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Pressão por Comissão Indígena da Verdade ganha fôlego com COP30

Crimes contra os Krenak, condenados pela Justiça, sinaliza visibilidade para vítimas indígenas da ditadura

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12 de abril de 2025
06:00

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“O meu pai sofreu muito na ditadura”, desabafa Douglas Krenak. “Foi construída uma escola para que o povo não falasse mais a nossa língua e aprendesse, forçado, a falar português. Um dia, ele não foi para a escola, um soldado foi atrás e encontrou meu pai pescando na beira do rio. Esse soldado pegou meu pai, amarrou ele com corda na sela do cavalo e arrastou ele, uma criança, para toda a comunidade ver”, conta a liderança indígena, como relata a repórter Isabel Seta, que fez a cobertura da 21ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena no país, que se encerra nesta sexta-feira (11).

A decisão do Tribunal Federal Regional da 6ª Região desta terça-feira (8) confirma a condenação em primeira instância do Estado brasileiro por danos coletivos contra os Krenak durante a ditadura militar e a determinação de que a União, a Funai e o governo de Minas Gerais façam um pedido público de desculpas aos Krenak. Também exige que a Funai conclua a demarcação da Terra Indígena Sete Salões, no Vale do Rio Doce, em seis meses e que faça a recuperação ambiental das áreas degradadas.

Uma vitória histórica para os povos indígenas comemorada no ATL, onde foi anunciada no mesmo dia pela advogada indígena Maíra Pankararu. “É possível, sim, demarcar terras indígenas através da justiça de transição”, disse a advogada, fazendo referência ao processo de investigação, responsabilização e reparação pelos crimes da ditadura.

Essa é a segunda vitória dos Krenak, como frisou Maíra ao comunicar a decisão da Justiça. Como membro da Comissão da Anistia, ela foi a primeira integrante indígena a relatar um pedido coletivo de reparação, em abril de 2024, após conseguir modificar o regimento interno que só previa indenizações individuais. Além dos Krenak, também os Guarani-Kaiowá obtiveram anistia coletiva no ano passado.

Durante a ditadura, os povos indígenas foram deslocados de seus territórios, destituídos de suas práticas culturais (até as línguas nativas foram proibidas), submetidos à prisão, trabalhos forçados e sevícias em centros de detenção em Minas Gerais: a Fazenda Guarani, em Carmésia, e o Reformatório Krenak, em Resplendor onde o pai de Douglas Krenak foi torturado.

O requerimento do procurador do Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais Edmundo Antonio Dias Netto por anistia política foi feito em março de 2015, na sequência da publicação do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em dezembro de 2014. Em entrevista à repórter Alice Maciel à época do julgamento, o procurador explicou que “o relatório reforçou o conjunto probatório das violações”, fortalecendo tanto o pedido da Comissão da Anistia quanto o julgamento que condenou o Estado brasileiro na Justiça.

Ao contabilizar ao menos 8.350 vítimas indígenas durante a ditadura, a CNV também abriu caminho da justiça de transição para os povos originários, processo que está em andamento através de uma iniciativa da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do Instituto de Políticas Relacionais e do Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas da Universidade de Brasília. O projeto “Justiça de Transição para Povos Indígenas” já reuniu 2 milhões de páginas de documentos e treinou pesquisadores indígenas para percorrer os territórios e levantar casos de violações, ouvir depoimentos de vítimas e familiares e sensibilizar os povos para a memória e reparação.

Há muitos casos ainda não apurados de violações, não apenas pelo Estado, mas também por empresas como a Paranapanema S.A, que explorou trabalho análogo à escravidão de indígenas na Amazônia nos anos 1970, como revelou a Agência Pública em 2023.

Em setembro do ano passado, também foi criado o fórum “Memória, Verdade, Reparação Integral, Não Repetição e Justiça para os Povos Indígenas”, coordenado pelo Ministério Público Federal, pela Apib e seus parceiros. Um dos objetivos do fórum é propor a criação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade, que provavelmente será lançada durante a COP30, aproveitando a visibilidade internacional do evento.

Seria de bom tom para o governo brasileiro, que até lá efetuasse esse pedido público de desculpas aos Krenak e concluísse a demarcação da TI Sete Salões, ainda paralisada por ações de fazendeiros e mineradoras. 
Aliás, vale lembrar que os Krenak, já no século 21, foram vítimas da mineradora Vale, com o rompimento da barragem em Mariana (MG), em 2015, que devastou o território. Vale e Paranapanema também poderiam aproveitar a COP30 para se desculpar publicamente. Afinal, as violações contra os indígenas continuam a ser cometidas, mesmo com o reconhecimento internacional do papel essencial dos povos originários para o futuro do planeta, que sofre com a lentidão dos governos e o descaso das empresas, sempre prontas a posar de “verdes” enquanto continuam a destruição.

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