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Com novas metas, Brasil tenta influenciar países na COP do Clima e evitar colapso

Conferência em Baku tem vitória de Trump assombrando negociações e fala de que combustível fóssil é “presente de Deus”

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14 de novembro de 2024
04:00

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BAKU – Ao anunciar sua nova meta climática, de reduzir em até 67% as emissões de gases de efeito estufa nos próximos dez anos, o Brasil buscou, nesta quarta-feira (13), em Baku, passar alguns mensagens no intuito de impulsionar as negociações em uma conferência do clima cercada de reveses.

A 29ª COP do Clima da ONU, que teve início na segunda-feira na capital do Azerbaijão, está se desenrolando com o resultado da eleição presidencial dos Estados Unidos pairando como uma sombra sobre os negociadores. Há a preocupação de como a volta de Donald Trump vai afetar a cooperação climática. No pior cenário, o medo é que tudo colapse. Já entre os que tentam ver o copo meio cheio, há uma esperança de que os demais países recalibrem o jogo de forças para preencher esse vazio.

Mas as dificuldades vão além, a começar pelo próprio país-sede da COP, o Azerbaijão, o primeiro lugar do mundo a perfurar um poço de petróleo e que fez sua riqueza com os combustíveis fósseis – chamados de “presente de Deus” pelo presidente do país, Ilham Aliyev. A declaração foi dada nesta terça-feira, quando ele abriu o chamado segmento de alto nível da COP, em que se pronunciam os chefes de Estado e de governo.

Do lado do Brasil, há a preocupação bastante prática sobre os reflexos desse cenário na COP30, que será realizada no Brasil no ano que vem. Na terça, ao se dirigir à plenária, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, foi direto: “O sucesso da COP29 é parte fundamental para o sucesso da COP30”. 

Se não for acordado neste ano um novo mecanismo que permita o financiamento de países em desenvolvimento para que eles possam tomar suas medidas de redução de emissões e de adaptação, algo que se imagina que necessite de US$ 1 trilhão por ano, dificilmente a COP no Brasil terá resultados. É o maior teste de resiliência do Acordo de Paris.

Há que reconhecer que o Brasil está se esforçando para fazer sua parte e não deixar a peteca cair. Os números da nova meta, também chamada no jargão das COPs de NDC, tinham sido antecipados na sexta-feira (8), em Brasília. Nesta quarta, Alckmin entregou pessoalmente a Simon Stiell, secretário-executivo da Convenção do Clima da ONU, um documento de 44 páginas detalhando o compromisso.

O texto tem uma abertura inspiradora: “A contribuição nacionalmente determinada (NDC) do Brasil ao Acordo de Paris traz a visão do país para 2035. Uma visão de um país que reconhece a crise climática, assume a urgência da construção de resiliência e desenha um roteiro para um futuro de baixo carbono para sua sociedade, sua economia e seus ecossistemas. Nela, o Brasil se imagina daqui a uma década, unindo sociedade, setores econômicos e entes federativos para levar adiante o Pacto Nacional pela Transformação Ecológica, com base na equidade, na ciência e nos saberes ancestrais”.

E ainda afirma: “A NDC brasileira reflete a confiança do país em si próprio. Acima de tudo, reflete confiança na capacidade da humanidade de se unir na diversidade, de se reconhecer na interdependência e de se transformar para vencer a luta contra a mudança do clima – esta, sim, nosso inimigo comum”.

O texto, o gesto da entrega, a preocupação em comunicar o compromisso em entrevista coletiva para a imprensa de todo o mundo são parte do esforço que o país tem feito de reforçar a importância do multilateralismo, hoje em xeque, para resolver um problema que, realmente, é de toda a humanidade. Com isso, o país busca incentivar outros a fazer o mesmo.

Entre esta COP e a próxima, há dois pontos-chave importantes para serem destravados. O primeiro é sobre dinheiro, o tal NCQG, ou novo objetivo quantificado de financiamento climático. Basicamente os países têm de decidir quanto vai ser colocado na mesa, quem vai pagar a conta e como esse dinheiro vai ser distribuído. 

O segundo é em torno das NDCs. Essas metas foram apresentadas pela primeira vez em 2015 para formar o Acordo de Paris, mas sempre se soube que elas eram insuficientes para conter o aquecimento global em limites mais seguros. Agora chegou a hora de revê-las para cima. A demanda é para que sejam condizentes com a meta mais ampla, de conter o aumento da temperatura em 1,5 °C. 

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e o primeiro Inventário Global do Acordo de Paris, feito no ano passado, na COP de Dubai, recomendam que o mundo, conjuntamente, corte em 60% suas emissões até 2035, em comparação com 2019.

E as diretrizes para isso precisam ser apontadas até Belém, quando se espera que todos já tenham divulgado suas novas NDCs com mais ambição. 

Mas vários países, essencialmente os em desenvolvimento, não vão se mexer (em muitos casos até por não terem condições disso) enquanto o dinheiro não for resolvido. Daí a tentativa do Brasil de liderar esse esforço e inspirar os outros a fazer o mesmo. 

Tudo isso provavelmente sem os EUA no jogo – Trump deve voltar a tirar o país do Acordo de Paris – e talvez com outras perdas. Nesta quarta, a Argentina, de Javier Milei, retirou sua delegação da COP, provavelmente na empolgação do retorno de Trump. 

Negacionistas à parte, a ministra de Transição Ecológica da França, Agnès Pannier-Runacher, também cancelou sua vinda ao Azerbaijão depois que o presidente Aliyev acusou Paris de “crimes” colonialistas na Nova Caledônia. Isso já no início da COP. O presidente francês, Emmanuel Macron, já não tinha vindo para o segmento de alto nível. 

Essa diplomacia não convencional dos azeris levanta a preocupação para o sucesso da negociação. Os países europeus são os maiores financiadores climáticos globais. Se o humor deles azedar, a chance de fechar a NCQG aqui diminui.

Foco da NDC é no teto ou no piso?

De onde voltamos, então, à diplomacia brasileira e ao papel da nossa NDC. No documento submetido à Convenção do Clima da ONU, o país detalha os esforços internos que já vem fazendo – como a redução de 45,7% no desmatamento da Amazônia em dois anos de governo –, as políticas que estão sendo criadas e os planos que pretende adotar para alcançar uma redução entre 59% e 67% das emissões até 2035, em comparação com os níveis de 2005. Com isso, as emissões ficariam entre 850 milhões de toneladas de CO2e (medida que cria uma equivalência entre todos os gases de efeito estufa), no cenário mais ambicioso, a 1,05 bilhão de toneladas de CO2e, no menos. 

A meta inclui todos os setores da economia (como agricultura, energia, indústria), mas a parte que vai caber a cada um está sendo definida na elaboração do Plano Clima, previsto para ser lançado até julho do ano que vem. E, apesar de não trazer ainda as parcelas setoriais, o documento reforça o compromisso com o desmatamento zero e, pela primeira vez, menciona que o país vai buscar uma “substituição gradual de combustíveis fósseis” nos transportes e na indústria. 

Não há referência, no entanto, a planos de reduzir a produção de petróleo, um dos temas mais controversos do governo Lula e pelo qual a NDC foi alvo de críticas. “A NDC silencia sobre os próprios planos de expansão de produção de combustíveis fósseis pelo Brasil – que pretende aumentar em mais de um terço a extração de óleo e gás”, avaliou a rede de ONGs Observatório do Clima.

Questionado sobre isso na entrevista coletiva, Alckmin se alongou em falar sobre investimentos em etanol e biodiesel, mas nada disse sobre se haverá revisão nos planos de explorar a Margem Equatorial, por exemplo.

Houve crítica também aos números propostos, que não foram vistos como exatamente ambiciosos. O Observatório do Clima fez um cálculo de que, se o Brasil cumprir promessas já feitas, como zerar o desmatamento no país até 2030, fazer recuperação de vegetação e reduzir as emissões de metano em 30% (compromisso assinado pelo Brasil em 2021), as emissões brasileiras ficariam em 642 milhões de toneladas de CO2e. 

O zero do desmatamento é que é o xis da questão. Entende-se ele como total, mas o Código Florestal brasileiro permite que haja um porção de desmatamento legal em propriedades privadas (que é de 20% na Amazônia, mas chega a 80% no Cerrado). Como fazer para que essa parte legal não seja derrubada é o grande desafio. E um dos maiores pontos de disputa com o agronegócio. Não está em discussão no governo brasileiro tentar mudar o Código Florestal – o que jamais seria aprovado no Congresso e poderia ainda acabar abrindo brecha para piorar a lei.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sinalizou isso na coletiva que deu ao lado de Alckmin. “O combate que fazemos é a tolerância zero com o desmatamento ilegal e a disputa para que o modelo de desenvolvimento brasileiro não incorpore a questão da destruição de suas florestas. Esse é um esforço que o Brasil está fazendo, que o presidente Lula vem trabalhando, e que, com isso, nós queremos chegar a desmatamento zero em 2030 e zerar as nossas emissões em 2050.”

Ambientalistas levantaram dúvidas, ainda, sobre a apresentação da NDC em banda, com um teto e um piso de emissões a serem reduzidas. O principal questionamento foi se o Brasil não poderá se dar por satisfeito ao atingir a meta mais baixa (de 1,05 bilhão de toneladas de CO2e), deixando assim de buscar a mais ambiciosa. Marina bateu na tecla de que não. 

“O nosso objetivo e o nosso foco é o número absoluto de 850 milhões de toneladas de CO2 [em 2035] e uma redução de 67% [das emissões]. A ideia de uma banda é tão somente para ter um processo que assimile possíveis variações, como nós temos a inflação. No nosso caso, o que nós queremos é uma redução significativa de CO2. O objetivo não é usar a banda para se acomodar naquilo que é menos, a banda é tão somente para dar suporte para alcançarmos mais”, disse.

Após a coletiva, a secretária de Mudança do Clima, Ana Toni, complementou: “O Brasil quer a meta mais ambiciosa, mas existem incertezas e a gente não é irresponsável de não levá-las em conta”.

A referência não é só às incertezas das COPs, mas às provocadas pelas próprias mudanças climáticas, além das condições políticas e econômicas nacionais e internacionais. Fatores internos, como derrotas no Congresso, ou a eventual retomada da extrema direita ao poder, podem mudar tudo. Assim como os externos, desde os impactos da volta de Trump a ameaças de conflitos de grande escala. 

É um momento delicado. Mas, como a NDC brasileira resumiu com clareza, a mudança do clima é um inimigo comum a ser combatido. E, acrescento eu, que já está batendo nas portas de todos nós. Já passou da hora de colocá-lo em uma mira de alta precisão e virar toda a artilharia para ele.

A repórter viajou a Baku a convite do Instituto Arapyaú e do Climainfo.

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