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A prisão de Lula e a prisão de Bolsonaro

Os dois eventos em muito se assemelham e se diferem, mas Bolsonaro terá vantagens se preso em uma prisão militar

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31 de março de 2025
17:00

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Havia muita gente que sugeria que ele fosse para uma embaixada, que fugisse do país. Mas ao contrário: no dia 7 de abril de 2018, Lula decidiu se entregar à Polícia Federal e ir para a prisão, deixando um legado inamovível para a democracia brasileira. Claro, raposa velha, cercado de partidários, ele fez da prisão um momento de impacto político duradouro – a foto em que ele está rodeado de apoiadores, que lutam para tocar a sua mão, virou um ícone da batalha que se seguiria pela sua libertação. Mas, ao se dirigir à sede da Polícia Federal em Curitiba e não ao exílio, Lula também depositou enorme confiança na Justiça brasileira. “Estou aqui para brigar pela decência, pela inocência e por justiça. E sonho que esse país vai ter Justiça. O dia em que tiver justiça, serei inocentado”, disse em entrevista à Agência Pública durante a detenção. 

Qualquer semelhança com uma eventual prisão de Bolsonaro no processo pela tentativa de golpe de Estado será mera coincidência. E, no entanto, é inevitável comparar os dois eventos, que se interligam à moda de um roteirista caprichoso: afinal, Lula saiu da cadeia para derrotar Bolsonaro nas urnas, e a ausência de Bolsonaro no pleito aumenta as chances de Lula ser tetra eleito.

Por isso, há que se pensar em quais são as implicações políticas do uso da prisão de Lula como norte por esse nosso ex-presidente e futuro presidiário – o Bolsonaro. E o primeiro é esse mesmo que listei no começo da coluna: Lula deixou um legado de respeito à Justiça, mas que também elevou o sarrafo pra quem vier atrás dele. Impossível o outro não ser tido como “covarde” ou “fujão” se decidir entrar em uma embaixada, por exemplo a da Hungria. 

Bolsonaro quer repetir Lula. Mesmo se preso, pretende abençoar seu candidato, assim como Lula fez com Haddad, uma candidatura que foi vista como de um “poste” político. Mas não sabemos se o truque pode ser repetido, e ainda que tipo de candidato teria a paciência de esperar até os 45 do segundo tempo – como fez Haddad em 2018 – para se sujeitar a ser apenas um coadjuvante na própria candidatura. 

E, se os bolsonaristas contam com um repeteco histórico, há outros elementos que complicam essa equação.   

O desafio, até agora, parece também ser maior para Bolsonaro escapar da condenação aos olhos do público. Como mostra pesquisa recente do Poder Data, 51% da população é contra a anistia aos envolvidos em 8 de janeiro, incluindo o ex-presidente. Bolsonaro também não ajuda. Em entrevista à Folha, ele admitiu ter discutido estado de sítio, estado de defesa e intervenção federal em 2022. Diferente do caso do tríplex contra Lula, as provas são robustas – e diretas. Na época da prisão do atual presidente, havia enorme confusão quanto aos tais “fatos indeterminados” da corrupção que o levaram à cadeia. Custou à defesa de Lula um enorme tempo – mais de um ano – para conquistar grande parte da opinião pública a seu favor. A Vaza Jato, claro, liderada pelo Intercept Brasil e da qual participamos aqui na Pública, ajudou a dar um empurrão final. 

O caso contra Bolsonaro é inegavelmente mais robusto. Ele estava na sala enquanto se discutia o golpe, apresentou minuta golpista a militares, ouviu planos de assassinato. Isso tudo está registrado, e, por mais que a extrema direita acredite que tudo são narrativas e versões, ainda hoje é difícil se livrar de fatos.  

Em termos de opinião pública, também vai ser complicado para os bolsonaristas reempacotarem uma de suas mais queridas expressões, a do “ex-condenado” ou “descondenado” que se vale justamente do marco da condenação judicial. Até aqui, Bolsonaro até conseguiu de maneira façanhosa escapar de todos os processos criminais contra si. Agora, a realidade será outra. Estamos falando de um Bolsonaro reconhecido oficialmente como criminoso. 

Por outro lado, se pensarmos na construção de alianças em sua defesa, Bolsonaro sai na frente. Pois já há anos ele elabora sua narrativa antiprisão, segundo a qual seria apenas um perseguido político, alguém que o sistema quer “calar”, antes mesmo da derrota nas urnas.

Valendo-se do apoio internacional costurado por Eduardo, é bem provável que veremos uma campanha barulhenta da aliança da extrema direita, de Trump a Orbán, que pode incluir até atos oficiais de Estados alinhados com o extremismo. Mas daí a virar a opinião pública e mexer no STF seria um enorme salto – algo que talvez exija um tempo que o próprio Bolsonaro não está disposto a encarar.

Mas digamos que nada disso surta efeito e Bolsonaro vá, afinal, para a prisão. Aí teremos um novo pepino. Bolsonaro, ex-capitão reformado, será preso em uma prisão militar.  

Enquanto Lula ficou 580 dias preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, em um dormitório organizado para ele, Bolsonaro pode receber um espaço dentro do Comando Militar do Planalto, o QG do Exército em Brasília. Todos os ex-presidentes têm direito a essa regalia, mas Lula a rejeitou por motivos óbvios.

Será diferente com Bolsonaro – ele vai querer estar entre os seus. Assim, o ex-militar pode influenciar os militares de baixa patente, algo que sempre fez com destreza, dentro do quartel. É previsível que se crie em torno de sua prisão uma nova mobilização, talvez um reavivamento dos acampamentos golpistas diante do QG do Exército. Por isso, já há discussões no Exército se esse seria um destino ideal para Bolsonaro. 

Com as fileiras ainda coalhadas de golpistas, que podem ficar ainda mais ressentidos com a prisão dos generais envolvidos no golpe, manter Bolsonaro em uma prisão militar pode arrastar mais uma vez as Forças Armadas para o centro do embate político nacional.

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