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Bets: Entre 1,8 e 3 milhões apostaram Bolsa Família, e não têm previsão de reaver dinheiro

7 de junho de 2025
08:00

As apostas online se espalharam pelo Brasil como uma epidemia. Por isso, lançamos uma campanha para investigar a fundo o império das bets no país. Apoie essa cobertura!

Os beneficiários do Bolsa Família que perderam dinheiro em bets terão que esperar um pouco mais de tempo para nutrir a esperança de reaver os recursos. A ação civil protocolada na 13ª Vara Cível Federal de São Paulo que pede a devolução dos valores arrecadados por empresas de apostas online ainda está em análise preliminar, após ser protocolada em 22 de maio deste ano.

Segundo o advogado da Educafro e Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca), organizações que iniciaram a ação, Márlon Reis, o processo aguarda despacho dos pedidos de tutela de urgência. Após a decisão, será determinada a abertura oficial pelo juiz federal Marcelo Guerra Martins. Não há previsão de quando uma decisão poderia ser tomada e executada, mesmo em caso de exigência da Justiça para que as empresas façam a devolução dos recursos.

O mercado de apostas online como um todo movimenta até R$ 30 bilhões mensais em 2025, segundo o Banco Central (BC). Se a média for mantida, até o Ano Novo, serão R$ 360 bilhões gastos em bets – para se ter uma ideia, esse valor é maior que o previsto em investimentos do programa Nova Indústria para fomentar o setor nacional durante os quatro anos do governo Lula 3.

Os recursos oriundos do Bolsa Família desperdiçados em bets, conforme o BC, chegou a R$ 3 bilhões em agosto do ano passado. A informação motivou uma investigação da Polícia Federal, ainda não concluída, solicitada pelo próprio Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que acredita que fraudes possam estar sendo cometidas em nome de parte dos beneficiários. A pasta aponta que 1,8 milhão de assistidos usaram o cartão do programa em casas de apostas.

“É um dinheiro público que, por malandragem e falta de caráter desta quadrilha organizada, foi desviado de sua finalidade para enriquecer grupos exploradores, sob os olhares omissos de quem deveria proteger o povo pobre. […] Na ilusão de aumentar o dinheiro público que receberam para enfrentar seus problemas, [pessoas assistidas] jogam em bets, na ilusão de um ganho”, diz o diretor de uma das organizações que moveu a ação, a Educafro, Frei David.

Entre os pedidos à Justiça está a solicitação para que operadoras de apostas online desenvolvam um sistema seguro para impedir o acesso de beneficiários do CadÚnico, bloqueando novos cadastros e excluindo usuários já registrados, além da realização de campanhas contra o uso de recursos do programa. O descumprimento prevê multa diária de R$ 500 mil e suspensão das atividades das operadoras.

Para o advogado constitucionalista Ilmar Muniz, as empresas esportivas podem ser responsabilizadas em casos de práticas abusivas. “Embora a decisão última de realizar apostas parta da pessoa, é difícil dissociar esse comportamento do contexto estrutural em que se insere. Fatores como a precariedade econômica, a ausência de políticas públicas eficazes, a baixa oferta de oportunidades de trabalho e a intensa publicidade das plataformas podem contribuir significativamente”, explica.

“Do ponto de vista da saúde pública, tem algumas frentes que são necessárias. A primeira é a regulamentação dessas apostas. A própria facilidade de acesso e a falta de políticas específicas podem ser uma contribuição muito importante para a geração de transtornos [viciosos]”, complementa o psiquiatra Leonardo Rodrigues da Cruz. “Estar num ambiente difícil, com mais vulnerabilidade, mais estressores sociais, também é um fator”.

À Pública, a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda afirmou que uma medida, ainda em análise técnica e jurídica, poderá ser implementada, atendendo a uma determinação do STF, que exigiu ações para impedir o uso de recursos assistenciais em bets.

R$ 3 bilhões: o que esse montante representa para a própria população?

Apenas o valor usado por beneficiários do Bolsa Família em bets seria suficiente para custear 3,3 milhões de cestas básicas [considerando o valor unitário de R$ 909,25 em São Paulo, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)]. Os alimentos seriam suficientes para atender 92,5% das famílias cadastradas no programa nas 27 capitais brasileiras, segundo dados do MDS disponíveis no VIS DATA 3.

Com o mesmo valor, seria possível construir 476 Unidades Básicas de Saúde (UBS) de porte V, a mais completa prevista pelo SUS, com capacidade para atender até 500 mil pessoas por mês, segundo informações do Ministério da Saúde.

E o problema pode ser ainda maior, já que não há levantamentos mais recentes sobre o uso dos recursos do programa para fins de aposta. Entre agosto de 2024 e abril de 2025, o mercado de apostas online saltou de R$ 20,8 bilhões para R$ 30 bilhões por mês, segundo o BC.

Em agosto de 2024, quando a informação foi levantada, os recursos do programa eram 14,4% do montante – caso a proporção tenha se mantido, é possível estimar que o gasto mensal poderia chegar a R$ 4,3 bilhões, valor ainda não levantado nem confirmado pelos órgãos de controle.

“Todo o Brasil perde. Brancos e negros, ricos e pobres. Porque o dinheiro vai ser concentrado só na mão de alguns: os poderosos, donos de bets”, complementa Frei David.

Milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade estão perdendo dinheiro para plataformas de apostas. É urgente investigar quem lucra com esse sistema. Apoie nossa campanha e ajude a Pública a revelar os bastidores desse jogo!

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