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E se houvesse um fundo para compensar quem deixa o petróleo debaixo da terra?

Pesquisadores brasileiros propõem Fundo de Royalties Verdes de US$ 20 bi para compensar Estados e cidades a não explorar

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18 de abril de 2025
06:00

Um dos principais argumentos dos defensores da exploração de petróleo na Foz do Amazonas é que o recurso traria desenvolvimento para os Estados (Amapá e Pará) e municípios do entorno com os tão desejados royalties do petróleo.

É o sonho de ver fluir uma quantidade enorme de dinheiro – a exemplo do que ocorreu no Rio e em São Paulo com os ganhos do pré-sal –, que supostamente vai ser voltado para melhorar os indicadores locais, como de educação, saúde e emprego. Supostamente, porque essa relação não é tão evidente assim.

Na real, não faltam casos de situações opostas, em que o enriquecimento da cidade não trouxe nada disso. Nossos colegas do InfoAmazônia têm publicado uma série chamada “Até a Última Gota” com reportagens muito interessantes que mostram os impactos negativos onde petróleo já é explorado no bioma amazônico. A mais recente fala da cidade de Mazán, na amazônia peruana, que ainda não viu desenvolvimento, apesar de receber royalties.

O UOL também trouxe, no fim do ano passado, uma bela investigação sobre as cidades de Coari e Silves, no meio do estado do Amazonas, descritas como a “Dubai amazônica” que “não vê progresso nem riqueza após décadas de exploração de poços de petróleo e gás”.

Mas e se houvesse uma forma de garantir um recurso mais estável para esses locais de modo que eles não precisassem recorrer aos combustíveis fósseis? É o que propõe um grupo de pesquisadores brasileiros em um artigo recém-publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation. Eles defendem a criação de um Fundo de Royalties Verdes, de cerca de US$ 20 bilhões, para compensar Estados e municípios pela não exploração de petróleo na Margem Equatorial.

A região costeira ao norte do Brasil, que inclui a Foz do Amazonas, é a nova fronteira para exploração do petróleo. Por enquanto está em jogo se o Ibama vai autorizar a perfuração no bloco 59, mas se isso ocorrer, deve abrir a porteira para uma exploração muito mais intensa. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) vai realizar um leilão em junho com a oferta de outros 47 blocos na região. Se o 59 for liberado, é de se imaginar que esses outros também poderão ser.

Os pesquisadores do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), do Museu do Amanhã, da PUC-Rio e da UFRJ propuseram o valor do fundo considerando mais ou menos quanto Estados e municípios receberiam se houvesse uma produção de 10 bilhões de barris de petróleo ao longo de 27 anos de exploração na Margem Equatorial, levando em conta o preço de US$ 67 por barril – média das projeções de 2030 a 2050.

Por esse cálculo, os lucros ficariam em pouco menos de US$ 25 bilhões por ano. Hoje a distribuição de royalties costuma ser de 15% sobre esse montante, ou seja, US$ 3,7 bilhões por ano em royalties, divididos em US$ 2,2 bilhões para Estados e municípios e US$ 1,5 bilhão para o governo federal.

A proposta dos pesquisadores é que um Fundo de Royalties Verdes com aporte inicial de US$ 19,9 bilhões seria o suficiente para compensar os estados e municípios diretamente afetados pela não exploração de petróleo na Margem Equatorial, recebendo US$ 2,2 bilhões por ano por tempo indeterminado. A ideia é que os rendimentos anuais do fundo, com base na taxa Selic a 11,25%, seriam o suficiente para fazer a remuneração.

Pela argumentação dos autores, o governo federal teria de abrir mão da sua parte. “É uma postura esperada, se o Estado brasileiro entende que a exploração de petróleo vai na contramão de suas próprias responsabilidades com a população em termos de clima, habitabilidade e condições para produção agropecuária”, afirmou Álvaro Batista, pesquisador do Ipam e um dos autores do estudo, em nota divulgada à imprensa.

Sem essa abnegação do governo federal, o fundo precisaria chegar a US$ 33,1 bilhões.

O grupo sugere que o Tesouro Nacional poderia contribuir com um capital semente para estruturar o Fundo de Royalties Verdes, convidando outros países e a iniciativa privada para colaborarem. Um modelo parecido com o que se propõe, por exemplo, com a remuneração por desmatamento evitado, como ocorre com o Fundo Amazônia.

“A discussão sobre o petróleo na Margem Equatorial ainda é muito dicotômica: ou ‘eu sou a favor’, ou ‘eu sou contra’. É preciso superar a dicotomia e aprofundar o debate. Por isso, queremos colocar um elemento a mais na conversa, de forma que Estados e municípios da Amazônia se beneficiem sem a exploração de petróleo, sem os riscos associados e sem o aumento das emissões de carbono, inerentes à atividade”, defende André Guimarães, diretor executivo do Ipam e autor principal do artigo, também em nota à imprensa.

A proposta também prevê que os royalties verdes seriam até mais estáveis e duradouros que os do petróleo, visto que esses acabam quando se esgota a produção e flutuam de acordo com o valor internacional do barril.

“No mundo atual, onde a busca é reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, a tendência é que o preço do petróleo e seus derivados caia a médio e longo prazo, na medida que alternativas se viabilizem”, complementa Guimarães.

“A proposta dos royalties verdes está alinhada com essa realidade, pois prevê o fornecimento de recursos a estados e municípios de maneira estável e permanente ao longo do tempo. Além disso, não haveria riscos de vazamento ou acidentes, o que traria danos muitas vezes irremediáveis para tais regiões amazônicas”, diz.

A ideia é bacana. E é ótimo que se pense em alternativas ao petróleo. Mas é difícil imaginar, no contexto atual, que isso apaziguaria todos os interesses em jogo. O fundo talvez até resolvesse a demanda de estados e municípios – hoje origem das maiores pressões políticas que o governo vem sofrendo para liberar a exploração, encabeçadas pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ansioso para ver petróleo jorrando no seu Amapá.

Mas e o interesse das petroleiras? E quem acredita que o governo federal estaria mesmo disposto a abrir mão da sua parte? Tenho minhas dúvidas. Fora a “lenga-lenga” (não do Ibama, como disse o presidente Lula, mas do setor energético) de que sem esse recurso não será possível fazer a transição energética.

Guimarães foi otimista: “O sinal que o Brasil poderia enviar ao mundo é: ‘nós vamos abrir mão de explorar petróleo porque entendemos que faz mal à saúde do planeta, portanto, à nossa saúde. Mas não vamos prejudicar os estados e municípios. Vamos beneficiá-los com outra forma de financiamento, que seriam os royalties verdes, evitando o dano climático que certamente seria causado pelas emissões de carbono fóssil na atmosfera’. Com isso, o recurso poderia ser investido em mais conservação, restauração, na transição energética, bem como em atividades sustentáveis, com ganhos para o clima do planeta”.

Não sou religiosa, não, mas, como é Semana Santa: oremos!

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