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Às vésperas da eleição, partido AfD ganha tração no Parlamento em meio a apoio do bilionário da tecnologia

Reportagem
22 de fevereiro de 2025
04:00

Poucas semanas antes das eleições na Alemanha, marcadas para 23 de fevereiro, Elon Musk declarou de forma inequívoca seu apoio ao partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Em um vídeo exibido durante um comício do partido, no dia 25 de janeiro, ele incentivou os alemães a “seguir em frente” em relação a qualquer “culpa do passado” relacionada ao Holocausto: “É bom ter orgulho da cultura alemã, dos valores alemães, e não perder isso em um tipo de multiculturalismo que dilui tudo.”

De forma preocupante, a AfD agora está solidamente estabelecida como o segundo partido mais popular da Alemanha, atrás apenas da União Democrata-Cristã (CDU), de centro-direita. No entanto, como todos os partidos nas eleições alemãs, a AfD não pode conquistar uma maioria absoluta. Também é improvável que seja convidada a integrar qualquer coalizão governista que surja após as eleições de 23 de fevereiro.

Por que isso importa?

  • A Alemanha é a terceira maior economia do mundo, atrás dos EUA e China. Além disso, ela tem papel importante nas decisões da União Europeia, onde partidos de extrema direita têm avançado.

Mas o discurso anti-imigrantes e antigoverno da AfD já distorceu significativamente o debate público e a cultura democrática na Alemanha, levando muitos a questionar se o partido precisa vencer eleições para ver suas políticas implementadas.

Isso ficou evidente após uma semana dramática em janeiro no Bundestag, o Parlamento alemão.

O primeiro sinal foi uma ruptura radical com as normas políticas da Alemanha: o líder da oposição, Friedrich Merz (CDU), contou deliberadamente com os votos da AfD para aprovar à força uma moção radical que promovia o endurecimento das fronteiras e restringia os pedidos de asilo no país.

Foi a primeira vez na história do Bundestag que uma maioria parlamentar foi alcançada com a ajuda da extrema direita. A ação de Merz foi amplamente condenada como uma violação de tabus e um passo em direção à legitimação da AfD.

Dias depois, Merz tentou ir ainda mais longe, com um projeto de lei abrangente para endurecer os controles de imigração. Embora o projeto tenha sido derrotado por uma margem estreita, toda a AfD votou com Merz. Doze membros de seu próprio partido, a CDU, se recusaram a apoiá-lo.

A aproximação de Merz com a extrema direita é amplamente vista como politicamente desnecessária, já que sua CDU conservadora já lidera as pesquisas nacionais, tornando-o o favorito para suceder Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata (SPD), como chanceler.

Isso levanta algumas questões cruciais antes da eleição. São os insiders ou os outsiders que estão desempenhando o maior papel na normalização da extrema direita? E qual será o papel da AfD após as eleições?

O efeito Musk

O apoio de Musk à AfD não deveria ser uma surpresa, dado o papel essencial que ele desempenhou na vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. No contexto alemão, no entanto, seu comportamento e declarações assumiram tons ainda mais sombrios.

Os alemães sabem muito bem o que está em jogo quando a democracia é corroída por aqueles que abusam de suas liberdades para atacá-la. Se as saudações nazistas de Musk após a posse de Trump tivessem sido feitas em Berlim, por exemplo, ele poderia ter enfrentado até três anos de prisão.

O lema “nunca mais” tem sido um princípio fundamental da política alemã desde a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a resposta às recentes provocações de Musk foi estranhamente contida em algumas partes da mídia alemã.

O tabloide alemão Bild minimizou de forma constrangedora a saudação hitleriana de Musk, enquanto outros veículos falaram de forma vaga de um “gesto questionável”.

Com algumas exceções notáveis, coube a ativistas lembrar aos alemães a gravidade desse gesto – projetando a imagem da saudação de Musk em uma fábrica da Tesla na Alemanha, ao lado da palavra “heil”.

Dado o rigor com que a Alemanha fiscaliza representações de seu passado nazista, foi surpreendente ver tão poucos jornalistas dispostos a afirmar sem rodeios que “uma saudação de Hitler é uma saudação de Hitler”.

A aproximação de Merz com a extrema direita

Inicialmente, houve alguns sinais de que os principais líderes políticos da Alemanha condenariam as tentativas de Musk de normalizar a política de extrema direita no país.

Quando Musk chamou a AfD de “a última centelha de esperança” em dezembro, tanto Scholz quanto Merz rapidamente condenaram sua interferência.

Scholz continuou a classificar as tentativas descaradas de Musk de influenciar a política alemã como “inaceitáveis” e “repugnantes”.

Embora Merz afirme manter distância de Musk, sua estratégia para vencer as eleições não parece muito diferente do que o bilionário sugere —– Merz tem imitado as políticas da AfD e colaborado com o partido em votações anti-imigração.

Na ruptura mais radical com o centrismo que caracterizou a CDU sob o governo da ex-chanceler Angela Merkel, Merz derrubou os obstáculos ao trabalho com a extrema direita. Sabendo exatamente o que isso significava, ele usou o apoio da AfD para aprovar no Parlamento a moção nacionalista sobre a proteção de fronteiras.

A AfD celebrou publicamente, chamando o episódio de “um dia histórico para a Alemanha”.

Enquanto isso, líderes de partidos democráticos manifestaram choque e indignação. A própria Merkel se pronunciou contra Merz, dizendo que era “errado” colaborar conscientemente com a AfD.

A intervenção da ex-chanceler parece ter sido crucial para a rejeição do projeto de lei sobre imigração, já que muitos dos ex-apoiadores de Merkel na CDU se recusaram a votar a favor da proposta.

O que a ascensão da AfD pode significar

Dadas essas duas votações e a intervenção de Musk, muitos na Alemanha agora temem que uma vitória da CDU nas eleições possa sinalizar uma colaboração maior com a AfD.  

O partido de Esquerda chamou Merz de fantoche da AfD e exigiu que Musk fosse proibido de entrar na Alemanha.  

Robert Habeck, vice-chanceler da Alemanha e membro do Partido Verde, afirmou que a coalizão nacionalista de Merz “destruiria a Europa”. Ele alertou Musk para manter as “mãos longe de nossa democracia”, o que levou o bilionário a chamá-lo de “traidor do povo alemão”.  

Musk não é, de forma alguma, a causa da popularidade da AfD, mas seu apoio ao partido extremista deu a ele um perfil global e credibilidade em círculos que talvez nunca o considerassem antes.  

Musk tem sido uma figura controversa na Alemanha desde a chegada da “gigafábrica” da Tesla no estado de Brandemburgo, perto de Berlim, que foi imediatamente acusada de derrubar 500 mil árvores e causar danos irreparáveis a valiosas reservas de água subterrânea. Acusações de que a Tesla violou leis trabalhistas alemãs e até realizou verificações-surpresa em trabalhadores de licença médica também não ajudaram a imagem da empresa entre os alemães progressistas.  

Como alguns comentaristas sugeriram, provavelmente não é coincidência que os planos da AfD para a economia alemã beneficiariam os interesses comerciais de Musk. No entanto, o interesse econômico por si só parece insuficiente para explicar por que Musk se aproximou tanto da extrema direita.  

O mesmo pode ser dito de Merz. Os cálculos eleitorais por si sós não explicam seu perigoso flerte com a extrema direita. Ele já era o favorito para vencer as próximas eleições há muito tempo. Aproximar-se da AfD apenas dificultará uma coalizão com o Partido Social-Democrata, do chanceler Scholz, ou com o Partido Verde.  

Se esses dois partidos se recusarem a negociar com Merz, o único bloco grande o suficiente para garantir o controle do governo à CDU seria a AfD. Ele chegaria a esse ponto?  

Seja parte formal do próximo governo ou não, a AfD e seus aliados (como Musk) podem estar prestes a ter uma influência muito maior na política alemã. Como isso mudará a Alemanha a longo prazo ainda é uma incógnita.

X/Divulgação
Steffen Prößdorf/Wikimedia Commons
Steffen Prößdorf/Wikimedia Commons

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