Não só era inevitável, como também previsível. Duas prima donas de proporções históricas, Donald Trump e Elon Musk, simplesmente não podiam ocupar o mesmo palco por muito tempo. Resta saber se isso significaria algum problema político significativo para o presidente dos Estados Unidos (EUA).
Bromance é um termo cunhado em 2005 nos EUA para se referir a dois homens heterossexuais que desenvolveram um relacionamento profundo e íntimo, sem cunho sexual. É uma forma de reconhecer e sancionar o vínculo masculino, deixando claro que o desejo não tem nada a ver com a amizade. Desde que Musk entrou na corrida presidencial de 2024 para apoiar Trump, após uma tentativa de assassinato contra o candidato republicano, observadores previram que seu novo vínculo, ou bromance, não duraria muito. E como o cantor Neil Sedaka nos lembra em sua canção clássica de 1962: “Breaking Up is Hard to Do”, ou seja, “terminar é difícil”.
Alguns casais se separam silenciosamente, sem ira ou recriminações. Outros querem que o mundo saiba que se sentem enganados, usados ou desvalorizados. Acusações e contra-acusações são inevitavelmente parte da culpabilização do outro pelo término do relacionamento. Cada um espera que seus amigos e conhecidos tomem partido, apontando o antigo bro (irmão) como o vilão e o abandonado, como a vítima.
Trump está acostumado a jogar seus antigos aliados “debaixo do ônibus”, como diz a expressão inglesa, ou seja, abandonar e até mesmo denunciar apoiadores que ele considera que o traíram. No entanto, uma de suas primeiras respostas às críticas de Musk ao seu Big, Beautiful Bill (a autorização orçamentária anual) foi um comentário brando e atípico, de que as críticas de seu ex-companheiro eram “surpreendentes e uma decepção”.
No entanto, quase imediatamente, a estrela de reality show de segunda categoria voltou ao normal, partindo para a ofensiva. Ele insistiu que Musk estava ciente do conteúdo do projeto de lei e havia endossado a legislação em sua apresentação de despedida na Casa Branca, dez dias antes. O dono da rede social X respondeu que o projeto de lei havia sido elaborado na calada da noite, sem seu conhecimento sobre o conteúdo. Ele o rotulou de “abominação repugnante” e pediu aos republicanos que votassem contra a legislação, que poderia causar um aumento de vários trilhões de dólares no déficit federal.
Com isso, a briga de gatos começou. A reação imediata dos democratas e de outros opositores ao atual governo foi simplesmente se acomodar em um sofá confortável com um grande balde de pipoca na mão para aproveitar a briga.
Trump insistiu que Musk havia rompido com ele, porque o projeto de lei eliminava os incentivos fiscais de 7,5 mil dólares para os consumidores que comprassem carros elétricos – leia Tesla aqui.
Musk respondeu que não se importava com os subsídios governamentais para suas empresas de manufatura, embora a Tesla pudesse perder 1,5 bilhão de dólares anualmente com as ameaças de cortes de Trump. Mas os negociadores da bolsa de valores não pareciam concordar com a indiferença de Musk. O valor da Tesla caiu 14%, sinalizando uma perda de 150 bilhões de dólares no mercado.
À medida que a disputa prosseguia, a Truth Social, plataforma de mídia social de Trump, também perdeu 8% do valor. Os valores das ações despencaram e as críticas aumentaram. Trump ameaçou cortar vários bilhões de dólares em outros contratos do governo federal com as empresas de Musk, incluindo o programa de naves espaciais tripuladas da SpaceX. Como na maioria dos decretos presidenciais e declarações públicas de Trump, em sua disputa com Musk ele insistiu em afirmar poderes constitucionais que simplesmente não possui.
Musk reagiu com a promessa de cancelar o programa Dragon SpaceX, que envia suprimentos para quatro astronautas atualmente no espaço e é o único meio deles retornarem à Terra, embora tenha retirado a ameaça em 24 horas. Só se pode imaginar o quão ruim teria sido para Musk se o mundo tivesse testemunhado o drama de quatro exploradores espaciais ficando sem comida e água e morrendo, enquanto Musk permanecia indiferente à situação deles devido a suas divergências com o presidente.
À medida que a disputa se intensificava, Trump pediu aos republicanos que “matassem o projeto de lei”, ameaçando interromper a legislação mais importante (e única) do presidente até o momento, que continuará a garantir cortes de impostos para os ricos e uma redução significativa dos serviços sociais e programas de saúde para os pobres. Musk então pediu o impeachment do presidente e concluiu seu discurso inferindo que Trump poderia estar envolvido nos escândalos sexuais envolvendo o financista Jeffrey Epstein, que se suicidou na prisão enquanto aguardava julgamento por acusações de tráfico sexual.
No dia seguinte, forças de ambos os lados tentaram amenizar a batalha verbal, mas nenhuma das partes é conhecida por disciplina e consistência. Trump afirma não estar interessado em fazer as pazes, e Musk parece preso em suas críticas ao presidente. Até agora, todos os republicanos, exceto um, apoiaram Trump nessa batalha com Musk, embora cerca de uma dúzia de legisladores conservadores que se opõem ao tamanho do orçamento concordem com ele que a legislação proposta por Trump aumentaria significativamente a dívida nacional. Embora esses conservadores fiscais pudessem, teoricamente, votar contra o projeto de lei final e derrubá-lo, Trump tem tido bastante sucesso até agora em disciplinar seu partido.
Então, o que tudo isso significa?
Primeiro, Trump se livrou de uma responsabilidade política. Musk, que mantinha relações estreitas com o governo Obama por apoiar seus esforços para estabelecer uma indústria viável de carros elétricos nos Estados Unidos, abandonou os democratas quando parecia que Trump poderia vencer a disputa. Investir 300 milhões de dólares na corrida presidencial de 2024 foi uma forma de o homem mais rico do mundo construir uma aliança política com um candidato que se tornaria o homem mais poderoso do planeta. Ao criar o Departamento de Eficiência Governamental, Trump enviou Musk em uma missão para cortar 2 trilhões de dólares de programas governamentais, o que na prática significou o desmantelamento de agências importantes e a demissão de centenas de milhares de funcionários públicos.
Em segundo lugar, a forma arbitrária e desleixada com que Musk executou seu mandato provocou uma enorme reação negativa, com sua taxa de aprovação caindo para 45% e metade dos entrevistados avaliando Musk negativamente. Tendo feito o trabalho sujo de Trump, o presidente agora transformou Musk em seu próximo bode expiatório. Embora alguns analistas tenham previsto que a disputa entre os dois poderia provocar uma divisão maior na coalizão governamental, até agora parece que os apoiadores de Trump não estão se mexendo.
Mas, como Musk demonstrou, ele tem recursos financeiros. Ele afirma estar disposto a desembolsar milhões de dólares para apoiar candidatos que se opõem à agenda legislativa de Trump. De fato, ele doou 100 milhões de dólares para apoiar a eleição fracassada de um republicano para a Suprema Corte de Wisconsin em abril de 2025, embora tenha perdido por 10 pontos para um democrata liberal, inclinando a maioria para a esquerda naquele órgão judicial.
Ainda não está claro se Musk realmente financiará os republicanos que se opuseram ao governo de Trump nas eleições para o Congresso de 2026, quando todos os membros da Câmara dos Representantes e um terço do Senado estiverem concorrendo à reeleição.
Se as guerras tarifárias de Trump causarem um aumento na inflação, o que a maioria dos economistas concorda ser altamente possível no próximo semestre, o presidente pode não ser capaz de apontar o dedo para outros culpados por uma desaceleração da economia sob sua gestão. No entanto, Musk não tem mais valor para Trump e, portanto, agora pode ser jogado na lata de lixo da história política por seu ex-bro.