Sob o pretexto de debater invasões de terras no sul da Bahia pela ótica do agronegócio, a Câmara dos Deputados recebeu na quarta-feira (28) fazendeiros ligados ao grupo extremista Invasão Zero. Ao menos dois “convidados” são suspeitos de envolvimento em ataques armados contra indígenas Pataxó na região.
O debate foi realizado na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara, a pedido do deputado Evair Vieira de Melo (PP) – membro da bancada ruralista e coordenador da Frente Parlamentar Invasão Zero no Espírito Santo.
Entre os convidados estiveram os fazendeiros Mateus Bonfim Mendes, presidente da Associação do Agronegócio do Extremo Sul da Bahia (Agronex), e Vandernilson Ferraz da Silva, presidente da Associação dos Pequenos Produtores do Entorno do Parque Nacional. Os dois estão na mira das autoridades por ataques ligados à disputa de terras com indígenas, com atuação direta do grupo Invasão Zero.

A Agência Pública apurou que a Polícia Civil da Bahia (PCBA) investiga se há relação de Mateus Mendes e Vandernilson da Silva, mais conhecido como “Vandão”, com o assassinato do líder Pataxó Vitor Braga Braz – morto a tiros em Prado (BA) em 11 de março. Após a prisão de um dos suspeitos pela morte, a polícia investiga quem seriam os outros atiradores e os mandantes do crime; o caso corre em segredo de justiça.
A Pública procurou o deputado Evair de Melo, para que explicasse se sabia ou não da relação de alguns dos convidados para o debate com ataques armados contra indígenas na região, mas não teve resposta até o momento.
No debate, a mais incisiva defesa dos indígenas no debate na Câmara foi da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, que destacou que os conflitos entre fazendeiros e indígenas são alvos de diversas investigações “com participação, inclusive, de pessoas públicas que podem ter envolvimento com grupos paramilitares”, segundo Wapichana.
A presidenta da Funai lembrou ainda que, até aqui, somente indígenas morreram nos conflitos. “Desde 2022, já aconteceram três assassinatos por conta dos conflitos de terras no sul da Bahia – e todas as vítimas eram indígenas”, afirmou.
Como reportado pela Pública, o extremo sul baiano tem sofrido com ofensivas não apenas de fazendeiros e grileiros, como também do narcotráfico. Segundo moradores, a demora na demarcação dos territórios indígenas no sul da Bahia favorece a criminalidade na área, além de fragilizar os povos Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe.

Clima permanente de medo e um ataque ainda sem punição
Por meio da articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA) foram alertados, um dia após o assassinato, sobre o ataque contra os Pataxó da Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal. Moradores do território situado entre os municípios de Itabela, Itamaraju, Porto Seguro e Prado esperam há mais de 25 anos por demarcação oficial.
“O ataque em curso opera-se no mesmo local em que ocorreu o assassinato da liderança indígena de 53 anos, Sr. Vitor Braga Braz, e que também feriu um jovem indígena”, diz ofício da Apib. O ministro do MJSP, Ricardo Lewandowski, autorizou, no dia 22 de abril, o envio da Força Nacional para a região, para “preservar a ordem pública e a segurança” dos indígenas.
O MPBA disse à Pública que “não possui atribuição para atuar em demandas relacionadas a conflitos fundiários entre indígenas e produtores rurais, embora esteja sempre à disposição para pacificar a região”. O órgão afirmou ainda que “as investigações de homicídios envolvendo indígenas, mas com [questões] fundiárias adjacentes, foram declinadas para o Ministério Público Federal”.
A reportagem também procurou a PCBA para saber quais medidas têm sido adotadas para solucionar o assassinato da liderança Pataxó, mas não obteve resposta até a públicação deste texto. Questionada, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia afirmou que “as ações preventivas e de inteligência no Extremo Sul foram reforçadas, com apoio também da Força Nacional, buscando impedir novas ocorrências de conflitos agrários”. A pasta disse ainda que “participa de um Comitê coordenado pela Secretaria de Relações Institucionais, com representantes dos indígenas e agricultores, mantendo um diálogo permanente”.

Fazendeiro nega relação com Invasão Zero
À Pública, Vandernilson Ferraz da Silva alegou “nunca” ter tido problemas ou se envolvido em conflitos armados com os indígenas e negou relação com o Invasão Zero: “nunca participei desses movimentos”.
Quanto à liderança Pataxó Vitor Braga Braz, o fazendeiro afirmou que o conhecia “de vista”: “Nunca tivemos nenhum problema ou discussão. Às vezes eu via ele na roça, mas nunca conversamos muito, nem nos aproximamos. Nunca tive qualquer problema nem me envolvi com nada de ameaça contra ele e os outros ‘índios’”.
Já o fazendeiro Mateus Bonfim Mendes, da Agronex, não foi localizado pela Pública. O espaço segue aberto para manifestação.
Responsável por investigar casos relacionados ao grupo Invasão Zero, a Polícia Federal disse que “não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento”.