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Dinhana Nink deu entrevista sobre a quadrilha dois meses antes de sua morte. Ameaçadas, outras famílias da comunidade tiveram que fugir

Reportagem
5 de abril de 2012
19:03
Este artigo tem mais de 12 ano

Dois meses depois de dar entrevista à Pública, Dinhana Nink, 27 anos, foi assassinada em Rondônia. Seguindo a líder rural Nilcilene Miguel de Lima, que tem escolta da Força Nacional por denunciar os madeireiros, a reportagem colheu diversos relatos sobre os pistoleiros da região que saqueiam, agridem e matam os lavradores locais. Dinhana foi uma das poucas entrevistadas que denunciou a quadrilha sem medo de mostrar o rosto:

“Bote meu nome aí, eu vou falar sim. Eles mandaram calar a boca, mas eu não calo. Vou ter a coragem da Nilce e denunciar quem me ameaça”, disse.

Em resposta à sua coragem, Dinhana foi assassinada com uma bala no peito na madrugada da última sexta, dia 30. O crime aconteceu na frente de seu filho de 6 anos, Tiago. O pai de Dinhana, primeiro a chegar depois do crime, encontrou Tiago limpando o sangue do rosto da mãe. Dinhana deixou mais dois filhos, um de sete e outro de dez anos.

Apesar da cara de valente, sua condição já era frágil na época da entrevista, em janeiro. Tiago brincava ao lado da mãe, no chão da sala. Eles estavam morando de favor em vila Nova Califórnia (Rondônia) desde que sua casa foi queimada em um incêndio criminoso em novembro. Por precaução, a reportagem não usou o nome e a foto de Dinhana. Essa é a primeira vez que sua história é publicada.

Na entrevista, Dinhana falou sobre ameaças que recebia desde que desafiou um homem ligado à quadrilha de pistoleiros que toma conta da região. Ela morava no assentamento Gedeão, município de Lábrea, sul do Amazonas. Sem nenhuma estrutura de policiamento, o lugar é destino de madeireiros ilegais, que contratam pistoleiros para garantir que ninguém impeça o roubo de madeira.

Leia mais: Nilcilene, com escolta e colete à prova de balas: “eles vão me matar”

Desde que a líder Nilcilene ganhou escolta da Força Nacional, diversas famílias próximas a ela estão sendo ameaçadas de morte. Algumas tiveram que fugir para não ter o mesmo destino de Dinhana. É uma forma de deixar a líder isolada.

Dinhana não tinha envolvimento com a associação. Queria apenas tocar a vida e proteger seu negócio, um pequeno bar e mercearia dentro do assentamento.

Mas ela sabia demais. Enquanto trabalhava, ouvia conversas sobre as atividades das madeireiras. “O povo bebia e falava”, ela disse à Pública. “Tem muita gente lá que vive de madeira. Serra de dia, e tira de noite. Eles dizem que tem que ter cuidado na hora de entrar com o caminhão de noite. Se a polícia pega, não pode prejudicar os donos. Se pegar, não pode de jeito nenhum falar quem era o dono da madeira”.

Sua morte está relacionada à força do crime organizado que se formou na região, graças ao comércio ilegal de madeira combinado com a ausência do Estado. Dinhana se meteu com a pessoa errada e decidiu denunciar as agressões, em um local onde a polícia não age. Pagou com a vida.

Tudo começou em novembro, quando um de seus clientes no bar, Jheferson Arraia Silva, bebeu demais e começou a provocar briga. Ela pediu que fosse embora, ele ficou agressivo. Dinhana não era mulher de ficar calada. Apanhou, mas também bateu. Depois registrou tudo na polícia.

“Eles não gostaram que eu fui na polícia e, na semana seguinte, a mãe dele começou a mandar recado”, Dinhana disse. Suzy Arraia Silva, mãe de Jheferson, é citada em diversos relatos dos pequenos produtores rurais da região pela proximidade com a quadrilha. “Ela dizia que não ia ficar em branco, que ia queimar minha casa, que ia ter vingança”.

Assustada, Dinhana decidiu mudar para Nova Califórnia, a vila mais próxima, já no estado de Rondônia. Mas, enquanto procurava lugar para ficar, sua casa e bar no assentamento foram queimados, com tudo dentro. “Ficou tudo no chão, preto, queimado. O freezer ficou miudinho. Minha dor maior foi ver os meninos revirando as cinzas. Eles foram catando coisas para levar embora. Mas eu não deixei, tava tudo queimado”.

 

Dinhana procurou a Força Nacional. “Eles disseram que só podem proteger a Nilce, me indicaram a polícia. Fui no posto da PM de Nova Califórnia, eles disseram que não podem fazer nada porque são de Rondônia e lá é Amazonas”.

No Boletim de Ocorrência registrado na Polícia Civil de Rondônia, ela fala das ameaças. Segundo o documento, Suzy “teria dito que iria eliminar três pessoas da localidade”. Dinhana era uma delas. Mas a polícia nada fez sobre o caso.

Em entrevista, o sargento Fábio Cabral de Lima, do posto de Nova Califórnia, disse ter recebido mais de 20 registros de ameaças de morte da área do assentamento Gedeão só no último ano. “Nós estamos de mãos atadas em relação a tudo que acontece lá porque não é jurisdição de Rondônia”, disse.

“Esse grupo manda na região. Eles cometem crimes, perseguem e difamam quem os denuncia”, diz Neide Lourenço, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra do Amazonas. “Enquanto o Estado não se fizer presente e colocar um posto policial, o crime vai continuar ditando a ordem”.

A CPT se preocupa ainda com o fim da escolta para Nilcilene. No final de abril, a Força Nacional deve se retirar do local e deixar de escoltar a líder. Como nada foi feito para levar policiamento ao local, se o contrato da escolta não for renovado, Nilcilene vai ter que fugir. “Se a Força  sair, eu e o meu marido temos que sair primeiro. Se nós ficar, antes de morrer, ainda vamos ser torturados”, diz.

 

Nilcilene fala sobre perseguição a famílias próximas:

 

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