O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar hoje o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.911, que questiona exigências da Lei do Planejamento Familiar (Lei 9.263/1996) para a esterilização voluntária – laqueadura e vasectomia –, como a idade mínima de 21 anos. Entidades da sociedade civil acompanham a definição, que pode indicar direção do debate sobre outros direitos reprodutivos no Brasil.
O julgamento foi suspenso nesta quarta-feira (12) com os votos dos ministros Nunes Marques e Flávio Dino, que entendem que seria necessário a pessoa ter 18 anos e ao menos dois filhos para solicitar o procedimento, e de Cristiano Zanin, que entende ser necessário ser maior de 18 anos e ter capacidade civil plena.
Para a coordenadora da Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná (CDH/UFPR), Taysa Schiocchet, as restrições são “excessivas e desproporcionais” e uma “tentativa de limitar a autonomia reprodutiva”.
“Não é uma questão de saúde que está em jogo. É uma questão de gênero. De olhar as mulheres como pessoas que precisam ser protegidas, que não têm capacidade de tomar decisões autônomas. Uma questão relacionada ao papel das mulheres e da maternidade na nossa sociedade”, afirmou a advogada, que participa da ação representando a CDH/UFPR como amicus curiae, entidade convidada para auxiliar no subsídio de informações para a tomada de decisão da Corte.
A legislação em questão foi criada em 1996, em resposta a um cenário de esterilizações forçadas. “Naquele momento [era] como uma medida protetiva, para proteger essas mulheres dessas esterilizações em massa. [Era] uma violência, uma influência antiética, inadequada e indevida”, ressalta Schiocchet. “Em outro cenário [atual], é sinal de respeito olhar a pessoa que vai tomar essa decisão. É entender que o papel do profissional da saúde é amparar essa tomada de decisão e munir essas pessoas das informações.”
Inicialmente, a norma exigia consentimento do cônjuge e idade mínima de 25 anos para a esterilização voluntária. Alterada em 2022, a idade foi reduzida para 21 anos e a autorização do parceiro deixou de ser necessária. No entanto, a exigência de um período de 60 dias de aconselhamento antes do procedimento permanece, o que a médica sanitarista Sandra Valongueiro entende ser, acompanhado de um esforço para desencorajar a decisão, uma “violação da neutralidade do Estado”.
“É [impor] a maternidade como destino, como se a maternidade fosse um caminho de todas as mulheres. Sempre que ela puder dizer sim à maternidade, ela tem autonomia para isso, mas se ela, com 18 anos, sem dois filhos, quiser dizer não, ela não pode”, complementa Valongueiro.
Pesquisadora da pós-graduação em saúde coletiva da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Valongueiro alerta sobre como a exigência estimula a clandestinidade. Em pesquisas conduzidas pelo Comitê Estadual de Mortalidade Materna de Pernambuco, do qual faz parte, foram entrevistadas jovens mães que haviam acabado de dar à luz e relataram ter acessado o procedimento.
“Uma delas estava no segundo filho, ela tinha 17 anos, fez uma esterilização paga. Outra, que era mais velha, tinha 20, fez uma esterilização durante o parto. Então, existe uma demanda por esterilização ainda muito grande. São três anos só [entre 18 e 21 anos], mas esses três anos podem levar a mais gravidezes indesejadas”, diz a pesquisadora. Ela acrescenta ainda que um estudo da Rede Feminista de Saúde mostrou como o desafio da maternidade pode ser precoce, ao apontar que 252.786 meninas com menos de 14 anos tiveram filhos nascidos vivos entre 2010 e 2019.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que também participa da ação como amicus curiae, ressalta que as restrições afetam, principalmente, mulheres em situação de vulnerabilidade que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS).
Decisão do STF pode reabrir discussões
A decisão do STF pode abrir caminho para discussões mais amplas sobre os direitos reprodutivos no Brasil, incluindo o aborto. Segundo Schiocchet, embora o julgamento trate especificamente da esterilização, ele se insere no debate maior sobre autonomia e gênero.
“A decisão sobre a esterilização voluntária no Brasil toca o que a gente vai chamar de direitos reprodutivos. Se o STF toma uma decisão mais restritiva em relação a esse tema, o STF está sinalizando algo sobre direitos reprodutivos como um todo, inclusive, a interrupção da gestação”, avaliou.