“Ai que bom seria se comunista entendesse economia”, gritaram os estudantes que compõem a União Juventude e Liberdade (UJL) após participarem do 38º Fórum da Liberdade, conferência sobre política e economia. Adesivos e a bandeira da entidade, exibidos orgulhosamente durante os dois dias de evento, somavam-se aos elementos que caracterizavam o grupo como parte de um movimento estudantil.
Apesar de reproduzir a imagem tradicional de uma juventude política, a UJL tem mais diferenças que semelhanças com as correntes contra as quais compete. Criado em julho de 2020, o grupo tem as defesas da liberdade individual, da propriedade privada e do livre mercado como pautas prioritárias e advoga pelas cotas sociais em substituição às raciais – diz que o atual sistema favorece “pessoas de alta renda e historicamente privilegiadas”, sem explicar como. Além disso, esses estudantes são favoráveis à gestão privada das universidades públicas.
Por que isso importa?
- Integrantes do UJL buscam espaço na UNE como parte do plano de ampliar representação política de jovens, apostando em pautas “neutras” para se projetarem e já colhem frutos fora do ambiente estudantil, com vitórias nas eleições municipais.
As posições não ressoam bem nas forças que hoje comandam a União Nacional dos Estudantes (UNE), órgão máximo de representação dos universitários brasileiros, apontou a atual secretária geral da instituição, Julia Köpf. “O discurso que eles pregam não é o discurso da realidade do estudante brasileiro. É um grupo muito elitizado, que tem outras prioridades”, afirmou Köpf, militante da juventude do Partido dos Trabalhadores (PT).
Autointitulados “maior organização de juventude de direita da América Latina”, os estudantes da UJL querem disputar cargos na UNE justamente por não se verem representados. “Nós reconhecemos a legitimidade da UNE, reconhecemos que ela é a entidade máxima dos estudantes e os estudantes merecem ser representados por inteiro”, explica a diretora nacional de comunicação da UJL, Sara Almeida, que preside o grupo no Ceará. “Somos um outro jeito de ver a UNE”, resumiu o pernambucano Rafael Nunes, líder nacional universitário da UJL.
Interessados em participar do grupo precisam ter até 29 anos e preencher um formulário com perguntas como definição ideológica e de que outros movimentos participam. “Para não haver infiltrados”, explica Gabriel Franco, secundarista e diretor financeiro da UJL no Rio Grande do Sul.

De acordo com o conselheiro e fundador da UJL, João Ferreira, o financiamento para manutenção da organização vem de “vaquinhas”, doações de pessoas físicas e de organizações nacionais e internacionais – entre elas a Students For Liberty (SFL) e a Atlas Network. Ele afirma que a entidade não recebe dinheiro público ou partidário. O estatuto da UJL, no entanto, permite o recebimento desses tipos de verba.
Segundo Ferreira, a UJL tem focado em se internacionalizar e dialogado com institutos liberais, como o Cato Institute, um laboratório de ideias [think thank] libertarista norte-americano, e o Objective Standard Institute (OSI), cujo foco é promover “educação em filosofia” e “promover a liberdade”. “A gente manda alguns membros para aprender e seguir no ativismo”, explicou. Também por isso, o grupo está em transição para um novo nome: Juventude Livre. “O ‘união’, quando você tenta explicar lá [no exterior], passa muito uma impressão de sindicato [union, em inglês]”, justificou.

Antes de ocupar, criticar
Os jovens liberais da UJL dizem que a UNE não tem transparência nas contas, promove “doutrinação ideológica”, sufoca opiniões da direita e tem integrantes “agressivos” – o furto de uma bandeira Gadsden durante o último Conune, congresso da instituição, é usado como exemplo nesse cenário. A bandeira é um símbolo libertário, movimento que busca minimizar ou eliminar a interferência do Estado nas dinâmicas sociais.
Köpf defende que a UNE seria um espaço democrático: “É uma entidade que é de fato aberta à participação dos estudantes e eles participam”. A secretária-geral citou como exemplo o fato da UJL, mesmo com poucos delegados, ter tido espaço para expor suas teses no último congresso, em 2023. Admitiu que o grupo foi vaiado durante o pronunciamento na ocasião, mas ressalta: “eles também não foram santos.”
Vice-presidente nacional da UJL, a gaúcha Gabriele Benini explica que o foco da UJL é eleger 70 delegados, ou seja, 70 estudantes aptos a votarem nas eleições do Conune, em julho. Os delegados são eleitos pelo corpo estudantil de cada universidade. Benini não expôs quantos delegados o grupo levou para o último congresso: “não tenho certeza”.
Ainda que consigam atingir a meta, o “alto escalão” da UNE segue fora de cogitação. A atual presidente, Manuella Mirella, da União da Juventude Socialista (UJS), ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), foi eleita em 2023 com 4.593 votos, 74,27% do total. A chapa com menor votação que conquistou uma cadeira na diretoria executiva teve mais de 300 votos. Sem delegados suficientes para brigar por um dos 17 cargos mais altos, o objetivo é conquistar uma das 68 diretorias gerais, que garantiriam a participação da UJL em discussões internas da UNE.

Múltiplas ideologias e um grande desafio
Um dos desafios da UJL é manter a unidade. O movimento acolhe liberais, sociais liberais, libertários, progressistas, conservadores, e membros de diversos partidos da direita, como Novo, PSDB, PL e Podemos. Assim, várias correntes são mantidas oficialmente – e nem sempre estão na mesma página.
“A gente fomenta muito a diversidade ideológica interna”, explica João Ferreira. Guilherme Esparza, do interior de São Paulo, por exemplo, se define como “liberal por completo”, o que inclui pautas econômicas e de costumes; já Sarah Cristina, do Amazonas, se diz liberal e “bem conservadora”.
Fundar uma corrente na UJL é facil: é necessário apenas que 10 membros assinem o pedido e indiquem o nome do subgrupo, cabendo à diretoria executiva “garantir a estabilidade” do movimento, prevê o estatuto.
Até mesmo a decisão de quais postagens fazer nas redes sociais é alvo de disputa. “Enquanto no Rio Grande do Norte a gente tem uma juventude mais conservadora, em Pernambuco a gente tem uma juventude bem mais progressista. Então, ter essa comunicação e fazer com que as redes sociais da nacional conversem com todas essas ideologias é bem desafiador”, explicou Sarah Almeida. A diretora de comunicação destaca, entretanto, que nunca houve “briga generalizada”.
Como estratégia para conquistar os estudantes, o grupo investe em pautas “neutras”, afirmou Franco. “A gente não chega lá dizendo ‘nós somos liberais e nós queremos privatizações’, porque isso chega de forma muito oposta às ideias que estão lá, então a gente quer chegar com uma ideia mais de atendimento ao estudante, de menos politização”, pontuou.

Política partidária além dos limites da universidade
Ainda que o foco seja disputar o movimento estudantil, a UJL não restringe sua atuação às escolas e universidades. O grupo se mobiliza para participar de sessões em assembleias legislativas mesmo onde não elegeu representantes. Em dezembro de 2023, os integrantes defenderam os intervalos bíblicos em Pernambuco, que consistiam em reuniões de estudantes no ambiente escolar para orar e cantar louvores. A prática foi questionada pelo ministério público estadual por ocorrer sem supervisão de funcionários da escola e sem a participação de outras crenças, como mostrou a Agência Pública.
Os estudantes também estiveram presentes na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) quando a Frente Parlamentar pela Educação Livre foi lançada. No evento, o diretor político da UJL e presidente da juventude do Novo no DF, João Pedro Porto, defendeu o ensino do empreendedorismo nas escolas.
Nas eleições municipais de 2024, seis candidatos ligados ao movimento se elegeram vereadores em municípios como Curitiba, São João Del Rei (MG) e Feliz (RS). “Foi uma marca muito incrível na última eleição”, avaliou Pedro Ávila, secundarista e líder estadual da UJL no Rio Grande do Sul.
O grupo celebrou a eleição de seus integrantes, mas afirma que, enquanto entidade, não faz campanha por nenhum candidato ou partido. “Apenas temos membros que se candidatam e que possuem nosso apoio”, afirmou Benini.
A UJL é um movimento suprapartidário e tem entre seus membros militantes de vários partidos políticos da direita. Benini, por exemplo, além de vice-presidente do movimento, é assessora do deputado estadual Felipe Camozzato (Novo-RS). Quando questionados sobre parlamentares aliados, os estudantes citaram nomes como Nikolas Ferreira (PL-MG) e Marcel Van Hattem (Novo-RS), ambos bolsonaristas.