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Reportagem

Peru: Fedor de peixe

Como o ex-ministro da Produção e recente candidato fujimorista, Rafael Rey, utilizou consultores pagos pelos maiores empresários pesqueiros para elaborar a lei do setor. Adivinhem quem aumentou seus lucros.

Reportagem
1 de agosto de 2011
12:16
Este artigo tem mais de 13 ano

No mar peruano, a espécie mais caçada do mundo, a anchova, segue alimentando fortunas fabulosas. Apenas 1% da cota anual de anchovas no país está valorizado em 100 milhões de dólares, ou seja, uma cota de 10 bilhões de dólares.

Por isso, nos últimos anos, o mar se congestionou com mais de 1.200 embarcações para capturar a maior quantidade de anchovas nas então breves temporadas de pesca. Era uma anarquia flutuante que exigia uma regulação imparcial do Estado.

Porém, a norma que reformou o setor teve um problema: os interessados mais poderosos foram os que pagaram o estudo que fundamentou a lei. Além disso, os consultores dos pesqueiros terminaram atuando como assessores do então ministro da Produção, Rafael Rey. Como foi o acordo? Quem pagou? Eis a história

Em abril de 2007, iniciou-se outra temporada de pesca em Chimbote. Para os empresários mais importantes do setor, o fedor de peixe podre era melhor que o aroma de rosas. Ao mesmo tempo, foi o ano em que esses empresários puseram em marcha um plano para proteger seu negócio regulando o altamente rentável setor.

O preço da farinha de anchova havia aumentado a mil dólares por tonelada. Pouco tempo depois chegou a mil e quinhentos dólares a tonelada.

Nesse cenário, em 2007 o Ministério da Produção começou a discutir primeiro com os empresários a mudança do sistema de pesca mediante a designação de uma cota fixa a cada navio autorizado, uma proposta que começou a ser debatida nos anos 90 pela primeira vez, mas sem resultados.

Dessa vez, as companhias pesqueiras contrataram a conhecida Apoyo Consultoría para fazer um informe técnico que estabeceleu o novo regime e que ficaria refletido no decreto legislativo 1084.

IDL-Reporteros, parceiro da Pública, teve acesso a fontes do setor empresarial e do ministério que confirmaram que os consultores de Apoyo atuaram nos momentos chave da elaboração e defesa do decreto como assessores do então titular do setor, Rafael Rey.

As companhias que pagaram à Apoyo concentram mais de 60% dos direitos de pesca e de fato dirigiram a elaboração de uma lei que regeria a divisão de cotas milionárias de pesca por uma década.

Rey aceitou essa posição de privilégio das companhias pese a que a situação exigia uma extrema imparcialidade do Estado.

Os financiadores

Pessoas vinculadas ao setor empresarial confirmaram que foram “as cinco ou seis pesqueiras mais importantes do setor” que fizeram uma bolsa comum para financiar o estudo da Apoyo. São elas: Tecnologia de Alimentos S.A. (Tasa), Corporação Pesqueira Inca (Copeinca), Austral Group, Diamante, Hayduk e Exalmar.

“Ele [Rey] foi comunicado sobre nosso trabalho pouco tempo depois de os empresários terem nos convocado, no verão de 2007”, confirmou ao IDL-R Gianfranco Castagnola, presidente executivo da Apoyo Consultoría, depois de ratificar que, de fato, foram as cinco ou seis empresas mais sólidas do setor.

O economista, que além de líder da Apoyo, é membro do diretório da Austral, uma das empresas favorecidas pela norma, assegurou que, para os empresários, era muito importante que Rey aceitasse a contratação de Apoyo para seguir adiante. Ele era o chefe político.

Rey admitiu, em entrevista telefônica com o IDL-R, parceiro da Pública, que se reuniu com a Apoyo desde o início da elaboração do estudo, mas ainda assinalou que foi ele quem convocou Castagnola e sua equipe para dar-lhes “a tarefa” de fazer o informe e que logo depois eles buscaram o financiamento com os empresários. Maneira estranha de conseguir assessoria por parte do ministro.

“Disseram que conseguiriam a forma de cobrir os gastos, e foram os empresários que pagaram. Eu não quis me inteirar sobre quem pagava justamente para não ficar de mãos atadas”, assegurou Rey depois de admitir que conversou com os gerentes das empresas que financiaram o estudo, mas que evitou saber seus nomes. É possível que um ministro reúna-se com os representantes das companhias mais importantes do setor sem saber como se chamam?

Entre dezembro de 2007 e janeiro de 2008, a Apoyo apresentou a Rey a primeira versão do estudo e, segundo Castagnola, pouco tempo depois o ministro lhe pediu que o ajudasse a sustentar o projeto em reuniões com os sindicatos e outros atores que deveriam opinar sobre a norma. Em suma, les propunha atuar como assessores do despacho ministerial pagos pelo setor privado com maior interesse no tema.

A comitiva

Em 1º de julho de 2008, Rey foi à Comissão de Produção do Congresso para defender a norma que já havia sido aprovada e desafiou a todos assegurando que não lhe interessava saber quem havia financiado o estudo da Apoyo.

Estava acompanhado de uma comitiva integrada por funcionários do ministério, executivos da Apoyo, Castagnola e Hugo Santa María e o advogado Aurelio Loret de Mola, ex ministro da Defesa, que se sentou a seu lado para defender a constitucionalidade do decreto.

Quem pagava os serviços de Loret de Mola? No orçamento de 2007 e 2008 do Ministério da Produção, não aparece nenhuma contratação de seus serviços, tampouco a da Apoyo. O secretário geral de então, Marcelo Cedamanos, confirmou isso à reportagem.

Na realidade, Loret de Mola havia sido contratado pela Sociedade Nacional de Pescaria. Assegurou que foi ao Congresso acompanhando o  ministro porque ele pediu e que só participou da discussão depois da aprovação da norma.

Mas fontes que presenciaram a elaboração da norma asseguraram ao IDL-R que Loret de Mola foi ao Ministério da Produção pelo menos em quatro oportunidades acompanhando a equipe da Apoyo antes da promulgação do decreto.

“Assumimos o assunto como pessoal e dissemos que era tão importante para o setor que seria preciso levá-lo adiante. Foi um pedido de Rey não pago pelo Ministério de Produção (…) A relação contratual sempre foi com esse grupo de empresas”, disse Castagnola.

O economista acrescentou que a Apoyo foi consequente, porque desde os anos 90 defendeu o sistema de cotas e que é uma “prática usual que os setores privados apresentem propostas” aos governos.

Na mesma linha, Rey considerou que havia feito um favor ao país em não gastar recursos do Estado para a elaboração do estudo e que se seu ministério tivesse dinheiro, teria contratado a Apoyo mesmo sabendo que Castagnola é executivo da quarta empresa pesqueira mais importante do setor.

Mas é ético que um ministro se guie pelo assessoramento de um grupo interessado, e, assim, depois dialogue com os setores opositores como fez Rey? A lei do código de ética da função pública sanciona os funcionários que defendam os interesses de terceiros, mas lamentavelmente o castigo não alcança os ministros. “Essa foi uma grande dificuldade que tivemos que enfrentar na Controladoria para investigar a corrupção”, disse ao IDL-R o ex-controlador Genaro Matute.

Faz-se a lei, faz-se o dinheiro

É tão certo que era preciso regular o setor pesqueiro quanto o fato de que as empresas que financiaram o informe da Apoyo aumentaram seus lucros. Há companhias que quase triplicaram seus lucros líquidos depois do decreto, como a Exalmar, que de 6,346 milhões de dólares em 2009 aumentou seus lucros para 17,418 milhões em 2010, segundo seu balanço financeiro entregue à Comissão Nacional Supervisora de Empresas e Valores.

O cenário também foi favorável para a Austral, que de 16,623 milhões de dólares em 2008 passou a registrar lucro líquido de 27,840 milhões no ano seguinte.

Além dos preços internacionais da farinha e do azeite de anchova favoráveis, os lucros cresceram devido à economia de custos operativos na redução da frota e do poder que adquiriram os donos de barcos que mantiveram sua cota histórica e subiram o preço da matéria-prima ao terem uma porcentagem segura de pesca. Assim, a tonelada de anchova passou a custar de 100 a 300 dólares em algumas temporadas.

O decreto consolidou o poder econômico das empresas que agora podiam associar-se para dividir, se quisessem, toda sua cota designada. Além disso, vários dos financiadores do informe da Apoyo se prepararam para a reforma e iniciaram uma onda de fusões e compras entre empresas para ter o maior número de plantas e direitos de pesca.

A Tasa, por exemplo, comprou 22 embarcações em 2008, em plena negociação do decreto, e, no ano seguinte, outras 35, segundo um informe oficial ao qual o IDL-R teve acesso. A Copeinca conseguiu transferir para seu nome 39 barcos adicionais em 2009, a Exalmar comprou 11 em 2008 e, pouco tempo depois, outras 35. A CFG Investment conseguiu adquirir em 2008 15 embarcações e outras 14 no ano seguinte.

“As cotas são a melhor solução para ordenar o setor, cuidar de sua sustentabilidade, proteger o meio ambiente, gerar melhor eficiência e, portanto, rentabilidade para os investidores e trabalhadores”, assinalou Samuel Dyer Ampudia, diretor da Copeinca, que está convencido que hoje o Estado “recebe como nunca na história da pesca grandes valores por causa do imposto à renda”.

Os donos das “vikings”, ou embarcações de madeira, que inicialmente se opuseram ao decreto também ganharam. Mas os donos de plantas mediadas ou pequenas que não tinham embarcações converteram-se em perdedores.

O investimento no informe da Apoyo formava parte de um plano financeiro das pesqueiras. E Rafael Rey, condecorado em dezembro do ano passado pela Sociedade Nacional de Pescaria, acabou sendo um grande aliado. Esse evidente conflito de interesses serviu para proteger a depredação da anchova, fiscalizar melhor o setor e melhorar a situação dos pescadores? As respostas estão na segunda parte desta reportagem, que será publicada na próxima semana no site do IDL-Reporteros e da Pública.

Clique aqui para ler a reportagem original, em espanhol.

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