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Participei na semana passada do evento preparatório do G20, no hotel Hyatt, em São Paulo, cuja pauta foi a integridade da informação, conceito ainda fugidio, mas que tem aparecido cada vez mais nos diálogos internacionais sobre a crise da desinformação e suas implicações sobre a nossa sociedade. A cúpula do G20 acontecerá em novembro no Rio de Janeiro.
O evento foi realizado pelo Grupo de Trabalho Economia Digital do G20, sob o comando da Secretaria de Políticas Digitais, da Secretaria de Comunicação Social (Secom). Estavam lá alguns dos principais especialistas e atores das discussões recentes sobre combate à desinformação e regulação das redes, como a vencedora do Prêmio Nobel da Paz Maria Ressa, jornalista filipina; Tawfik Jelassi, diretor-geral adjunto de comunicação e informação da Unesco, organismo da ONU que tem desenvolvido parâmetros para a regulação das plataformas; e a subsecretária-geral da ONU para comunicação, Melissa Fleming.
Embora tenha sido pouco noticiado, foi um daqueles passos políticos importantes para que se costure algo que pode chegar a alguma coisa. E o que o governo brasileiro propõe não é pouco. A ideia é ajudar a construir um consenso em torno da ideia de que assegurar a integridade da informação – entendida como “precisão, consistência e confiabilidade da informação” – é um dever de todos os Estados, e é preciso discutir caminhos multilaterais para se chegar a ela. Além disso, o Brasil procura colocar-se no centro das discussões sobre como se pode vencer as ameaças a ela, ou seja, “a desinformação, a informação falsa e discurso de ódio”, segundo relatório da ONU publicado no ano passado.
Como sabem os que leem aqui esta coluna, há muitos ângulos possíveis para abordar a crise desinformacional que vivemos. Mas, a se levar em conta a curadoria do evento, ficam claros alguns dos eixos que mobilizam o debate, tais como o impacto da desinformação na saúde pública, a regulação das plataformas, a proteção de menores diante dos males causados pelas redes sociais, programas de financiamento à imprensa e o combate ao negacionismo climático.
A esse respeito, aliás, o ministro Paulo Pimenta, que lidera a Secom, anunciou uma iniciativa global para promover a integridade da informação sobre mudanças climáticas, reunindo grupos internacionais de pesquisadores, agências da ONU e a Unesco para desenvolver medidas de mitigação da desinformação sobre o clima.
Para Pimenta, “a mudança de cenário no ambiente digital e no ambiente informacional nos últimos anos afeta o combate à desigualdade, impacta as três dimensões do desenvolvimento sustentável e é determinada pelos limites da atual dinâmica de governança global”.
“Estamos diante de um desafio global que exige a concentração entre respostas globais e respostas no âmbito doméstico”, disse.
Outro dos pontos-chave do debate foi abordado por Maria Ressa, e ficou ainda mais marcado pela presença do representante da OpenAI no evento: o impacto da inteligência artificial. Para Maria Ressa, “estamos sobre os destroços do mundo que já foi, e o desafio é olhar para este cenário e construir um mundo melhor”. Se até agora as redes sociais conseguiram fazer com que os dados pessoais fossem usados como armas contra os usuários e permitir que mentiras se espalhem seis vezes mais rápido do que verdades, é provável, para a jornalista, que “com IA generativa, no novo mundo não importe mais se algo é correto ou errado, se algo é ancorado em fatos”. Para ela, a IA não vai assegurar a integridade da informação. “É por isso que precisamos de regulação. Essa é a indústria mais desregulada da história globalmente”.
Outros debates que ocorreram durante o evento trouxeram ideias interessantes, algumas já abordadas aqui na coluna, como a necessidade de criar fundos para apoiar o jornalismo, a capacitação de professores em educação midiática e a ideia de Maria Ressa de que as próximas redes sociais sejam construídas por veículos de mídia, tendo como premissa o compromisso com os fatos dentro do ambiente da sociabilidade digital.
O evento deixou claro que se avança para um consenso mundial sobre a necessidade de um pacto global para enfrentar o poder das Big Techs. Não seria algo sem precedentes. A própria ONU encabeçou, nos anos 2000, a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, cujo objetivo é reduzir até eliminar o uso global dessa substância, diante do poder transnacional do lobby daquela indústria (que, como revelamos recentemente na Pública, segue tentando desregular leis nacionais e liberar novos produtos com nicotina no mercado).
Porém, o tom otimista do encontro deixou de lado o enorme elefante na sala: o fato de que ainda, para uma parcela grande da população, falar em regular plataformas é sinônimo de censura. E de que esse discurso é incensado por uma porcentagem significativa dos nossos representantes eleitos – contém os mais de cem bolsonaristas na Câmara dos Deputados – e é, ainda, usado por empresas e grupos que lucram com o atual estado de caos informacional (falo aqui, sim, das Big Techs, mas não só delas; basta lembrar o anúncio defendendo a cloroquina nos jornais durante a pandemia de covid-19).
O maior problema é que estamos em um ambiente de debate político que, mais que polarizado, é binário. Então, será preciso, como medida urgentíssima, uma iniciativa global para explicar para os cidadãos que organizar um ambiente que lhes forneça informações confiáveis nem é censura nem é tentativa de manipulá-los. E que vai trazer mais direitos, e não menos.