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Negócios familiares, proximidade com governos, financiamento de campanhas e diversificação de atividades – da telefonia ao setor armamentício – compõem a história das gigantes Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez

Reportagem
30 de junho de 2014
09:00
Este artigo tem mais de 9 ano

Apesar de mais conhecidas no Brasil por sua atuação no setor de construção civil, as chamadas “quatro irmãs” – Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez – hoje atuam em diversas outras atividades. As empreiteiras respondem apenas por parte dos lucros destes grupos econômicos que atuam em todos os continentes, com foco nos mercados da África, América Latina e Ásia. Juntas, possuem empreendimentos que vão do agronegócio à moda, passando pela petroquímica, setor armamentício, telefonia e operação de concessões diversas.

Os controladores, porém, permanecem os mesmos e os maiores ganhos ficam com as famílias que comandam as empresas. “O controle de base familiar é uma característica da formação do capital monopolista dos grupos econômicos constituídos no Brasil. Embora isso não impeça a abertura de capital, esta é feita de modo a preservar sempre o controle acionário dos ativos mais rentáveis pelas famílias controladoras. Isso confere à estrutura societária desses grupos um formato piramidal, em que um controlador último controla toda uma cadeia de empresas”, analisa o cientista político da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) João Roberto, que coordena o Instituto Mais Democracia.

Além do controle familiar, outro traço comum é o fato de serem grandes financiadoras de campanhas. Entre as eleições de 2002 e 2012, juntas, as quatro empresas investiram mais de R$ 479 milhões em diversos comitês partidários e candidaturas pelo Brasil. No Estado do Rio de Janeiro, o PMDB é de longe o partido mais beneficiado, com R$ 6,27 milhões, mais que a soma dos quatro seguintes: PT, PSDB, PV e DEM. Porém os repasses podem ser ainda maiores em anos não-eleitorais. Em 2013, por exemplo, somente a Odebrecht repassou R$ 11 milhões dos R$ 17 milhões arrecadados pelo PMDB. Veja mais no infográfico:

Doações Grupo Odebrecht
Doações Grupo Camargo Corrêa
Doações Grupo Andrade Gutierrez
Doações Grupo OAS
doacoes

Além dos contratos para obras públicas, o governo federal também incentiva o negócio dessas empresas através do BNDES. Por meio da Lei de Acesso à Informação a reportagem apurou que, entre 2004 e 2013, o banco realizou 1665 transferências para as construtoras das “quatro irmãs”, totalizando mais de R$ 1,7 bilhão em empréstimos. Deste total, a Odebrecht e Andrade Gutierrez foram as maiores beneficiadas, levando R$ 1,1 bilhão. As duas também lideram o ranking de desembolsos para operações de exportação entre 2009 e março de 2014. Juntas, levaram mais de U$ 5,8 bilhões em empréstimos neste segmento. “É importante chamar a atenção para o fato de que o BNDES também tem participações, através do BNDESPAR no capital de empresas controladas pelas referidas empreiteiras, como a CPFL, controlada pela Camargo Correa; a Braskem, controlada pela Odebrecht; e da Oi/Telemar, controlada pela Andrade Gutierrez”, destaca João Roberto.

Conheça a história dessas quatro gigantes.

OAS

“Obras Arranjadas pelo Sogro”, “Obrigado Amigo Sogro”, “Organização Apoiada pelo Sogro”… As paródias com a sigla da construtora OAS vão tão longe quanto a imaginação permite. Em comum, a eterna gratidão da empresa ao “sogro”, que pode ser descrito com outras três letras: ACM, ou Antônio Carlos Magalhães, político símbolo do coronelismo na Bahia. Já o referido genro atende pelo nome de Cesar Araújo Mata Pires, dono do grupo empresarial, que debutou na lista de bilionários da Forbes em 2014 com aproximadamente R$ 3,6 bilhões em patrimônio pessoal.

Criada em 1976, a empresa levou apenas oito anos para ficar entre as dez maiores do Brasil. Além do “A” de Cesar Araújo, a sigla da companhia traz outros dois sobrenomes: “O” de Durval Olivieri e “S” de Carlos Suarez. Em comum, os três tinham ainda experiência de trabalho na construtora Odebrecht.

ACM na sala de ex-votos e graças alcançadas da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador (BA) – Foto: Mathieu Bertrand Struck
ACM na sala de ex-votos e graças alcançadas da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador (BA) – Foto: Mathieu Bertrand Struck

Assim, a OAS começou a atuar por meio de subcontratos com a Odebrecht. Foi por meio dela também que Cesar Araújo conheceu o então governador Antonio Carlos Magalhães. O futuro encontro dele com a filha de ACM iria aquecer não só seus corações, mas também os negócios da empresa.

Leia mais: um jogo para poucos

Segundo o historiador Pedro Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a OAS atuava apenas no nordeste até o final da década de 80, em especial nos estados governados por aliados de ACM. “A ARENA era muito poderosa no norte e nordeste. E Antonio Carlos tinha muitos aliados ali. A OAS chega ao sudeste apenas na década de 90”, diz. Ex-proprietário da TV Bahia, retransmissora da Globo na região, e filiado ao PSD, Mata Pires de fato deve muito ao sogro pela ascensão da OAS.

Hoje, no Rio de Janeiro, a empresa é responsável pela construção da Transcarioca, parte do consórcio Porto Novo S/A e é uma das controladoras do Metrô Rio, por intermédio da Invepar. Dentre os projetos ligados à Copa e Olimpíadas, a OAS também participa dos consórcios do Porto Maravilha (R$ 7,7 bilhões), Transolímpica (R$ 1,6 bilhão), Reabilitação Ambiental da Bacia de Jacarepaguá (R$ 673 milhões), do VLT (R$ 1,2 bilhão), além de ter feito as obras de controle de enchentes na Praça da Bandeira, próximo ao Maracanã (R$ 292 milhões).

Foto: Mídia Ninja
Foto: Mídia Ninja

A OAS foi a empresa que mais financiou campanhas de Sergio Cabral para o governo do Estado: foi repassado R$ 1,8 milhão diretamente para suas duas candidaturas, em 2006 e 2010. Em 2008, a construtora também investiu no principal candidato à prefeitura do Rio: foram R$ 350 mil diretamente para a campanha de Eduardo Paes. Ainda que se leve em conta os R$ 850 milhões repassados para o comitê financeiro do PMDB no Rio de Janeiro entre 2006 e 2012, os financiamentos de campanha são uma bagatela perto dos contratos bilionários firmados com a empresa durante a gestão de ambos.

Apesar do êxito da empresa em todo o país, as condições de trabalho para os operários da OAS estão longe de serem as melhores. Após fiscalização em obras do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo no ano passado, o Ministério Público e Ministério do Trabalho encontraram nada menos que 111 operários em condições análogas à escravidão. A OAS foi obrigada a pagar multa de R$ 15 milhões.

A OAS foi a empreiteira entre as “quatro irmãs” que mais demorou para se internacionalizar, expandindo seus negócios apenas em 2003. Atualmente já realiza diversas operações internacionais, algumas delas por meio da OAS Finance Limited, subsidiária nas Ilhas Virgens Britânicas, e  toca projetos em praticamente toda América do Sul e Central, além de Moçambique, Angola, Guiné Equatorial, Gana e Guiné, na África.

No Brasil, a OAS foi uma das investigadas pela Polícia Federal, durante a Operação Caixa Preta, por irregularidades na licitação de obras em 10 aeroportos. A Justiça Federal do Distrito Federal julga os envolvidos por fraude nas licitações e formação de quadrilha. Quatro obras ainda estão em fase de inquérito no Ministério Público: os aeroportos de Uberlândia, Cuiabá, Corumbá e de Brasília.

O Império de Areia

Em 1926, seria difícil imaginar que as carroças de Sebastião Ferraz de Camargo um dia fariam de sua futura viúva a mulher mais rica do Brasil, com um patrimônio de US$ 13 bilhões. Aos 17 anos o jovem de Jaú (SP) transportava areia para a construção de estradas no interior paulista. Dez anos depois, fundou a Camargo Corrêa & Cia Ltda em parceria com o advogado Sylvio Correa, que deixaria sua marca no nome da empresa mesmo tendo saído dela em 1964. Em 1985, Sebastião Camargo já comandava a maior empreiteira do Brasil e era doutor honoris causa na Escola Superior de Guerra – mesmo tendo o primário inconcluso.

Diplomação na Escola Superior de Guerra (Créditos: Acervo CDMCC)
Diplomação na Escola Superior de Guerra (Créditos: Acervo CDMCC)

De fato, não foram apenas os cavalos que levaram a carroça de Sebastião ao topo da economia brasileira. Sua decisiva proximidade com a cúpula de Brasília começou com a construção das vias de acesso à própria capital, no Governo JK, mas foi estreitada com a ditadura militar. “A Camargo Correa é a maior empreiteira do regime militar, a mais vinculada com o projeto da ditadura”, afirma o historiador Pedro Campos.

Na época, Sebastião se tornou alvo de grupos guerrilheiros, como a Ação da Libertadora Nacional (ALN) e a VPR, comandada por Carlos Lamarca. Seu nome é mencionado em depoimentos e publicações da ALN como alvo preferencial, ao lado de outros empresários, como Pery Igel (Grupo Ultra/Ultragás) e Roberto Campos (Univest/Investbanco). “Existe uma características comum entre os três supracitados cavalheiros: todos financiam a repressão policial da ditadura, pagam os carrascos da OBAN (Operação Bandeirantes) e dão prêmios de milhões de cruzeiros por cada guerrilheiro assassinado”, publicou a ALN na quinta edição de seu jornal “Venceremos”.

A proximidade com a ditadura também lhe rendeu diversas obras públicas para alavancar seu negócio, mesmo fora do Brasil. A participação de sua empresa na construção da hidrelétrica de Itaipu, por exemplo, teria sido uma imposição ao governo de Ernesto Geisel feita por seu parceiro de pescaria, o ditador Alfredo Stroessner, que governou o Paraguai por 35 anos.

Avesso a entrevistas, Sebastião Camargo declarava abertamente sua simpatia pelo regime autoritário, mesmo após a redemocratização. “Acho que o grande progresso do Brasil foi no governo militar”, disse o fundador da empreiteira em entrevista para a Folha de São Paulo, em 1990.

Reprodução da tese “A ditadura dos empreiteiros” de Pedro Campos
Reprodução da tese “A ditadura dos empreiteiros” de Pedro Campos

Enquanto se fortalecia na construção civil, Sebastião começou a diversificar e internacionalizar seus negócios. Em 1978, a empresa estreou no exterior na liderança de um consórcio internacional para construir uma usina hidrelétrica na Venezuela. A estratégia funcionou. Em 2012 pouco mais da metade da receita líquida de R$ 23,372 bilhões da empresa veio do ramo de cimento (com a InterCement) ou engenharia; o restante vem de áreas como concessões de transporte e energia (CCR, CPFL Energia), indústria naval (Estaleiro Atlântico Sul), incorporação imobiliária e vestuários e calçados (Alpargatas). Pertencem a este último grupo, inclusive, as marcas mais conhecidas da empresa, como as Havaianas, Topper, Rainha, Mizuno e Osklen.

O império da mais antiga das empreiteiras se viu fortemente abalado em 2009 com a operação Castelo de Areia da Polícia Federal. A investigação sobre crimes financeiros e lavagem de dinheiro da empresa trouxe à tona denúncias de formação de cartel, fraudes a licitações e pagamentos milionários a políticos de alto escalão, que beneficiariam inclusive o atual vice-presidente Michel Temer. Envolvendo diversos partidos, como o PMDB, PT, PSDB, PR, DEM, PCdoB, PSB e PP, a investigação causou embaraços tanto ao governo Lula como à oposição.

A Camargo Corrêa foi denunciada pelo Ministério Público Federal por formação de cartel nas obras do metrô de Salvador junto com a Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e outras empresas que também estariam envolvidas no acordo. Para se defender, contratou os serviços de advocacia do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos por nada menos que R$ 15 milhões. A batalha jurídica chegou ao Supremo Tribunal de Justiça, que suspendeu a operação em 2011, alegando ilegalidade na coleta de provas.

Leia mais: um jogo para poucos

Ainda hoje, porém, a Camargo Corrêa sente os efeitos da investigação. Documentos ausentes do processo original da Castelo de Areia chegaram ao Procurador-Geral da República no final do ano passado e podem reabrir o caso, que envolveria também um esquema de pagamento de propinas na concessão do Metrô Rio durante a gestão de Sérgio Cabral. Segundo reportagem da Revista Época, a Polícia Federal teria descoberto tardiamente a relação entre parte das provas apreendidas na operação e o pagamento de uma dívida de R$ 40 milhões do Estado do Rio com a Camargo Corrêa por intermédio da Opportrans. Esta empresa do Grupo Opportunity teria quitado a dívida do Estado em 12 parcelas em 2008, livrando-o assim de cinco ações judiciais movida pela empreiteira. Por sua vez a Opportrans ganhou a renovação de seu controle da concessão do Metrô Rio até 2038, porém a repassou um ano depois para a OAS e os fundos de pensão do Banco do Brasil e da Petrobras. A reportagem aponta que, para cada parcela recebida pela Camargo Corrêa, 5% teria sido destinado a Wilson Carlos de Carvalho, secretário de Governo e coordenador das campanhas de Cabral. Amigo de longa data, marido de sua prima e ex-sócio do Governador, Carlos Emanuel Miranda também teria recebido o mesmo quinhão, por meio de pagamentos no exterior.

Em 2010, ao lado da OAS, a Camargo Corrêa foi a empresa que mais investiu na campanha de Sérgio Cabral para o governo do Estado. Na ocasião, a empresa doou R$ 2 milhões para o PMDB apenas no Rio de Janeiro. Deste total, R$ 1 milhão foi para a campanha de Cabral. Antigo aliado do PMDB, Lindbergh Farias (PT) recebeu o mesmo valor para sua candidatura ao senado. Hoje rival da chapa peemedebista – pré-candidato ao governo do Rio – Lindbergh recebeu ainda R$ 250 mil diretamente do empresário Julio Gerin de Almeida Camargo naquele ano.

Dentre as quatro irmãs, a Camargo é a empreiteira com menor participação em projetos envolvendo Copa e Olimpíadas. Suas participações se dão por intermédio da Invepar, empresa controlada por ela junto com os três maiores fundos de pensão do país. A Invepar está presente nas obras da Transolímpica e do VLT do Centro do Rio de Janeiro, cujos orçamentos somados chegam a R$ 2,8 bilhões. Por meio da Intercement, outra empresa do seu grupo econômico, a Camargo Corrêa consta ainda entre os condenados pelo CADE no caso do “cartel do cimento”, onde o órgão aplicou a maior da multa de sua histórica: R$ 3,1 bilhões.

De Minas para o mundo

Santo Estevão, Sant’Ana e São Miguel. Assim são chamadas as administradoras que controlam a holding Andrade Gutierrez S.A, segundo levantamento do projeto Proprietários do Brasil. Por trás da santa trindade estão cerca de vinte membros da família Andrade e dois da Gutierrez, que dividem entre si o controle das três empresas; à frente, um dos maiores grupos econômicos do Brasil, com uma receita líquida de quase 14 bilhões de reais em 2012, segundo seu último relatório financeiro publicado.

Juscelino Kubitschek com a faixa presidencial
Juscelino Kubitschek com a faixa presidencial

Da pequena empresa iniciada em Minas Gerais na década de 40 pelos irmãos Roberto e Gabriel Andrade, ao lado do amigo Flávio Gutierrez, até a atual multinacional presente em 44 países (incluindo grandes potências como Alemanha, Rússia, Índia e países com economia de menor expressão como Gana, Ucrânia e Argélia), há um longo caminho marcado por um faro apurado para oportunidades.

Irmão de Roberto e Gabriel, José Maurício de Andrade preferiu a política do que a engenharia. Entre 1947 e 1969, ele foi eleito duas vezes deputado estadual e três vezes deputado federal. Durante a gestão de Juscelino Kubitschek no estado de Minas Gerais, José Maurício foi líder do governo na Assembleia Legislativa, além de ter trabalhado na candidatura do conterrâneo.

Não foi à toa que os negócios dos seus irmãos se expandiram na esteira do crescimento de JK no cenário político nacional: as primeiras obras rodoviárias da empresa se deram quando ele assumiu o governo; e a estreia fora do Estado, com as obras da BR-3 que ligou o Rio de Janeiro a Belo Horizonte, deu-se quando JK chegou à presidência.

Como outras empreiteiras, a Andrade Gutierrez encontrou sua mina de ouro nas obras públicas. Segundo reportagem da Revista Exame, esses contratos correspondiam a 98% do faturamento da empresa em 1989, durante o Governo Sarney. Na mesma época, percebendo a retração dos investimentos públicos para o setor de infraestrutura que se desenhava por conta da crise econômica do país na década de 1980, foi a vez de outro Andrade, filho de Roberto, alinhar a empresa com os novos rumos da economia. Naquela época, Sergio Andrade foi o grande mentor da reestruturação da Andrade Gutierrez e sua expansão para além da construção.

Mas se Sérgio Andrade arquitetou a entrada da Andrade Gutierrez no ramo das teles, foi Otávio Marques quem realizou a engenharia da operação. Em 1992, ele ingressou na empresa trazendo na bagagem sua experiência na presidência da Telemig e da Telebrás, além de sua atuação na Cemig. Seis anos depois, a Telebrás foi vendida na maior privatização do Brasil por mais de R$ 22 bilhões.

Na ocasião, a Tele Norte Leste (posteriormente transformada em Telemar/Oi) foi entregue a um consórcio composto pela Andrade Gutierrez e outras empresas, como a La Fonte Participações, de Carlos Jereissati, irmão do ex-presidente do PSDB, Tasso Jereissati. Segundo dados do último relatório, o setor de telecomunicações foi responsável por 43,2% da receita bruta em 2012: aproximadamente R$ 7,2 bilhões.

Logo depois, em 1998, a Andrade Gutierrez criou a CCR para atuar no mercado de concessões para administração de rodovias no Brasil. Assim, a empresa encerrou o século passado com o caminho pavimentado para expandir no novo milênio.

O sucesso da estratégia de Sérgio Andrade e Otávio Azevedo é evidente nos números da companhia. Em 2010, o setor de telecomunicações respondia por 56,76% dea receita bruta de R$ 18 bilhões da empresa.

Àquela altura, Sérgio já havia passado o bastão da presidência do grupo Andrade Gutierrez para Otávio Azevedo, que permanece no cargo até hoje. Atualmente, a CCR possui participação em diversos consórcios no setor de transporte não só no Brasil, como também no exterior. A lista de empresas do grupo CCR é grande e cruza fronteiras: Ponte Rio-Niterói, NovaDutra, ViaLagos, RodoNorte, AutoBAn, ViaOeste, RodoAnel, Renovias, ViaQuatro, Actua, Engelog, Controlar, EngelogTec, Barcas, SAMM, STP, Transolímpica, Aeroporto Internacional de Quito, Aeroporto Internacional de San José e Aeroporto Internacional de Curaçao.

Atualmente, também fazem parte da cadeia de controle da Andrade Gutierrez empresas como a Light, Sanepar e a Cemig. A mais nova aposta do grupo é a Logimed, empresa especializada na gestão de suprimentos, operação logística e sistemas de tecnologia da informação para hospitais. A empresa presta serviços em São Paulo, para a Santa Casa de São Paulo, Santa Casa de Marília e a Unimed, e em Minas Gerais, para o Lifecenter Hospital.

Entre os dez maiores projetos relacionados à Copa e Olimpíadas no Rio de Janeiro, a Andrade Gutierrez foi a segunda maior beneficiada. A empresa garantiu seu quinhão nos orçamentos para a reforma do Maracanã (R$ 1,2 bilhão), Transolímpica (R$ 1,6 bilhão), Parque Olímpico (R$ 2,1 bilhões), VLT do Centro do Rio (R$ 1,2 bilhão), Transcarioca (R$ 1,9 bilhão) e Reabilitação da Bacia de Jacarepaguá (R$ 673 milhões). Na maior parte deles, a Andrade Gutierrez tem a Odebrecht como parceira no negócio. São exceções apenas as duas últimas obras.

Segundo matéria da Folha de São Paulo, a Andrade Gutierrez compartilhou documentações com a Odebrecht em uma concorrência para obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) nas favelas do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Ambas empresas também foram alvo de denúncia do Ministério Público por suspeita de formação de cartel em São Paulo para a construção da Linha 5 do Metrô.

Dentre grandes, a gigante

A família Odebrecht tem muito a comemorar no aniversário deste ano de 70 anos de empresa. Maior beneficiada direta com os recursos investidos em obras ligadas à Copa e Olimpíadas no Rio de Janeiro, ela é hoje a líder no setor de construção civil no Brasil e uma multinacional de peso.

Dos dez maiores projetos já licitados envolvendo a Copa e Olimpíada no Rio de Janeiro, a Odebrecht participa de quase todos. Com exceção de dois: a Transcarioca e o projeto de despoluição das lagoas da Barra e Jacarepaguá – neste, é suspeita de ter enviado uma proposta de cobertura para cumprir com uma divisão de obras com suas concorrentes, de acordo com uma denúncia da revista Época.

O orçamento total dos outros oito projetos com participação da Odebrecht em consórcios ultrapassa R$27 bilhões.

A empresa já foi investigada pelo Ministério da Justiça por cartelização em obras em portos no Rio Grande do Sul e São Paulo e denunciada pelo Ministério Público de São Paulo por participação em um cartel para obras na linha 5 do metrô da capital paulista. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica(CADE) também apurou práticas de intimidação à concorrência por meio de acordos de exclusividade com fornecedores, no processo que trata da construção da Hidrelétrica de Santo Antônio e Jirau em 2010.

A história da empresa começa com a chegada de Emil Odebrecht ao Brasil, em 1856. Em terras tropicais, o engenheiro alemão trabalhou na construção de estradas no sul do país. Tempos depois, seu neto Emílio Odebrecht fundou uma empresa neste ramo em Recife, em 1923. O negócio faliu, mas inspirou o bisneto Norberto Odebrecht a fundar a Construtora Norberto Odebrecht.

Hoje, a Odebrecht possui mais de R$ 142,3 bilhões em ativos, de acordo com seu último relatório financeiro. Ao todo, são mais de 175 mil funcionários trabalhando em 25 países dos cinco continentes, sendo 27% estrangeiros. A companhia atua em diversos setores, como petróleo, agronegócio, meio ambiente, defesa, transporte, finanças, entre outros. Apesar de reconhecida principalmente como empreiteira, grande parte de sua receita não vem do ramo de construções ou do mercado imobiliário, mas por meio do refino do petróleo brasileiro – mantendo íntima e polêmica relação com a Petrobras.

No final do ano passado, por exemplo, veia à tona a suspeita de superfaturamento em um contrato de US$ 825 milhões com a petrolífera: ali constavam coisas como o valor R$ 7,2 milhões para aluguel de três máquinas de fotocópias e R$ 22 mil como salário mensal de um pedreiro nos Estados Unidos, segundo documentos obtidos pela Agência Estado.

Edifício-sede da Petrobras: obra que marcou o início da atuação da Odebrecht no Sudeste – Foto: Rodrigo Soldon
Edifício-sede da Petrobras: obra que marcou o início da atuação da Odebrecht no Sudeste – Foto: Rodrigo Soldon

O estreitamento de laços entre a Odebrecht e a Petrobras deve muito a um Emílio, mas não aquele da família Odebrecht. Embora tenha realizado a primeira obra para a Petrobras – um oleoduto na Bahia – no mesmo ano em que a empresa nasceu, em 1953, – o que define como início de uma importante parceria que perdura até hoje em seu site, a empresa não era mais que uma empreiteira regional de pequeno porte até o início da ditadura militar. A partir de então as coisas mudaram – e rápido, em especial após o governo de Emílio Médici (1969-1974).

Para o historiador Bernardo Galheiro, sua chegada ao poder (1969-1974) estava ligada a uma conciliação entre os interesses de empresários paulistas e baianos. “Na época, a Odebrecht era ligada com outros setores da burguesia baiana, como o grupo Rocha Miranda, família Calmon de Sá e a família Mariani. No governo Médici, eles passaram a dividir o assento do aparato estatal com a burguesia de São Paulo. No de Geisel, assumem o comando”, diz.

“Quando Geisel assume a presidência da Petrobras, ainda no Governo Médici, ele passa a contratar sistematicamente a Odebrecht; quando assume a presidência do país [1974-1979], a empresa dá um salto”, confirma Pedro Campos, que pesquisou a ascensão das empreiteiras no regime militar. Os números do período não deixam dúvida: em 1971, a empresa era a 19ª maior construtora do país; dois anos depois alcançava o terceiro lugar.

Reprodução da tese “A ditadura dos empreiteiros” de Pedro Campos
Reprodução da tese “A ditadura dos empreiteiros” de Pedro Campos

Não por acaso, o primeiro projeto da Odebrecht fora do Nordeste ocorre naquele período, a construção da sede da Petrobras no Rio. Um marco não apenas da expansão da empresa, mas da aproximação que seria decisiva para a futura diversificação de seus negócios. Durante a década de 1970, a Odebrecht assumiu obras importantes, como o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, o campus da Universidade da Guanabara (atual UERJ) e a Usina Nuclear de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

Com o fim do “milagre econômico”, veio a retração dos investimentos públicos em obras. Então, já como uma das maiores empreiteiras do país, a Odebrecht passa a comprar empresas no setor petroquímico. Segundo o site da companhia, “a estratégia adotada pela Odebrecht para construir uma petroquímica brasileira líder no setor na América Latina envolveu uma série de outras aquisições. Muitas possibilitadas pelo Programa Nacional de Desestatização, iniciado na década de 90, no qual o Governo Federal vendeu participações em empresas da área”. Reunindo todas as empresas do ramo incorporadas, em 2000 a Odebrecht cria a Braskem.

No Governo Lula, a Braskem consolidou o domínio do setor petroquímico no Brasil, tendo a Petrobras e o BNDES como acionistas do negócio. Concorrendo apenas com empresas estrangeiras, em um país com um dos maiores impostos do mundo para importação de resinas termoplásticas, a Braskem controla o preço de derivados de petróleo. No ano passado, em requerimento para a redução das taxas de importação, o deputado Sandro Mabel (PMDB) considerou a Braskem um “monopólio com mais de 80% do mercado de resinas termoplasticas”, cujo poder de mercado cria “inflação nos produtos que são consumidos pela classe mais necessitada”.

A Odebrecht vem recebendo seguidamente financiamentos bilionários do BNDES: entre 2004 e 2013, a Fundação Odebrecht, a construtora e a Odebrecht Óleo e Gás receberam juntas mais de R$ 498 milhões, segundo levantamento feito pela reportagem com dados obtidos no site da empresa e por Lei de Acesso à Informação. Mas a preferida do BNDES é a Braskem: apenas entre 2008 e 2013, esta empresa do grupo recebeu mais de R$ 4,1 bilhões em empréstimos. A Odebrecht é ainda a maior beneficiada com desembolsos do BNDES para operações de exportação. Entre 2009 e março de 2014, foram repassados mais de U$ 5 bilhões para a empresa.

Foto: Mila Cordeiro / Governo da Bahia
Foto: Mila Cordeiro / Governo da Bahia

Recentemente, a família entrou também no setor armamentício, com a Odebrecht Defesa e Tecnologia, que “concebe, implanta, integra e gerencia tecnologias e produtos de uso militar e civil”. Entre 2007 e 2010 o orçamento do Ministério da Defesa aumentou 45%. E a Odebrecht foi uma das maiores beneficiadas  pelos investimentos na Marinha. Junto com a empresa francesa DCNS abocanhou um contrato de R$ 21 bilhões – sem licitação – para a construção do submarino nuclear brasileiro, a ser entregue em 2023, além quatro submarinos convencionais.

Mesmo após deixar a presidência, Lula continua fortalecendo a empresa dentro e fora do país. Em viagem oficial o ex-presidente escalou um executivo da Odebrecht para a comitiva que representaria o país na Guiné Equatorial. De acordo com levantamento da Folha de São Paulo, feito em março de 2013, a Odebrecht, OAS e Camargo Corrêa pagaram quase metade das viagens internacionais de Lula, após deixar a presidência, até aquela data.

Segundo Emílio Odebrecht Jr, sua aproximação com Lula começou em 1992, quando Mário Covas apresentou um ao outro. Em 2008, o empresário afirmou que o encontro gerou “uma relação extremamente gratificante” e sentenciou: “O presidente Lula não tem nada de esquerda, nunca foi de esquerda”.

Três anos depois, na apresentação do projeto do Itaquerão – construído também pela empresa – o mesmo Emílio Odebrecht saudou a chegada de Lula exclamando: “Meu chefe!”.

Leia mais: Um jogo para poucos

Adriano Belisário realizou a pesquisa em parceria com o o projeto “Quem São Os Proprietários do Brasil?

Infografista:

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