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Virão “Marielles”, virão “Tainás”, garante política após tentativa de homicídio às vésperas da eleição

Entrevista
10 de outubro de 2024
16:00

Rodeada de apoiadores, Tainá de Paula celebrou a sua reeleição no largo da Prainha, próximo à Pedra do Sal, zona portuária do Rio de Janeiro, símbolo da cultura afro-brasileira na capital fluminense. A celebração tem dose dupla: além de ser a mulher vereadora mais bem votada da cidade do Rio de Janeiro, atrás apenas de dois homens, Carlos Bolsonaro (PL) e Márcio Ribeiro (PSD), a parlamentar sobreviveu a um ataque a tiros a três dias das eleições. 

Dois homens armados abordaram o carro em que estavam a parlamentar e o seu motorista, na Vila Isabel, bairro da zona norte do Rio, na noite de quinta-feira, 3 de outubro. A dupla de atiradores disparou e atingiu o veículo. Ninguém se feriu, porque o automóvel era blindado. 

Desde 2016, o Instituto Fogo Cruzado – organização que mapeia tiros nos grandes centros urbanos – levantou pelo menos cem casos de políticos, candidatos e assessores vítimas de atentados com o uso de armas de fogo, sendo 74 delas atingidas pelos disparos. Somente em 2024, o instituto identificou pelo menos 15 pessoas feridas no estado do Rio, com seis mortes e dois feridos.

Questionada pela Agência Pública, a Polícia Civil do Rio de Janeiro respondeu, por meio de nota, que “tratou-se de tentativa de roubo, não de atentado, sem qualquer motivação política. A investigação está em andamento”.

Tainá de Paula foi reeleita com 49,9 mil votos, o dobro do que obteve no pleito de 2020, quando somou 24 mil. Entre 2023 e 2024, ela atuou como secretária de Meio Ambiente e Clima da cidade do Rio de Janeiro, sob a gestão de Eduardo Paes (PSD), reeleito prefeito com 60% dos votos neste ano.

Mestre em urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a carreira da parlamentar é marcada por políticas públicas e discussões voltadas às comunidades cariocas, sobretudo no enfrentamento às mudanças climáticas.

Por que isso importa?

  • Tainá de Paula foi a vereadora mais votada nas eleições deste ano, ficando atrás apenas de dois homens na quantidade total de votos.
  • Ela foi secretária de Meio Ambiente e Clima da prefeitura e tem apontado os impactos das mudanças climáticas nas favelas e periferias da cidade.

Em entrevista à Pública, a vereadora contou sobre o atentado, relembrou a sua trajetória política e adiantou quais são seus planos para o segundo mandato na Câmara de Vereadores. 

No dia 8 de outubro, o assessor parlamentar da vereadora, Pedro dos Santos Vieira Pires, foi flagrado dirigindo sob efeito de álcool. Segundo a polícia, dentro do veículo foram apreendidos R$ 40 mil em espécie, que seriam para o pagamento de colaboradores da campanha, segundo a política.

A assessoria de imprensa de Tainá de Paula se manifestou por meio de nota e disse que o assessor parlamentar foi exonerado do cargo. 

Vereadora, como foi a noite em que você sofreu o atentado? 

Eu estava numa agenda, tinha vindo da zona oeste, fiz uma parada em uma praça grande da Vila Isabel [bairro da zona norte do Rio], no final do Boulevard 28 de Setembro. 

Entrei naquela rua para ir a um apartamento onde eu faria uma sessão de fotos e um vídeo de apoio à nossa candidatura. Eu não consegui chegar no apartamento e fui abordada ali, no meio da rua. Literalmente, né? Entre um cruzamento e outro.

Dois homens armados pediram para a gente sair do carro. Eu ando com segurança dentro do carro me acompanhando. E um deles perguntou se havia um fuzil, alguma arma de alto calibre. O motorista e eu respondemos que não.

Ele [segurança] mandou a gente acelerar. Quando a gente acelerou, os dois sujeitos atiram, um de uma calçada e o outro do outro lado da rua. E aí um tiro atingiu a lateral do carro e o outro tiro atingiu o radiador.

Como você interpreta esse atentado? 

É difícil, porque a gente vive um processo, na minha opinião, de ruína democrática, quando a gente tem parlamentares numa escalada de violência, que sofrem violência política, num contexto eleitoral, num contexto de seus exercícios parlamentares. 

A gente está falando do Rio de Janeiro, de uma cidade que viu a execução sumária de Marielle Franco, com nove tiros no rosto. A gente está falando de uma cidade que banaliza a importância desse lugar político. E, é claro, não é de se descartar a dimensão racista e a dimensão misógina da desimportância que a estrutura [política] dá para mulheres negras.

Eu sofro muito mais violência, seja ela institucional ou seja ela sexual, do que figuras brancas, cis-héteras, de classe média, da zona sul do Rio de Janeiro, no parlamento.

E isso faz toda a diferença, inclusive, desestimula que novas figuras queiram estar nesses espaços. Isso é estratégico. Mas, como eu sou uma mulher de Xangô [orixá cultuado em religiões de matriz africana] e uma mulher da Praça Seca [bairro da zona oeste do Rio], eu digo que é óbvio que isso já está na conta.

Então, talvez o meu papel seja, claro, garantidas todas as proteções, garantidas toda a tranquilidade, de que eu posso resguardar o meu próprio corpo e o da minha família, é de não recuar, não reduzir a minha atuação, estar cada vez mais na rua, desfrutar todos os espaços, incomodar essa estrutura que ousa dizer que nós somos desimportantes e descartáveis.

Eu acho que a gente fez um papel muito bacana no processo eleitoral. Eu não reduziria a minha atuação e nem a minha participação na política para evitar esse atentado. O recado que eu deixo é de que nós não iremos parar. Virão “Marielles”, virão “Tainás”, virão figuras que escolheram a política como ato político, e não como sobrevida.

Você havia recebido ameaças anteriores ao atentado?

Eu já recebi algumas ameaças verbais no exercício parlamentar. Mas com tiros, foi a primeira vez. Nós sofremos uma abordagem, uma falsa blitz, [em 2021] no começo do nosso mandato que nós fizemos registro de ocorrência, e que ainda está inconcluso.

[Também] Ao longo do mandato, meu carro já foi seguido até a porta de casa. Enfim, todas essas coisas aconteceram próximas de discussões sensíveis na Câmara [de Vereadores], seja o aumento da Guarda [Municipal], seja o aumento do gabarito dos prédios do complexo penitenciário [em Bangu] e [outras] discussões que eu acabei virando protagonista por ter muito firmemente uma posição formada sobre o modelo de segurança pública que a gente tem.

Você tem postura semelhante à da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018. Inclusive, faz críticas ao processo de grilagem de terras em territórios do Rio de Janeiro. Você acha que pode ter sido um dos motivos do atentado que você sofreu?

Poucos quadros da esquerda carioca fazem discussão da grilagem de terras. Eu tenho algumas falas públicas, algumas discussões duras de enfrentamento ao que acontece no Rio de Janeiro. E, Rafael, eu não posso descartar pra você que há uma conformação da política muito próxima desses grupos paramilitares, né?

Hoje eu gostaria muito que a minha investigação não descartasse todas as possibilidades, inclusive a participação de grupos milicianos.

E você desconfia que tenha sido um grupo miliciano?

Não desconfio de nenhum grupo, mas eu quero muito que isso seja investigado a partir de uma linha de investigação.

E como fica sua vida pública e privada depois desse episódio?

Muda mais, né? A minha vida já não é das mais normais. O meu dia a dia já não é um dos mais tranquilos, mas agora é redobrar a segurança e os protocolos revendo tudo isso. E desistir do parlamento jamais!

Um dos pontos que você abordou durante a sua campanha é o enfrentamento aos impactos das mudanças climáticas nas favelas do Rio de Janeiro e o racismo ambiental. Como você pretende trabalhar esse tema?

Sempre fui defensora de que a pauta do clima não poderia ser encastelada no universo da academia e, principalmente, no universo da alta renda, justamente porque [pessoas negras e moradoras de comunidades] são as mais impactadas pela falta de infraestrutura que precisam ter acesso e, obviamente, estar próxima das pautas das questões que versam sobre o clima.

E você ter uma parlamentar que dispute orçamento, que fale da necessidade de a gente adaptar as cidades, da gente ter uma outra política de emissão de gases de efeito estufa é muito importante. Eu senti muita falta, como secretária de Meio Ambiente, de leis específicas que tocassem e que nos ajudassem a conter os avanços da crise climática na cidade.

É cada vez mais urgente a gente falar da qualidade do ar. E aí fico superfeliz da gente ter aprovado o protocolo de enfrentamento às ondas de calor que a gente estabeleceu como decreto no Executivo municipal.

Talvez, se eu não estivesse aqui, bem posicionada, a gente muito provavelmente poderia ter uma outra morte climática como nós tivemos no show da Taylor Swift. E isso faz muita diferença no nosso cotidiano.

Como foi a sua trajetória até a reeleição como a terceira vereadora mais votada do Rio? 

Eu sou uma mulher da periferia do Rio. Então, isso fez com que eu começasse a analisar a partir da reivindicação desse lugar. Me filiei muito jovem, com 15 anos, à Pastoral de Favelas. Depois, eu comecei a participar do movimento estudantil. Foi o meu primeiro ciclo de filiação ao PT. Pouca gente sabe disso, mas eu fui filiada ao PT dos 16 aos 32 anos, num primeiro momento.

Depois, comecei a me dedicar muito ao papel da arquitetura e do urbanismo na cidade, sendo referência na discussão da moradia. Trabalhei muito com planejamento urbano e planejamento habitacional. Isso automaticamente me migrou para a representação de classe.

Eu participei de gestões sindicais, fui conselheira do Conselho de Arquitetura e Urbanismo e fui presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, a primeira mulher negra a assumir esse lugar aqui no Rio de Janeiro.

Dito isso, tudo me construiu como uma figura pública e política. E foi quase que natural [o início na carreira política], num contexto de muita discussão sobre o modelo democrático, a baixa representação das mulheres. Eu discuti muito isso em diferentes fóruns, naquele período de 2013 até 2018.

Criei coletivos como a Partida Feminista, onde, inclusive, encontro mulheres de referência da pauta feminista nacional, que foram Marielle Franco, Marcia Tiburi (PT) e Áurea Carolina (PSOL). Eu sou dessa geração de mulheres que discutiram muito o lugar da mulher na política, inclusive mobilizando a reforma eleitoral brasileira, que abre a discussão não só nas cotas de legenda, mas nas cotas de fundo eleitoral de televisão.

Agora reeleita, quais são os próximos passos? 

Eu quero discutir o estado do Rio. Eu quero discutir o protagonismo do Rio de Janeiro em relação ao governo federal, discutir mais ações locais para o nosso município, o centro do Rio cada vez mais, falar do desenvolvimento econômico de regiões como o Campo Grande e Santa Cruz [bairros da zona oeste da cidade], quero me dedicar mais à saúde da população negra, que é algo que eu consegui fazer na primeira legislatura. 

A gente fala muito da segurança pública, mas a gente não fala desse momento onde o crime, seja ele o tráfico ou a milícia, disputa os nossos jovens e a gente tem poucos instrumentos para fazer essa disputa em pé de igualdade. 

Quando você fala em “discutir o estado do Rio”, significa que você pretende concorrer ao cargo de deputada estadual? 

O futuro vai dizer, vamos ver. Fui eleita pelo município do Rio, não quero fazer aposta nenhuma. 

Você acha que o Eduardo Paes deve te convidar para fazer parte do segundo mandato dele? Você aceitaria um novo cargo? 

Não acho que ele vá me convidar. Eu acho que ele vai encarar o desafio grande de se tornar o prefeito, quase que governador. Vai dialogar com outras forças. A função nossa é cumprir a vereança e cumprir o meu mandato.

Edição:
Arquivo pessoal
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Reprodução/Redes Sociais
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Tânia Rêgo/Agência Brasil

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