Setembro de 2024: um turista da França é resgatado de helicóptero após ser encontrado com traumatismo craniano. Dezembro do mesmo ano: outro turista resgatado por helicóptero, desta vez, com suspeita de fratura na bacia. Janeiro, março e maio de 2025: mais três turistas resgatados, dois deles também com suspeitas de fraturas. Esse histórico de acidentes recentes aconteceu aqui no Brasil, no Parque Nacional da Chapada Diamantina, na Bahia. Segundo a Agência Pública apurou, agências de turismo estariam submetendo guias e turistas a situações de risco em trilhas de aventura. Jornadas extenuantes e poucos guias estariam relacionados a essa série de acidentes graves.
Segundo a denúncia, para maximizar lucro, empresas de turismo estariam escalando dois guias para conduzir grupos de até 30 pessoas em diversas trilhas na região. Alguns destes traslados duram até cinco dias, com os guias carregando bagagens e se revezando para cozinhar para todo o grupo — em certos momentos, um só profissional fica responsável por todos os participantes nos trajetos.
O caso mais recente aconteceu mês passado, quando uma turista foi socorrida por moradores que a transportaram em uma mula por 16 km de viagem até a cidade mais próxima, Andaraí. A turista, que fraturou o pé em uma trilha para uma cachoeira, não pode ser resgatada pelo Corpo de Bombeiros de helicóptero devido às condições climáticas. Após uma espera de 72 horas, moradores do Vale do Pati decidiram colocar a vítima em uma mula, que seguiu com supervisão dos bombeiros. A empresa responsável pelo passeio, a Chapada Backpackers, esteve envolvida em pelo menos outros três resgates, estes feitos por helicópteros.

Procurada pela reportagem, a Chapada Backpackers não retornou até o momento da publicação. O espaço segue aberto para manifestações.
Por que isso importa?
- Agências de turismo estariam promovendo passeios que submetem turistas e guias de trilha de aventura à risco dos acidentes em um dos destinos mais populares do Brasil;
- Existe um sistema legal e técnico que estabelece regras de segurança para o parque, mas que não é fiscalizado.

Falta de fiscalização no mercado de trilhas de aventura no Brasil
Condutores de trilhas são a ponta de um mercado com fraca regulamentação. Termos de 2021 da Associação Brasileira de Normas Técnicas estabelecem que é necessário o controle de proporção entre líderes e participantes em excursões de aventura. A responsabilidade desta fiscalização estaria nas mãos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), após a publicação da Portaria nº 3.299, em outubro de 2024.
No entanto, a fiscalização não é realizada nem pela gestão do Parque Nacional, nem pelo ICMBio, segundo uma denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) e fontes ouvidas pela Pública.
Em outubro de 2024, o ranking US News & World Report elegeu o Brasil como o principal país para turismo de aventura, o que colocou a Chapada Diamantina na rota de trilheiros internacionais. Porém, em um sistema informal e sobrecarregado, turistas se tornam mais propensos a acidentes nas trilhas.
O resgate no coração do Parque Nacional é dividido entre o Corpo de Bombeiros e os “patizeiros”, termo informal para os habitantes do parque — e raramente é simples. As trilhas variam entre 400 e 1,6 mil metros de altitude, entre cavernas, cachoeiras e mirantes. O resgate é feito por helicóptero, e depende de condições meteorológicas e do terreno.
Procurado pela reportagem sobre as despesas com resgates ou se há algum controle ou investigação a respeito dos registros de acidentes, o Corpo de Bombeiros Militar da Bahia não se manifestou até o momento da publicação.
Já o ICMBio do Parque Nacional da Chapada Diamantina não se manifestou até o momento da publicação. Atualmente, o ICMBio está com um processo seletivo para cinco vagas de agente temporário ambiental. Estes terão que monitorar 152 mil hectares de terras no Parque Municipal da Chapada Diamantina, distribuídas entre os municípios de Andaraí, Ibicoara, Itaetê, Lençóis, Mucugê e Palmeiras, no centro do estado da Bahia.
Na prática, a quantidade de guias por trilhas na Chapada Diamantina é definida inteiramente pelas agências de turismo locais — que passaram a aproveitar a alta demanda recente para conduzir grupos de até 30 pessoas com apenas dois condutores, segundo um guia ouvido pela Pública sob condições de anonimato. Ele afirma que as empresas aproveitam a estrutura das casas dos patizeiros, adaptadas para receber turistas, colocando-os para cozinhar e carregar a comida para todos, ao invés de comprar no local. Desta forma, cobram valores de R$ 1 mil a 1,5 mil para trilhas que normalmente custam de R$ 2,5 mil a 3 mil.

Guias temem denunciar precariedade do serviço
Rafael Lage, condutor de trilhas há 15 anos e autor da denúncia ao MPF, considera ideal a proporção de um guia para cada quatro pessoas, embora não exista nenhum controle nem reforço na proporção entre condutores e turistas. Funcionários insatisfeitos com as condições acabam cerceados pelo silêncio.
“Caso um guia questione práticas inseguras, ele pode ser retaliado e excluído das escalas de trabalho”, afirma em sua denúncia, que pede a regulação no número de condutores.
Após a denúncia, o próprio Lage passou a se tornar alvo destas perseguições. Em uma trilha no Poço da Cachoeira da Fumaça, no dia 20, foi atacado por outro guia, da agência de turismo Chapada Backpackers. Segundo o boletim de ocorrência prestado na Delegacia de Polícia de Palmeiras, Bahia, o guia atacou Lage pelas costas com uma pedra de tamanho considerável, tentando acertar sua cabeça. Escapou por pouco.

“Perguntei o motivo da agressão, ao que ele respondeu apenas: ‘Você sabe o porquê’. E repetiu algumas vezes essa frase. Seguiu me ameaçando, dizendo que ‘vai me pegar’ e que tem diversas outras pessoas em Lençóis que também querem ‘me pegar’,” diz no boletim de ocorrência.
Para Lage, a falta de fiscalização por parte das entidades públicas diminui a segurança do parque, visto que há um vazio informacional tanto sobre acidentes quanto sobre condutas impróprias de outros guias, como agressões ou tentativas de assédio.
“Eles criam um histórico desses acidentes? Tem investigação pra saber se foi acidente comum ou se foi acidente culposo causado por imprudência?”, pontua.