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Projeções oficiais dos lucros esperados para a Copa de 2014 são superestimadas, afirma pesquisador

Entrevista
6 de novembro de 2012
10:54
Este artigo tem mais de 12 ano

Segundo o Ministério do Esporte, mais de 330 mil empregos permanentes e outros 380 mil temporários devem ser criados no Brasil até 2014, apenas por conta da Copa do Mundo. Os dados vêm de um estudo realizado pela consultoria Value Partners, contratada pelo próprio Ministério, e revelam um cenário otimista. Segundo a pesquisa, a Copa pode gerar lucros na ordem de R$ 185 bilhões para o país. O PIB brasileiro, ainda segundo a análise, pode ter um incremento médio anual de 0,26% até 2014. Tudo isso apenas em decorrência do megaevento.

Outro estudo, conduzido pela consultoria Ernst & Young e pela FGV Projetos, encomendado pela CBF, fala em uma movimentação econômica adicional de R$ 142,4 bilhões até 2014, na criação de 3,6 milhões de empregos por ano até a Copa e no aumento de arrecadação de impostos pelo governo na ordem de R$ 18,1 bilhões.

Os números e o otimismo do governo chamaram a atenção dos pesquisadores Marcelo Weishaupt Proni e Leonardo Oliveira da Silva, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Juntos, os economistas debruçaram-se sobre os estudos encomendados. O resultado foi o artigo “Impactos econômicos da Copa do Mundo de 2014: projeções superestimadas”, que você pode baixar em PDF AQUI. O  documento pretende, segundo os autores, mostrar que os benefícios econômicos esperados para a Copa foram superestimados nas projeções divulgadas.

O texto contrapõe as versões oficiais com um terceiro estudo independente, feito pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais (Cedeplar), da UFMG, que traz perspectivas bem mais modestas. No quesito geração de emprego, por exemplo, a pesquisa da Cedeplar fala em um aumento de apenas 0,5% por conta da Copa. Sobre o crescimento do PIB, o estudo estima um acréscimo de 0,7%.

Os pesquisadores da Cedeplar colocam ainda que os lucros para o país seriam maiores caso houvesse mais investimento privado na realização do evento, já que investimentos públicos implicam ou no crescimento da dívida pública ou na redução do gasto com outras prioridades.

Em entrevista ao Copa Pública, Marcelo Proni diz que o comprometimento desses estudos com o governo atesta contra sua credibilidade: “Eles [os estudos] podem até ser bem feitos, mas têm a finalidade de legitimar o que está sendo gasto.”

No seu artigo, você fala em estimativas exageradas por parte do governo com relação à Copa de 2014. De que forma isso acontece?
Quando os modelos oficiais calculam os lucros que a Copa do Mundo pode gerar, muitas vezes levam em conta o melhor cenário possível, onde tudo é constante, como se nada na economia variasse e só tivesse tanto de investimento e tanto de lucro. Mas existem outros fatores. Por isso, quando a gente olha para as experiências concretas, de edições passadas não só da Copa, como dos Jogos Olímpicos, observa que sistematicamente os lucros ficam muito aquém dessas projeções.

E quais seriam esses fatores?
Há várias coisas, algumas delas imprevisíveis. A Copa da África do Sul, por exemplo, aconteceu em um momento em que os países da Europa estavam passando por uma crise econômica muito forte. Então isso reduziu a receita com o turismo. O impacto sobre o emprego também é superestimado. É como se as empresas ao terem aumentado suas vendas, seu faturamento, fossem contratar mais empregados. Como se elas não pudessem produzir mais com o mesmo número de empregados e tivessem que, necessariamente, contratar mais gente. E não é assim que as coisas funcionam. Esses são dois exemplos mas existem outras variáveis. Seja na elevação da taxa de juros e uma restrição do crédito, uma variação na taxa de câmbio, etc. Estes estudos encomendados consideram que essas variáveis permanecem constantes. Os chamados custos de oportunidade também são importantes e não são calculados. Eles levam em conta a composição entre gasto público e gasto privado e o fato de que você pode, ao investir na Copa do Mundo, deixar de realizar outros investimentos que também dinamizariam a economia, muitas vezes até mais. Para ficar claro: uma coisa é um empresário que tinha dinheiro aplicado no sistema financeiro rendendo juros tirar esse dinheiro de lá e construir um hotel. Isso dinamiza a economia, gera empregos, impostos, renda. Outra coisa é o Estado investir na reforma de um aeroporto em vez de construir um hospital, por exemplo. Há o benefício resultante desse investimento do aeroporto, mas o Estado e a população deixam de ter o benefício que viria com a construção do hospital.

Você cita dois estudos oficiais apresentados pelo Governo Federal a respeito dos impactos da Copa, feitos pelas consultorias Value Partners e Ernst & Young, com projeções muito otimistas. E contrapõe com outro estudo feito pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais (Cedeplar), da UFMG, em que há uma projeção menos otimista. Qual dessas projeções está mais próxima da realidade?
Eu acho que o estudo do Cedeplar é um pouco mais realista até porque é indepentente, foi feito por iniciativa dos pesquisadores com base no orçamento inicialmente divulgado pelo Ministério do Esporte para a Copa. Dos outros dois, um foi encomendado pelo Ministério do Esporte (Value Partners) e outro pela CBF (Ernst & Young). Eles podem até ser bem feitos, mas têm a finalidade de legitimar o que está sendo gasto. É claro que os estudos encomendados não têm a obrigação de acertar 100%. A questão é o tipo de informação que eles fornecem e a análise que é feita pela sociedade.

Na Matriz de Responsabilidades da Copa, há obras que já estavam previstas no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Os estudos do governo contabilizam obras que já aconteceriam de qualquer forma como sendo “da Copa”?
Exatamente. Além disso, no Rio de Janeiro estão sendo feitas obras para a Copa que servirão também para os Jogos Olímpicos. Então geralmente há uma sobreposição: Os estudos da Copa falam também dos investimentos e lucros dos Jogos Olímpicos e vice-versa.

Você estudou experiências anteriores de realização da Copa do Mundo. A Copa, em geral, traz uma demanda de investimento que pesa muito ou pouco na economia?
Se você pega, por exemplo, a Alemanha, que é uma economia grande, o impacto econômico gerado pelo investimento na Copa de 2006 foi muito pequeno. Assim como nos Estados Unidos, quando teve a Copa do Mundo lá, em 1994. O impacto foi mínimo porque é uma economia muito grande.
Agora, no caso da África do Sul, que é uma economia em desenvolvimento, a Copa poderia gerado mais benefícios, principalmente quando você olha para o volume de gastos. No caso do Brasil, é claro que para algumas cidades, o legado econômico vai ser maior. Para o Rio de Janeiro, por exemplo, o legado da Copa e dos Jogos Olímpicos vai ser importante, mas para a economia do país como um todo, não.

Que legado esperar então da Copa do Mundo no Brasil?
É muito difícil mensurar isso. Acho que a Copa poderia ajudar, por exemplo, a alavancar o turismo internacional, mas a gente não sabe se isso vai acontecer. Na questão da infraestrutura, nós temos alguns investimentos que não estão sendo feitos exatamente por causa da Copa, mas que, se não fosse a Copa, não sairiam do papel. Então também existe esse efeito positivo, o de viabilizar outros projetos. Assim como há coisas que podem deixar de ser feitas por causa da Copa, porque vai faltar investimento em outras áreas. A minha opinião pessoal é que você vai ter alguns setores econômicos que vão se beneficiar bastante e outros que não. Outros, inclusive, podem até eventualmente ser prejudicados pela Copa.

E quais seriam os setores beneficiados e quais os prejudicados na sua opinião?
Beneficiados seriam os escritórios de arquitetura, hotéis, as empresas do ramo da construção civil e agências de turismo. Alguns setores, por outro lado, ficarão de fora. Quando você reforma os aeropostos e deixa de investir em rodoviárias, por exemplo, está deixando um setor de lado. Além disso, algumas cidades vão ganhar mais e outras menos.

Então a Copa não pode contribuir para aprofundar as desigualdades regionais do Brasil?
Pode sim. Por isso é importante termos políticas públicas que procurem compensar este quadro. Porque essa diferença de investimentos já está acontecendo. Precisamos de uma política de desenvolvimento regional e industrial que aponte regiões que não estão sendo contempladas pela Copa. Isso depende muito da gestão política – aliás essa é mais uma discussão política do que econômica. É preciso que se realize uma discussão política para legitimar e viabilizar outros investimentos que atendam regiões que estão ficando de fora dessa rota de investimentos da Copa. Do contrário, você apenas fortalece ou reproduz a desigualdade regional que já existe. A mesma coisa acontece com a desigualdade social. Na África do Sul, por exemplo, a Copa do Mundo reforçou a desigualdade social. Todos os investimentos ajudaram mais a classe média. Não houve investimento em saneamento básico, educação, saúde, em coisas mais importantes para essa população que, em geral, não usa aeroporto.

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