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O Judiciário dos EUA: a linha de defesa contra o Trumpismo

Imaturidade de Trump, que “trolla” juízes, aumenta reação contrária da Justiça contra o presidente

Coluna
13 de maio de 2025
12:00

Com um presidente fora de controle e um Congresso dominado por republicanos, uma frente essencial na resistência a Trump é o Judiciário. Atualmente, mais de 330 processos judiciais contestam as novas medidas aparentemente inconstitucionais de Trump.

A boa notícia é que a oposição está vencendo a maioria desses casos. Os tribunais emitiram mais de 200 ordens suspendendo as ações do governo. Novos casos são registrados todos os dias.

A má notícia é que o governo recorrerá em muitos desses casos, que acabarão na Suprema Corte, com sua maioria conservadora de seis a três. Assim, embora juízes de primeira instância e de apelação tenham decidido com firmeza contra as medidas do presidente, a anulação permanente das propostas extremas de Trump não é garantida.

São quatro as áreas cruciais onde a Justiça tem atuado contra as medidas do governo de Trump:

  1. a campanha para deportar milhões de imigrantes indocumentados;
  2. a prisão e retirada de vistos para estudantes internacionais supostamente por participação em atividades consideradas contrárias aos interesses nacionais dos EUA;
  3. ameaças de retaliação aos escritórios de advocacia que defenderam pessoas na lista de inimigos de Trump;
  4. o desmantelamento sistemático de programas e serviços do governo federal por Elon Musk através do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE).

No ano passado, analistas jurídicos de centro-esquerda estavam convencidos de que a Suprema Corte imporia limites à ação presidencial de Trump em um caso relacionado ao seu envolvimento no planejamento e incentivo aos insurrecionistas de 6 de janeiro que invadiram o Capitólio.

Porém, a decisão de 1º de julho de 2024, que favoreceu Trump por seis votos a três, concluiu que os presidentes têm imunidade absoluta para atos que cometeram como presidente dentro de sua competência constitucional principal. O tribunal também decidiu que o presidente tem imunidade presuntiva para ações dentro do perímetro externo de atos oficiais e nenhuma imunidade para atos não oficiais. Essa decisão levou Jack Smith, o Procurador Especial que processava o então ex-presidente por seu apoio à insurreição de 6 de janeiro, a pedir arquivar o caso contra Trump.

Portanto, seria perigoso depositar toda a esperança no judiciário para salvar a democracia nos Estados Unidos.

Durante seu primeiro mandato como presidente, Trump nomeou mais de 220 juízes federais, incluindo três que compõem a Suprema Corte. Há também um número considerável de juízes federais nomeados por Ronald Reagan e pelos dois presidentes Bush. No entanto, até mesmo juízes escolhidos por Trump durante seu primeiro mandato decidiram contra o presidente.

Ironicamente, a imaturidade de Trump, sua incapacidade de reconhecer que cometeu algum erro e seu gosto por vingança o levaram a realizar uma campanha sistemática de “trollagem” contra qualquer juiz que esteja julgando um caso no qual ele é réu ou decidindo sobre medidas que o presidente tentou implementar. Durante os processos judiciais em Nova York ocorridos no ano passado sobre as práticas comerciais e o assédio sexual de Trump, ele criticou publicamente os juízes que presidiam os casos, além de atacar seus familiares. Suas agressões nas redes sociais contra esses juízes e seus familiares mobilizaram seus apoiadores. Imediatamente, esses alvos da ira de Trump receberam dezenas, senão centenas, de ameaças de morte.

Entre aqueles que foram sujeitos à fúria do presidente está o juiz distrital dos EUA James E. Boasberg, que supervisiona o caso de deportação de mais de 200 venezuelanos supostamente membros da gangue Tren de Aragua para ao Centro de Confinamento de Terroristas (CECOT), uma prisão de segurança máxima em El Salvador. Trump chamou Boasberg de “juiz lunático da esquerda radical, encrenqueiro e agitador”, que deveria sofrer impeachment.

Em resposta, o Presidente do Supremo Tribunal, John Roberts, membro da maioria conservadora na corte, emitiu uma rara declaração repreendendo Trump e seus aliados por pedirem o impeachment de juízes que decidiram contra o governo. “Por mais de dois séculos, ficou estabelecido que o impeachment não é uma resposta apropriada a divergências sobre uma decisão judicial. O processo normal de revisão de apelação existe para esse propósito”, disse Roberts na declaração. Embora não tenha mencionado Trump nominalmente, a mensagem foi clara.

Não temos nenhuma pesquisa sistemática que meça o sentimento da classe jurídica, especialmente dos juízes, em relação aos ataques do presidente ao Judiciário, mas a contínua campanha de pressão de Trump tem o potencial de ter um efeito contraproducente em futuras decisões judiciais. Embora advogados e juízes tenham uma variedade de pontos de vista políticos, da extrema direita à esquerda progressista, parece haver um sentimento crescente entre os profissionais do direito mais conservadores de que Trump está indo longe demais na violação do Estado de Direito.

Isso ficou imediatamente evidente no primeiro dia de Trump na Casa Branca. Entre as 26 ordens executivas, havia um decreto que reinterpretava radicalmente a Constituição, determinando que pessoas nascidas nos Estados Unidos de pais não cidadãos não têm o direito automático à cidadania. Três casos diferentes contestam a reivindicação legal do governo.

Trump também está tentando acelerar os processos de deportação para poder alegar ter alcançado sua meta de expulsar um milhão de trabalhadores indocumentados do país este ano. Para evitar a necessidade de cumprir os procedimentos legais do devido processo legal, o governo se baseou na Lei de Sedição de Estrangeiros de 1798, que permite a deportação de estrangeiros em tempos de guerra, alegando que os imigrantes venezuelanos são membros da gangue Tren de Aragua, que “invadiu os Estados Unidos” e, portanto, podem ser deportados sem os procedimentos do devido processo legal. Vários juízes federais decidiram que a deportação de venezuelanos e outros para El Salvador viola seus direitos ao devido processo legal, e os casos serão levados à Suprema Corte esta semana para decidir se os juízes podem emitir ordens de restrição que abranjam todos os casos relacionados em nível nacional.

Eventualmente, o tribunal também decidirá sobre a aplicabilidade do uso da lei sem uma declaração explícita de guerra contra a Venezuela.

Um caso paralelo envolve Kilmar Abrego Garcia, que tem status legal nos Estados Unidos, mas foi preso e enviado para El Salvador devido a um “erro administrativo” do governo. A Suprema Corte ordenou que o governo Trump facilite seu retorno aos Estados Unidos, embora a Casa Branca tenha indicado que não pretende implementar a ordem judicial, provocando uma crescente crise constitucional.

A prisão e a deportação de vários estudantes internacionais envolvidos em protestos contra o apoio dos EUA a Israel na guerra contra o Hamas também foram bloqueadas, pelo menos temporariamente, com juízes decidindo em vários casos que os detidos devem ser mantidos perto de onde eles moram enquanto aguardam as audiências sobre sua deportação.

Outro componente do uso do poder presidencial por Trump para dissuadir as decisões judiciais contra ele tem sido a intimidação de escritórios de advocacia que defenderam clientes na lista de retaliação de Trump. O presidente decretou que os sócios desses escritórios não entrem em prédios federais ou tenham acesso a informações confidenciais de segurança nacional, levando alguns grandes escritórios de advocacia a fechar um acordo oferecendo a Trump milhões de dólares em serviços jurídicos gratuitos para defender as causas do presidente. Quatro escritórios de advocacia que se recusaram a aceitar essa extorsão ganharam seus casos na Justiça.

Além disso, os esforços de Trump e Elon Musk para desmantelar os programas e serviços governamentais encontraram resistência significativa em dezenas de ações judiciais contra a suspensão do financiamento federal, o fechamento de programas e o acesso a dados de computadores em órgãos governamentais.

Ainda não se sabe como a Suprema Corte decidirá sobre essas questões. Depositar esperanças em pelo menos dois juízes conservadores votando junto com os três membros liberais da corte é, na melhor das hipóteses, arriscado. No entanto, com três anos e meio restantes em seu governo, essas ações legais combinadas com mobilizações em todo o país e a resistência pública dos democratas são os esforços mais viáveis para conter o ataque de Trump ao Estado de Direito neste momento.

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