Buscar
Nota

Ministro do Trabalho assume processo e JBS pode escapar de lista suja do trabalho escravo

18 de setembro de 2025
19:22

O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), avocou para si um processo administrativo contra a Seara/JBS Aves, do grupo JBS, que foi autuada em maio por trabalho análogo à escravidão no Rio Grande do Sul. Avocar para si é o termo técnico para o instrumento que permite ao ministro rever, atenuar ou até anular a penalidade. A empresa estava prestes a entrar na lista suja do trabalho escravo, que deve ser atualizada em outubro deste ano.

Em dezembro de 2024, 10 trabalhadores foram resgatados em Passo Fundo. Segundo os auditores fiscais que fizeram o flagrante, eles trabalhavam até 16 horas por dia, se alimentavam de frangos considerados fora do padrão pela JBS e trabalhavam para pagar dívidas com transporte e alimentação. Eles haviam sido contratados pela MRJ Prestadora de Serviços, uma terceirizada. Em abril deste ano, a unidade da JBS foi classificada como “a principal responsável” pelas infrações.

A empresa recorreu da autuação, mas os recursos foram negados. Na sequência, ocorreu o pedido de avocação ao ministro, que pode reavaliar decisões tomadas por instâncias inferiores. A prática é considerada incomum. Um técnico do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com anos de experiência disse à Agência Pública que nunca viu algo parecido.

Luiz Marinho pediu um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) junto ao MTE, que concluiu pela legalidade da avocação. O procurador Ricardo Panquestor Nogueira a considerou “adequada e recomendável” dada “a gravidade excepcional do caso, a relevância econômica da empresa envolvida e o interesse público na uniformização da interpretação legal em matéria de tão significativo impacto nacional”.

De acordo com o ofício, de 9 de setembro, a inclusão da JBS na lista suja do trabalho escravo “possui repercussão econômica e jurídica de ampla magnitude, com reflexos diretos na esfera patrimonial da empresa, em suas relações comerciais, na imagem perante o mercado e, em última análise, pode gerar significativo impacto no próprio setor econômico em nível nacional, inclusive com possíveis desdobramentos internacionais.”

A Associação Gaúcha dos Auditores Fiscais do Trabalho manifestou “profunda estranheza e preocupação” com a avocação, em nota divulgada em 18 de setembro. Os auditores afirmam que a fiscalização do caso foi rigorosa, fundamentada e documentada, com direito ao contraditório e ampla defesa. Para a entidade, a atitude do ministro fere princípios constitucionais da legalidade e impessoalidade e pode ser vista como abuso de poder, além de contrariar normas que garantem a independência dos auditores fiscais.

No mesmo dia, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) pediu uma reunião emergencial com a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, para tratar do caso da JBS no Ministério do Trabalho. A carta também foi obtida pela Pública.

“Por meio da avocação, cria-se um inédito caminho de contorno das normas estabelecidas, com a clara finalidade, em benefício do infrator flagrado com trabalho escravo, de escapar da Lista Suja, esvaziando por completo este exemplar instrumento de transparência”, diz a carta, assinada por Xavier Plassat e Evandro Rodrigues, da CPT.

“Se levada a execução, trata-se de gravíssima interferência da autoridade política em processo administrativo, em absoluto descompasso com toda a lógica da política pública, minando seus fundamentos de lisura e objetividade. Evitar a Lista Suja, doravante, não exigirá do administrado nenhum engajamento, nem com o trabalho decente, nem com a reparação das vítimas, nem com qualquer mudança na condução dos negócios”, continua o texto.

Procurada, a JBS disse que a Seara “suspendeu imediatamente o prestador de serviços em Passo Fundo, encerrou o contrato e bloqueou esta empresa assim que tomou conhecimento das denúncias. A Companhia tem tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos”, informa.

“A Seara verificou in loco as condições de trabalho, constatando o regular cumprimento da legislação em vigor. Todos os fornecedores estão submetidos ao nosso Código de Conduta de Parceiros e à nossa Política Global de Direitos Humanos, que veda explicitamente qualquer prática de trabalho como as descritas na denúncia”, continua a nota da empresa.

A reportagem procurou o Ministério do Trabalho, que não respondeu até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestação.

Edição:

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Vale a pena ouvir

EP 1 Por uma ruptura civilizacional | Esquenta pra COP30

Para conter o aquecimento global é preciso abandonar fósseis. Mas muitos interesses vão na direção oposta

0:00

Notas mais recentes

Ministro do Trabalho assume processo e JBS pode escapar de lista suja do trabalho escravo


Mudar nome da PEC da Blindagem é escárnio, diz coordenador do Prerrogativas


De família Bolsonaro a gabinete do ódio: os investigados no novo inquérito da CPI da Covid


Votos da base aliada de Lula garantiram aprovação da PEC da Blindagem na Câmara


Oposição tenta pautar anistia após condenação de Bolsonaro e STF julga perdão do Carandiru


Leia de graça, retribua com uma doação

Na Pública, somos livres para investigar e denunciar o que outros não ousam, porque não somos bancados por anunciantes ou acionistas ricos.

É por isso que seu apoio é essencial. Com ele, podemos continuar enfrentando poderosos e defendendo os direitos humanos. Escolha como contribuir e seja parte dessa mudança.

Junte-se agora a essa luta!

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes