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Reportagem

A história se repete: omissão do Estado ameaça a vida de Laísa

Jurada de morte, irmã de Maria – assassinada com o marido no Pará – luta por proteção do governo enquanto o acusado pelo crime recebe lote do INCRA no assentamento em que vive

Reportagem
7 de março de 2013
12:00
Este artigo tem mais de 11 ano

Pouco mais de 100 quilômetros separam o assentamento Praialta Piranheira de Marabá, a capital da mineração no sudeste do Pará. Nas margens da PA-150, asfaltada e esburacada, as marcas do desmatamento estão em toda parte, incluindo nos arredores de Nova Ipixuna, onde prevalecem a criação de gado, as madeireiras, as carvoarias.

À medida que adentramos na vicinal de terra que leva ao único assentamento agroextrativa do Sul do Pará, a floresta se adensa, entremeada por pastos, clareiras de extração de madeira e areia, fornos de carvão. Em 1997, quando o assentamento foi criado, mais de 80% da cobertura vegetal estava preservada. Daí a opção por delimitar lotes maiores – cerca de 80 hectares – para que castanheiros e coletores de frutas como o açaí e a andiroba seguissem vivendo do jeito que aprenderam com seus pais, preservando a mata, interrompida apenas pelas casinhas, os pequenos açudes, as roças e pomares familiares.

A professora Laísa Santos Sampaio, 45 anos, é filha de castanheiros como sua irmã, Maria do Espírito Santo, assassinada em maio de 2011 com o marido, José Cláudio Ribeiro. Laísa recebeu a Pública em julho do ano passado para contar a sua história. Na casinha acolhedora entre as árvores não há água encanada nem banheiro, mas ela e o companheiro, José Maria Sampaio, o Zé Rondon, escolheram viver ali e lutar por aquela terra, cada vez mais ameaçada pelos que se aproveitam do abandono do governo federal – e da consequente pobreza dos assentados – para invadir lotes, expulsar famílias, convencer os lavradores a vender as árvores para extrair madeira de lei e queimar carvão.

Duas das filhas do casal trazem o caldeirão de açaí já fresco, as mandiocas fritas, o abacaxi doce fatiado. “É tudo daqui”, orgulha-se Laísa, enquanto a menina mais velha torce o nariz: “Aqui tudo é um sacrifício, tem de buscar água todo dia”, diz, explicando que prefere Marabá, onde estuda. Dos banhos de açude ela gosta, conta, revelando que tem um animal de estimação: um jacaré cego, que é  alimentado por ela já que leva sempre a pior na competição pela pesca e caça.

As meninas estão assustadas. O assassinato dos tios faz com que levem a sério os bilhetes ameaçadores colocados na porta de casa, os recados que os vizinhos levam para os pais. Duas cachorras bravas, amarradas durante o dia, foram adquiridas depois que o antigo cachorro apareceu morto – recado típico dos pistoleiros do Pará aos que atrapalham os “negócios” de seus patrões.

Maria e José Cláudio eram visados há tempos. Militantes pela reforma agrária com a preservação da floresta, denunciavam os madeireiros e angariavam também a antipatia de outros assentados, que sobrevivem do comércio ilegal de carvão e da madeira – os projetos agroextrativistas e as roças não vão para frente sem o necessário apoio do Incra. Os dois não desistiam de implantar o projeto original.

O estopim da morte do casal foi a luta contra um grileiro que volta e meia expulsava as três famílias que ocupavam uma área que ele alegava ser sua – embora nada plantasse ali, interessando-se apenas pela derrubada da mata. Mesmo com a prisão de três dos acusados pelo homicídio duplamente qualificado, mandantes e parentes continuam no assentamento e chegaram a ameaçar Laísa na escola em que ela dava aula para a criançada, incluindo os filhos deles.

No último dia 2 de março, Antonia Nery da Silva, mulher de José Rodrigues Moreira, réu do processo, obteve do Incra a posse legal da terra, apesar desse histórico. Em nota, o Incra disse que o processo administrativo ainda não está concluído.

A irmã de Maria e sua família continuam a viver no mesmo local dos assassinos, sem nenhum tipo de proteção legal.

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