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Luigi e o CEO

Assassinato de CEO por Luigi Mangione expõe insatisfação popular com donos de grandes empresas

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7 de abril de 2025
17:00

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Há alguns meses soube por uma amiga que trabalha no mercado editorial que hoje em dia os títulos de romances folhetinescos apelam muito frequentemente à figura do CEO. A Sabrina de hoje sonha em ter romances com o executivo-mor, em títulos como “A escolha de Sabrina, uma noite com o CEO ou nada”, “A esperança do CEO”, “O CEO italiano”, “Sob o olhar do CEO”, ou “Um Erro irresistível: o CEO e a secretária 12 anos mais nova”. Uma fórmula que ilustra o sonho de um escape possível da miséria cotidiana das nossas, atrair os olhares de um CEO endinheirado.

Do endeusamento da figura do CEO na literatura popular até o assassinato do CEO pelo americano Luigi Mangione, pode parecer que há um enorme abismo – mas, talvez, não seja assim. Foi um crime bárbaro, premeditado, injustificável, e é por isso mesmo que o apoio que o suspeito tem recebido chama a atenção. 

Na semana passada, o Departamento de Justiça Americano anunciou que vai pedir a execução de Mangione na cadeira elétrica, por ter assassinado Brian Thompson, CEO da UnitedHealthcare, a maior operadora de planos de saúde dos Estados Unidos e parte do grupo UnitedHealth Group, um dos maiores do mundo – o grupo foi dono da Amil até 2023. Os procuradores encarregados do caso afirmaram que buscar a pena de morte segue uma diretiva do governo de Donald Trump.

Se você não sabe de quem estou falando é porque sua vida está longe de fóruns da internet e dos recantos de redes sociais onde a conversa ainda rola solta. Luigi Mangione, um desenvolvedor de 26 anos, assassinou Brian Thompson em 4 de dezembro em uma rua de Nova York, quando ele se dirigia a uma convenção da empresa onde se discutiria, entre outras coisas, a estimativa de receita de US$ 450 bilhões para 2025. 

O assassino, mascarado, fugiu, mas deixou pistas suficientes para que a polícia chegasse a Luigi. Ele foi preso cinco dias depois em um McDonald’s na Pensilvânia. Com ele, a polícia encontrou uma pistola e um silenciador feitos em impressora 3D (tem vários vídeos online que explicam como fazer isso) e um caderno com detalhes do plano contendo a passagem: “O que você faz? Você abate o CEO na convenção anual dos parasitas contadores de feijão. É direcionado, preciso e não põe inocentes em risco”

Os cascos das balas encontradas no local traziam o escrito “Defender, Negar, Depor”, uma referência a uma regra usada por empresas de seguro de saúde para negar assistência médica a seus beneficiários: “atrasar, negar, defender”. O verbo “depose” pode se referir à defesa do “tiranicídio”, o assassinato de tiranos que tem uma longa trajetória na história mundial, indo desde o assassinato de Julio César por membros do Parlamento romano que queriam evitar a concentração do seu poder até a defesa do assassinato como arma política por intelectuais anarquistas no começo do século 20.       

As evidências contra Luigi Mangione parecem ser mais que robustas, embora ele tenha se alegado inocente das acusações. 

Segundo a polícia, também foi encontrado com o jovem um documento de 3 páginas, um breve manifesto: 

“Francamente, esses parasitas simplesmente estavam pedindo por isso. Um lembrete: os EUA têm o sistema de saúde mais caro do mundo, e ainda assim estamos por volta da 42ª posição em expectativa de vida.

A United é a (…) maior empresa dos EUA em valor de mercado, atrás apenas da Apple, Google e Walmart. Ela cresceu e cresceu, mas… nossa expectativa de vida também cresceu?

Não, a realidade é que esses (…) simplesmente se tornaram poderosos demais, e continuam abusando do nosso país em troca de lucros imensos porque o público americano permitiu que isso acontecesse.”

Antes de prosseguir, dou uma pausa aqui pra reforçar que não considero nenhum assassinato, nem por uma pessoa nem pelo Estado, justificável. 

Mas esse assassinato a sangue frio chocou os Estados Unidos, ao mesmo tempo que trouxe uma onda de solidariedade e apoio inesperada e há muito tempo não vista, um dos fenômenos sociais/digitais mais interessantes dos últimos anos e que merece ser discutido. 

Luigi Mangione efetuou um assassinato político. O caráter de político do crime foi reforçado pela acusação por um júri de Manhattan por homicídio de primeiro grau “para promoção de terrorismo”. Agora, que causa seria essa que está por trás do crime de terrorismo? Isso será uma tarefa que os procuradores de Nova York terão de provar nos tribunais.   

Há algo inquietante no furor quase imediato que o assassinato provocou na internet. Antes mesmo do nome do suspeito ser revelado, Mangione foi retratado como um justiceiro, com playlists dedicadas no Spotify e fanfics se espalhando por fóruns. Ele ganhou o apelido de “the Adjuster”. Segundo um relatório do Network Contagion Research Institute, grande parte das mensagens “expressavam apoio explícito ou implícito ao assassinato ou difamavam a vítima”, o que levou-os a concluir que, se a glorificação de violência é algo corriqueiro em fóruns anônimos como 4chan ou 8chan, no caso do assassinato do CEO, “estamos testemunhando dinâmicas semelhantes surgindo em plataformas mainstream”. Um dos pesquisadores do centro disse à BBC que houve um aumento de 400% em hashtags como “destrua os ricos”. 

Quando o nome de Luigi foi revelado, a popularidade só aumentou. Rapaz jovem, bonito, de família rica, dona de vários negócios, aluno exemplar, orador da turma na escola e com referências ideológicas confusas típicas da sua geração – leitor de Unabomber e Dr Seuss, seguidor de Sam Altman e Edward Snowden no Twitter – Luigi Mangione conquistou um exército de fãs que viram nele o “vingador” que sua geração precisa. Horas depois do anúncio do seu nome, lojas como Etsy já vendiam dezenas de camisetas com seu rosto estampado sobre frases como “Mama, I’m in love with a criminal” ou sacolas com sua foto como Pessoa do Ano da Revista Time. Nos meses que se seguiram, tornou-se um desafio para diversas redes sociais moderar conteúdos que louvavam o assassinato – muitas foram acusadas de exagerar e sufocar qualquer discussão sobre o crime político. Segundo uma reportagem do Business Insider, canais foram banidos permanentemente do Youtube, fóruns temáticos foram suprimidos do Reddit, e o Tiktok removeu postagens pedindo a sua libertação.   

“Removemos conteúdo que glorifica ou promove o suspeito do assassinato de Brian Thompson, assim como conteúdo que trivializea sua morte”, afirmou Jack Malon, porta-voz do Youtube, para o site. “Começamos a adotar isso logo depois do incidente”. 

A Wired chamou o fenômeno de “Mangione Mania”. 

Muitos têm dito que a revolta de Luigi e seus seguidores mira o setor de saúde, em especial. E é um fato que o tema do abuso de empresas como a UnitedHealth é tópico muito comum em fóruns como Reddit e temas frequentes de desabafo. 

Mas observando a adesão imediata do público online, minha impressão é que o ato de Luigi canalizava uma insatisfação mais profunda com CEOs de todo tipo, que encarnam a tirania dos nossos tempos. No seu perfil no Twitter, o suspeito postava conteúdos críticos ao poder das Big Techs (como Apple e Google, não por acaso mencionadas no seu manifesto), compartilhava conteúdo do autor de “Geração Ansiosa” (editora Cia das Letras, Jonathan Heidt, talvez o mais influente livro sobre como as redes sociais têm adoecido uma geração de adolescentes e jovens, e vídeos criticando Peter Thiel e outros tecno-oligarcas). Hoje, a conta tem mais de meio milhão de seguidores e é uma enxurrada de manifestações de apoio à Luigi.      

É por isso que, mais que as tentativas de assassinato contra o próprio presidente americano, talvez esse seja o assassinato político que vai definir a era Trump.        

A raiva contra os “novos tiranos” das empresas que controlam o mundo não vem de hoje. Temos que nos esforçar para lembrar, mas foi a revolta dos 99% contra o 1% que lucraram com o sistema financeiro que levou milhares de pessoas a ocupar Wall Street em 2011. Desde então, os CEOs de bancos seguiram recebendo bônus milionários, e, segundo o índice da revista Forbes, o punhado de bilionários do mundo aumentou sua fortuna de 1 para 16 trilhões nos últimos 25 anos. Talvez esse tenha sido o recado mais claro sobre o fracasso da democracia nas últimas décadas. E, embora não tenha havido consequências legais imediatas, o legado social daquele momento foi enorme – a reação à crise de 2008 está na raiz tanto do movimento das criptomoedas, por exemplo, quanto de movimentos populistas de direita, como Steve Bannon bem explicou na sua já histórica entrevista ao New York Times em janeiro.    

Parece ser esse sentimento latente, generalizado, de que a concentração de renda e poder chegou longe demais, que foi liberado pelo assassinato do CEO. 

Talvez seja esse o sentimento que temos quando olhamos para a foto dos CEOs das Big Techs, lado a lado, na posse de Donald Trump e lemos o descalabro que o “CEO-mor” Elon Musk está cometendo dentro do governo americano – causando enorme caos, pobreza, e literalmente causando mortes de cem pessoas por hora, segundo estimativa da Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston.   

Embora seja errado aplaudir um assassinato, a verdade é que a morte do CEO uniu americanos dos dois lados do espectro político. O influenciador trumpista Ben Schapiro tentou afastar seu público do fenômeno postando, em 6 de dezembro, um vídeo cujo título era “A esquerda maligna aplaude um assassinato”. O vídeo teve mais de 20 mil comentários, muitos deles retrucando a Shapiro:     

“Eu não compro mais essa merda de ‘esquerda vs direita’ Ben, quero serviço de saúde para minha família”, dizia um. “Esta seção de comentários é uma coisa linda. Realmente me enche de alegria ver as pessoas se unindo assim, do jeito que deveria ser”, dizia outro. 

“Estou chorando, gente. É tão lindo nos ver tão unidos”, escreveu uma terceira comentarista. 

A essa altura é difícil dizer o que vai acontecer com Luigi Mangione, que ao que tudo indica cometeu um crime hediondo que vai ficar para a história. Mas, se o Departamento de Justiça acredita que levá-lo à cadeira elétrica vai silenciar o simbolismo do gesto e as acaloradas discussões sobre ele, engana-se. Ainda ouviremos falar muito dessa história. 

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