça a direitos conquistados. Não apenas inviabiliza o debate no sentido de ampliação de direitos. Pelo contrário, é uma ofensiva antidireitos. Um esvaziamento dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, considera.
Estatuto do Nascituro
O Estatuto do Nascituro garante reconhecimento de direitos ao nascituro, ou seja, ao feto. Na prática, o projeto criminaliza qualquer procedimento que possa causar dano ao embrião, inclusive em casos de gravidez decorrente de estupro. No Brasil, uma mulher é estuprada a cada nove minutos, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança apresentados neste mês.
O PL também ameaça as pesquisas e procedimentos de fertilização e estudos com células tronco, porque proíbe a fertilização in vitro, um método utilizado por milhares de famílias brasileiras em busca de alternativas para gestar. O texto que está em discussão ainda criminaliza o aborto legal em caso de anencefalia do feto e de risco de vida da gestante.