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15 repórteres, 2.500 documentos, 3 dias. O resultado: 50 matérias inéditas sobre documentos diplomáticos referentes ao Brasil obtidos pelo WikiLeaks.

Reportagem
18 de agosto de 2011
20:00
Este artigo tem mais de 13 ano

15 repórteres, 2.500 documentos, 3 dias. O resultado são cerca de 50 matérias inéditas sobre documentos diplomáticos referentes ao Brasil obtidos pelo WikiLeaks, que serão publicados durante esta semana no site da Pública.

A Semana WikiLeaks é uma iniciativa coletiva, capitaneada pela Pública com o apoio do WikiLeaks e a participação de jornalistas independentes que acreditam que histórias de interesse público devem ser contadas.

São eles: Andrea Dip, Anselmo Massad, Tadeu Breda, Julio Cruz Neto, Jessica Santos, Mariana Simões, Igor Ojeda, Tatiana Merlino, Daniel Santini, Glauco Faria, João Perez, Natalia Viana, Débora Prado, Paula Sambo e Ana Aranha.

Nos dias 10, 11 e 12 de junho, esses jornalistas se reuniram voluntariamente na sede da Pública, na Barra Funda, para ler todos os documentos referentes ao Brasil que ainda não foram publicados no site do WikiLeaks. Além de documentos da embaixada em Brasília e consulados em São Paulo, Recife e Rio de Janeiro, a Pública também teve acesso a despachos de outras embaixadas, referentes ao Brasil.

São documentos inéditos, produzidos entre 2004 a 2010, debatendo grandes questões nacionais.

A preocupação da Pública é dar visibilidade a esses telegramas, que contam o que se discute nas relações internacionais – conversa a conversa, reunião a reunião.

Durante esta semana,  os documentos originais serão publicados no site da Pública e no site do WikiLeaks. No dia 4 de julho, todos os telegramas brasileiros serão disponibilizados no site do WikiLeaks.

Todas as reportagens são em creative commons, para livre reprodução desde que citada a fonte.

“Meses depois deste vazamento tomar as manchetes da imprensa, há ainda muitas informações importantes nos documentos de todos os países. Estes documentos são mais que notícia, eles contam a história desses países. Até mesmo documentos que já foram publicados no site do WikiLeaks trazem revelações inéditas, e estão ali para serem pesquisados pelo público”, diz o porta-voz do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson.


Por João Peres, especial para a  Pública


Telegrama obtido pelo Wikileaks indica que o ex-ministro das
Comunicações, Hélio Costa, prometeu aos Estados Unidos adotar o modelo
de rádio digital daquele país como espécie de prêmio de consolação após a
vitória do Japão na disputa pelo padrão de TV digital.

Documento emitido em 18 de setembro de 2006
mostra que a promessa foi feita em conversa entre o político mineiro e o
então embaixador estadunidense, Clifford Sobel. “Costa disse que o
Brasil procura investimentos tecnológicos e parceiros, e este aspecto
teve papel decisivo na escolha do padrão japonês de TV digital em
detrimento do padrão americano“, relata o telegrama, que até então
apenas reproduzia aquilo que o ministro vinha repetindo à imprensa
durante meses. Em seguida, no entanto, é acrescida a seguinte
informação: “Mas ele afirmou categoricamente que o sistema de rádio
digital dos Estados Unidos será o escolhido pelo Brasil“. Mais adiante, o
telegrama volta ao tema, então com mais detalhes. “Costa foi enfático
em dizer que o sistema de rádio digital dos Estados Unidos será
escolhido pelo Brasil, já que oferece claras vantagens sobre os
competidores coreanos e europeus”.

A versão do ex-ministro

Em conversa por telefone, Costa negou que tenha dado essa garantia
aos Estados Unidos. “O modelo que estava mais bem encaminhado era o de
rádio digital americano, mas precisávamos de discussão. Tanto que o
ministério até hoje não tomou nenhuma decisão“. O ex-ministro comentou
que foram feitos testes do padrão dos Estados Unidos em São Paulo, mas
deficiências técnicas fizeram com que não houvesse uma definição, apesar
da pressão das emissoras de radiodifusão para que se adotasse
rapidamente a tecnologia norte-americana. O principal problema é que o
sistema sofria das mesmas deficiências apresentadas pelo modelo
analógico em uso atualmente, com a formação de áreas de “sombra“ de
frequência, ou seja, com falha de sinal.

No mesmo encontro, Sobel fez uma rápida análise da conjuntura
eleitoral, já que Lula disputava a reeleição. Costa acreditava que o
PMDB, o PT e outras siglas formariam uma liderança tranquila no
Congresso, e chegou a oferecer uma articulação do embaixador com outros
nomes de seu partido. “De fato, ele sugeriu numerosos encontros e
jantares com líderes no Senado e com líderes de seu próprio partido. Nós
vamos levar em conta essa influência para ganhar acesso a outros
líderes do PMDB e em promover e defender ações dos Estados Unidos na
comunicação e em áreas relacionadas”, relata o documento.

O ex-ministro não nega esta afirmação, embora discorde parcialmente
do tom utilizado por Sobel. Ele lembra que o embaixador chegou a
Brasília disposto a estabelecer uma forte articulação com líderes
políticos, promovendo jantares e conversas. “Nunca um embaixador dos EUA
teve contato tão próximo da classe política. Era uma relação
excepcional. A conversa está razoavelmente correta“. Costa conta que,
além do encontro registrado em telegrama trazido à tona pelo Wikileaks,
manteve várias reuniões com Sobel. Segundo o político, com a finalidade
de demonstrar por que o padrão japonês de TV digital era o mais adequado
ao que o Brasil desejava.

Todas as atenções

O tema mobilizou grande atenção na Embaixada estadunidense em
Brasília, que enviou a Washington dez telegramas a respeito entre 2003 e
2006. No começo do governo Lula, a embaixadora Donna Hrinak manifestava certa preocupação com a intenção do ministro Miro Teixeira em desenvolver um padrão brasileiro de TV digital.

O quadro melhorou com a chegada de Eunício de Oliveira ao Ministério
das Comunicações, em 2004. Um fator complicador, relatava o peemedebista
em conversa telefônica com o embaixador John Danilovich, era a linha de
pensamento que defendia o modelo nacional de televisão. “Ele comentou
que seria de grande auxílio para a campanha dos Estados Unidos se as
empresas pudessem mostrar que planejam fabricar ou desenvolver alguns
dos programas para TV digital no Brasil”, comenta o telegrama postado em novembro de 2004 e tornado público pelo Wikileaks.

O caminho se desenhava aberto para o setor privado da nação do Norte,
que disputava a condição de fornecedor com Japão e União Europeia. A
indústria local, indicava o comunicado interno, pressionava para que se
chegasse a um veredicto até 2005. A chegada de Hélio Costa ao
ministério, em julho daquele ano, mudou o rumo das conversas.

Costa se posicionou abertamente favorável à adoção do padrão japonês,
também o preferido da Rede Globo, da qual foi funcionário durante
muitos anos. Os Estados Unidos passaram a se ancorar no contraponto
oferecido pelo então ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan.
“Os comentários de Furlan são um contraponto ao repetido aval (de fato,
uma advocacia) do ministro das Comunicações, Hélio Costa, a favor do
padrão japonês (…) O tempo dirá neste caso”, anotava telegrama de agosto de 2006.

Outra esperança de Washington estava na versão, muito difundida pela
imprensa, de que a palavra final estava com Lula e com sua
ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. “Ela parece determinada a
evitar a repetição da desastrosa escolha do Brasil pelo padrão PAL-M
(feita na época da ditadura em torno da televisão a cores, o que se
mostrou um erro em termos de custos)”. Em março de 2006, o embaixador Danilovich anotava ainda que soava equivocada a versão de Costa de que Lula já tinha em mãos todos os dados necessários para tomar uma decisão .

Naquele momento, o ministro ponderava que o padrão japonês era o que
melhor se adequava aos dispositivos móveis desejados para o
desenvolvimento da TV digital. Outro ponto que ele utilizava em sua
argumentação era o de que os asiáticos ofereceram melhores
contrapartidas em investimentos na indústria nacional e em transferência
de tecnologia.

“Tanto a embaixada quanto o consulado vão contar a nossos
interlocutores que o governo pode facilmente ganhar acesso livre de
impostos ao mercado dos Estados Unidos para componentes industrializados
da TV digital”, assinalava um comunicado interno.

Não deu certo. O padrão japonês seria mesmo o escolhido. Para Costa, a escolha foi acertada. É
tão eficiente que passamos para outros países da região, quase doze
países. Temos hoje um sistema latino-americano de TV digital.“

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