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Checagem

Quem ganha mais consegue se aposentar mais cedo?

Checamos a afirmação do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de que quem ganha mais consegue atingir primeiro os 35 anos de contribuição à Previdência

Checagem
7 de março de 2017
12:36
Este artigo tem mais de 7 ano
Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, durante palestra no Fórum Econômico Mundiall
Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, durante palestra no Fórum Econômico Mundial. Foto: Ciaran McCrickard/Fórum Econômico Mundial

“A experiência brasileira vem demonstrando que os trabalhadores que conseguem atingir 35 anos de contribuição mais cedo são justamente aqueles que são mais qualificados e ocupam pos­ições com maior remuneração e melhores condições de trabalho, possuindo maior estabilidade ao longo de sua vida laboral.” – Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, em mensagem enviada ao Congresso Nacional junto à proposta de reforma da Previdência

Uma das metas da reforma da Previdência proposta pelo governo Michel Temer (PMDB) é estabelecer a idade mínima de 65 anos para que homens e mulheres possam se aposentar. Como complemento à medida, está previsto o fim da aposentadoria por tempo de contribuição. Nessa modalidade, os trabalhadores podem entrar com o pedido do benefício após 30 ou 35 anos de trabalho – para mulheres e homens, respectivamente –, sem necessidade de atingir uma idade mínima.

Junto à Proposta de Emenda à Constituição nº 287 de 2016 (PEC 287/2016) – como foi batizada a reforma da Previdência na Câmara dos Deputados –, o governo Michel Temer mandou aos parlamentares uma mensagem do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. O documento traz um diagnóstico do sistema e justificativas para as alterações encaminhadas, como costuma acontecer em projetos de iniciativa do poder Executivo.

Em um dos trechos do texto, Meirelles argumenta que a aposentadoria por tempo de contribuição beneficia, sobretudo, os trabalhadores mais bem qualificados e mais bem remunerados. “A experiência brasileira vem demonstrando que os trabalhadores que conseguem atingir 35 anos de contribuição mais cedo são justamente aqueles que são mais qualificados e ocupam posições com maior remuneração e melhores condições de trabalho, possuindo maior estabilidade ao longo de sua vida laboral”, escreveu.

Se seguirmos a lógica do ministro, os trabalhadores com menores rendimentos contribuem menos para a Previdência do que os mais bem remunerados e têm maior rotatividade no mercado de trabalho. As pessoas que se aposentam precocemente têm, em sua maioria, rendas mais elevadas. E os benefícios pagos aos aposentados por tempo de contribuição são maiores do que os pagos aos aposentados por idade. Será que isso acontece mesmo?

O Truco – projeto de checagem da Agência Pública – pediu as fontes da afirmação ao Ministério da Fazenda. Segundo a assessoria de imprensa da pasta, a frase baseou em estudos sobre a Previdência. Foi encaminhada à reportagem a monografia Impacto Fiscal da Demografia na Projeção de Longo Prazo da Despesa com Previdência Social, publicada em 2016. Após processar microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2014, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os autores do estudo concluíram que 57,2% dos aposentados precoces – homens de 45 a 59 anos e mulheres de 45 a 54 anos – estavam entre os 30% com maiores rendas familiares per capita. Apenas 7,6% das pessoas aposentadas nessa idade estavam entre os 30% mais pobres.

Crítica ao modelo previdenciário brasileiro, a monografia defende que o país “tem idade mínima para os trabalhadores de menor rendimento, que se aposentam por idade aos 65/60 anos ou pelo BPC/LOAS [benefício para idosos de baixa renda e pessoas com deficiência] aos 65 anos, mas não tem idade mínima para os trabalhadores de maior rendimento que se aposentam com idades na faixa dos 50 anos e com aposentadorias de valor mais elevado”, sustentam os autores.

Igualmente indicado pela assessoria do Ministério da Fazenda, o artigo Os mitos previdenciários no Brasil também analisou dados da Pnad 2014 e concluiu que “entre os 10% mais pobres apenas 12,8% contribuem para a Previdência Social; entre os 10% mais ricos, são 83,2%”. O texto também mostra que, quanto menor a renda familiar, maior o número de jovens de 16 a 20 anos desempregados, e menor o percentual de contribuição para a Previdência.

“Os mais pobres entram no mercado de trabalho de maneira muito mais precária, com alto nível de desemprego e informalidade e, portanto, níveis muito baixos de contribuição previdenciária. Quem se beneficia fundamentalmente das aposentadorias por tempo de contribuição são os trabalhadores de maior nível relativo de qualificação/renda, pois têm maior probabilidade de acumular 35/30 anos de contribuição”, conclui o artigo.

Os estudos encaminhados pela assessoria do Ministério da Fazenda indicam, portanto, que trabalhadores de rendas mais elevadas integram a maioria dos aposentados precoces. Também mostram que os trabalhadores com menores rendimentos contribuem menos para a Previdência.

Rotatividade

Duas dúvidas, no entanto, ainda ficaram sem resposta: o grau de rotatividade no mercado de trabalho, conforme a renda; e a diferença de valor dos benefícios pagos aos aposentados por tempo de contribuição e por idade. Examinamos os dados do Ministério da Previdência Social para ver o que eles dizem. As informações são relativas ao Regime Geral da Previdência Social, que é de filiação obrigatória para todo trabalhador, excluindo os militares e os servidores públicos efetivos civis, que têm regimes próprios para a aposentadoria.

Foi consultada a Base de Dados Históricos da Previdência Social, de onde extraímos dados sobre os contribuintes à Previdência que estavam empregados em 2014 (último ano disponível). O gráfico abaixo mostra a relação entre o total de contribuintes que tiveram pelo menos um vínculo empregatício em qualquer mês daquele ano e a média mensal daqueles que estavam trabalhando. Idealmente, se todos os contribuintes tivessem mantido vínculo durante os 12 meses do ano, o índice seria 1 – o que não acontece, além do desemprego, devido a óbitos e mesmo a aposentadorias, por exemplo. Quanto maior o indicador, maior o número de pessoas que não estiveram empregadas o ano todo.

Os dados revelam que os contribuintes de menores rendimentos – contados em pisos previdenciários, que equivaliam ao salário mínimo em 2014 – estavam integrados a um mercado de trabalho mais instável. Para aqueles que recebiam até um salário mínimo naquele ano, o índice foi de 2,35. Na faixa salarial seguinte, de 1 a 2 salários mínimos, o índice foi de 1,33 – foram 21,8 milhões de empregados por mês, em média, de um total de 29,04 milhões de pessoas que registraram pelo menos um vínculo, ou 33% a mais. Somadas as demais faixas salariais, acima de dois salários mínimos, o índice cai para 1,13. O indicador não ultrapassa 1,18 em nenhuma das faixas salariais mais elevadas, evidenciando uma estabilidade muito mais alta no emprego.

Mais uma vez os dados mostram as distinções entre os trabalhadores de diferentes faixas salariais. Aqueles que ganham até um salário mínimo têm índice de rotatividade 108% maior do que os que ganham acima de dois salários. Já para quem ganha de um a dois mínimos, o índice é 18% maior que na média das categorias de rendimentos superiores. Ou seja, quanto menor a remuneração, maior a rotatividade no mercado de trabalho e mais difícil fica contribuir regularmente para a Previdência e se aposentar por tempo de serviço.

Valor da aposentadoria

Se os trabalhadores mais bem remunerados contribuem mais regularmente com a Previdência, e tendem a se aposentar por tempo de serviço, como afirmou o ministro Meirelles, é de se esperar que o valor dos benefícios recebidos por esse grupo seja, em média, superior ao que recebem as pessoas que se aposentam por idade.

O segundo indicador consultado pelo Truco foi extraído do Boletim Estatístico da Previdência Social de outubro de 2016. Os 5,7 milhões de aposentados por tempo de contribuição custam, juntos, 15% a mais do que os 10 milhões de aposentados por idade. Em média, cada pessoa do primeiro grupo recebe mensalmente R$ 1.819,34, enquanto as do segundo ganham menos da metade, R$ 887,85.

Os dados indicam, mais uma vez, que o ministro está certo. Embora, em média, não sejam remunerações elevadas, os maiores salários estão entre os aposentados por tempo de contribuição. Em parte, as próprias regras do sistema contribuem para isso. Os trabalhadores que optam pelo Plano Simplificado da Previdência Social – no qual as alíquotas mensais são mais baixas, de 11% do salário e não 20% – perdem o direito de se aposentarem por tempo de contribuição. Além disso, pagando menos, também receberão menos.

Conclusão

Com base nos dados dos estudos apresentados pela assessoria do Ministério da Fazenda e nos dados compilados pela reportagem, pode-se dizer que os trabalhadores com pior remuneração – até dois salários mínimos – possuem maior rotatividade no mercado de trabalho e contribuem com menor frequência para a Previdência do que aqueles mais bem pagos. Assim, enquanto os primeiros enfrentam mais dificuldades para acumular tempo de contribuição, os últimos têm mais chances de se aposentar mais cedo e de receber benefícios de maior valor, o que foi confirmado pelos dados.

A maioria (57,2%) dos aposentados precoces está entre os 30% com maiores rendas familiares, sendo mínima (7,6%) a participação dos 30% mais pobres neste grupo. Além disso, os aposentados por tempo de contribuição recebem, em média, o dobro do benefício pago aos aposentados por idade.

A análise dos quatro inicadores disponíveis mostra, portanto, que o raciocínio do ministro está correto: o valor médio do benefício por tempo de contribuição é maior do que por idade, o que mostra o maior peso dos trabalhadores mais bem remunerados no primeiro grupo. O mercado de trabalho é marcado por maior informalidade e desemprego para os trabalhadores com menores remunerações, o que dificulta a contribuição regular para a Previdência e faz com que eles se aposentem mais tarde. Por isso, classificamos a frase analisada como verdadeira.

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Truco

Este texto foi produzido pelo Truco, o projeto de fact-checking da Agência Pública. Entenda a nossa metodologia de checagem e conheça os selos de classificação adotados em https://apublica.org/truco. Sugestões, críticas e observações sobre esta checagem podem ser enviadas para o e-mail truco@apublica.org e por WhatsApp ou Telegram: (11) 99816-3949. Acompanhe também no Twitter e no Facebook. Desde o dia 30 de julho de 2018, os selos “Distorcido” e “Contraditório” deixaram de ser usados no Truco. Além disso, adotamos um novo selo, “Subestimado”. Saiba mais sobre a mudança.

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