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Prefeitura e Estado firmam convênio para acelerar obras em torno do estádio; mudanças viárias prioritárias para a região são deixadas de lado

Reportagem
5 de abril de 2013
09:00
Este artigo tem mais de 10 ano

Quem passa diariamente de carro em frente à área do futuro estádio do Corinthians, em Itaquera, zona leste de São Paulo, desde o ano passado, tem que dividir espaço com escavadeiras, caminhões cheios de terra e operários. Em ritmo acelerado, as máquinas e os homens correm contra o tempo para tirar do papel as obras de adequação viária no entorno do futuro palco de abertura da Copa do Mundo 2014.

A reportagem da Pública andou pela Nova Radial (Avenida José Pinheiro Borges) – que liga o centro da cidade à Itaquera – na última terça-feira, dia 26 de março -, e viu diversos canteiros de obra em torno do estádio a todo vapor. Seguindo um pouco mais adiante pela mesma avenida no sentido Guaianases, porém, o cenário é diferente.

No encontro da avenida com a Rua Porto Amazonas, a cerca de 4,5 km à frente, há mais um canteiro de obras, mas o ritmo ali é outro. “Obra em andamento mesmo você vai achar mais pra lá, na frente do estádio”, informou à reportagem um operário de nome João. “Aqui a gente está mesmo levantando acampamento. Não tem mais verba pra continuar. Vamos deixar isso como está até eles liberarem a verba.” Atrás dele, outros operários uniformizados andavam sem pressa entre a terra vermelha e pedaços de concreto com armação exposta. E confirmaram a informação de João.

A obra semi-abandonada, porém, é prioritária para os moradores da zona Leste. Como parte das 16 intervenções destinada a prolongar a Radial Leste, que faz a ponte entre os mais de 4 milhões de habitantes da zona leste e o centro da cidade.

“Como a oferta de emprego não é suficiente para o contingente populacional que existe ali, o movimento pendular é muito grande. As pessoas estão sempre indo e vindo, em trânsito, do bairro para o centro, onde estão os postos de trabalho”, explica o engenheiro de trânsito Sérgio Ejzenberg.

Em 2007, por meio da Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras (SIURB), o governo municipal finalizou um projeto para a realização de melhorias viárias ao longo da Nova Radial Leste entre os bairros de Artur Alvim e Guaianases. Mas a execução dessas obras vem sofrendo seguidos atrasos por motivos diversos  – desde a impugnação do edital de concorrência pelo Tribunal de Contas do Município até a alegada falta de verbas. Veja o quadro com a relação destas obras abaixo:

Obras contratadas pela SIURB

• Canalização do córrego Verde e trechos do córrego Chá dos Jesuítas

• Construção de alças de acesso da rua Monsenhor Agnelo – Marginal

• Construção do viaduto Guaianases e sistema viário

• Implantação da 3ª paralela e de mais uma pista da av. Nova Radial

• Viário de apoio da av. do Contorno

• Viário de apoio a Inajar Guaçu (Marginal)

• Ligação rua Alfredo Costa

• Implantação de pista ligando a rua Salvador Gianeti com a estrada de Poá

• Implantação de pontilhão da Quinta de São Miguel

• Implantação de pontilhão da rua Boa Vitória e rua Benedito Leite Ávila

• Implantação de uma passagem inferior sob a av. Radial Leste

• Implantação de via ligando a Nova Radial Leste à av. Águia de Haia

• Implantação de viaduto na confluência da antiga Radial Leste com a Nova Radial Leste – Metrô Itaquera – próximo ao túnel Odon Pereira

• Ligação Itinguçú – rua José Giordano

• Rua Cristina Baumann: recuperação de aproximadamente 130m de extensão do pavimento;

• Rua Porto Amazonas: alargamento da rua com implantação de aproximadamente 100m de pista simples, incluindo drenagem e pavimentação.

O que se constata, porém, é que as verbas que faltam ali foram alocadas para as obras no entorno do estádio, após a formalização de um convênio entre Prefeitura e Governo do Estado de São Paulo, em abril de 2011, para dinamizar obras viárias relacionadas à Copa. A Prefeitura entrou com R$ 132.300.000,00, valor quase idêntico àquele que seria destinado para as 16 obras de prolongamento da Radial Leste.

Três vezes mais dinheiro para três vezes menos gente

Essas obras na Radial Leste englobam quatro subprefeituras: São Miguel, Penha, Itaquera e Guaianases. Segundo dados do Censo de 2010 do IBGE, a população somada dessas regiões é de 1.636.511 pessoas. Já as obras do convênio entre Prefeitura e Governo do Estado afetam somente a área do estádio, dentro da subprefeitura de Itaquera, com população de 523.848 habitantes, segundo o mesmo Censo.

Mas, apesar da disparidade de dimensões, o valor das obras entorno do estádio é mais de três vezes superior ao valor das obras consideradas prioritárias para a população. Para o convênio são R$ 478.200.000,00 (R$ 345.900.000,00 provenientes do Estado e R$ 132.300.000,00 da Prefeitura); as obras de prolongamento da Radial Leste foram contratadas por aproximadamente R$ 131 milhões.

Uma epopeia que ainda não acabou nas obras prioritárias

A epopeia das intervenções na Radial começou em 27/12/2007, quando seis concorrentes manifestaram interesse em realizar as obras. Após uma série de interposições de recursos e medidas administrativas, a Comissão Permanente de Licitação (CPL) da SIURB declarou habilitadas duas concorrentes: o Consórcio Pontal Leste (formado pelas empresas OAS, S.A. Paulista e EIT) e a Constran S/A Construções e Comércio. Em junho de 2008, a SIURB homologou a decisão da CPL. Dois meses depois, um memorando assinado pelo então secretário adjunto da SIURB, Marcos Penido, definiu as intervenções viárias que integrariam a licitação (veja o quadro abaixo), como a canalização de 2,6 km dos córregos Verde e Chá dos Jesuítas, a construção de um viaduto em Guaianases, dois pontilhões e de uma nova pista de 1,4km na Nova Radial, etc. As intervenções iriam até a estrada de Poá, nos limites do lado leste da capital.

Em 8 de agosto de 2009, foi lançado o edital, definindo prazo até 14 de setembro do mesmo ano para que as propostas das duas concorrentes pré-qualificadas (Consórcio Pontal Leste e Constran) fossem apresentadas à SIURB. Mas, dois dias antes do final do prazo, o Diário Oficial publicou um ofício do Tribunal de Contas do Município pedindo a paralisação da concorrência por problemas técnicos no edital de licitação. A concorrência foi então paralisada, sem previsão de volta.

Neste leito ferroviário deveria passar uma nova via de ligação entre a Avenida Itinguçu (à esquerda da imagem) e a Rua José Giordano, que está mais à frente. Obra nem começou (Foto: Saulo Tomé)

Só seria novamente aberta em agosto de 2010, depois de uma reunião entre representantes de associações de moradores e do comércio de Itaquera – favoráveis às obras – e membros do TCM, mediada pelo vereador Paulo Frange (PTB-SP) e pelo então subprefeito de Itaquera, Roberto Tamura. O empresário Eduardo Pinheiro Borges, vice-presidente do Fórum de Desenvolvimento da Zona Leste e da Associação de Lojistas e Moradores da XV de Novembro, estava no encontro, na sede do TCM: “Fomos com um grupo aqui de XV de Novembro [bairro da região de Itaquera], para mostrar a necessidade dessas obras, importantes para o desenvolvimento da região”, explica. “O conselheiro do TCM, o Sales [Eurípedes Sales, responsável pela paralisação da concorrência], se surpreendeu, palavras dele, com a qualidade do que foi mostrado. E liberou a obra mediante exigências que teriam que ser incluídas no transcorrer da execução da mesma”, conta Borges, que é filho de José Pinheiro Borges, que dá nome à Nova Radial.

Dois meses depois dessa reunião, em 25 de novembro de 2010, o Diário Oficial informava que a licitação encontrava-se novamente aberta e no dia 5 de janeiro de 2011, a SIURB anunciou a vitória do Consórcio Pontal Leste por ter feito a proposta mais barata: R$ 130.930.419,14, cerca de R$ 120 mil a menos do que a concorrente Constran. O contrato foi assinado três meses depois, com o depósito em garantia de cerca de R$ 6,5 milhões pelo consórcio, determinando prazo de 720 dias corridos para a entrega das obras a partir da ordem de início, assinada em 2 de maio de 2011, pelo então secretário-adjunto da SIURB, Pedro Pereira Evangelista. Ou seja, pelo contrato, o pacote de obras deveria ser entregue no dia 22 de abril deste ano, com previsão de multa de 0,1% do valor do contrato por dia de atraso na entrega.

Mas, como constatou a Pública em visita ao local, esse prazo não será cumprido. Na grande maioria dos pontos previstos no contrato nem há obras.

Estado e Prefeitura se unem para acelerar as obras da Copa

Treze dias depois do contrato entre o Consórcio Pontal Leste e a Prefeitura, foi assinado o convênio para as intervenções em torno do futuro estádio do Corinthians. O convênio – com valor de R$ 478 milhões – envolve cinco órgãos estaduais (três secretarias, DER e Dersa) e seis secretarias municipais, e foi assinado pelo governador Geraldo Alckmin e pelo então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

São cinco obras previstas: novas alças de ligação no cruzamento entre as avenidas Jacu-Pêssego e José Pinheiro Borges, uma nova avenida de ligação Norte-Sul, no trecho entre as avenidas Itaquera e José Pinheiro Borges; outra avenida articulando a ligação Norte-Sul com a Avenida Miguel Inácio Curi; um túnel na Radial Leste no trecho em frente às estações do Metrô e da CPTM e uma adequação viária na esquina das avenidas Miguel Inácio Curi e Engenheiro Adervan Machado.

Nenhum órgão consultado pela reportagem da Pública (entre SIURB, SPCopa, Dersa e o próprio Consórcio Pontal Leste) se dispôs a explicar por que essas cinco obras em torno do estádio custam três vezes mais do que as 16 intervenções em benefício de quatro bairros. Fato é que, no convênio, a Prefeitura entrou com um valor muito próximo ao que foi contratado pela SIURB para todo o pacote de obras de prolongamento da Radial Leste (cerca de R$ 130 milhões). Em nota, a Dersa informou que a Prefeitura tem, no convênio, “a responsabilidade de licenciamento ambiental, obtenção de Decreto de Utilidade Pública, desapropriações, liberação de áreas e organização do tráfego no entorno.”

A execução das obras em torno do estádio é de responsabilidade da Dersa (empresa de capital misto vinculada ao governo do estado) com prazo de execução definido primeiramente para março de 2014, segundo a própria empresa.

Coincidências relevantes

Em 28 de abril de 2012, o Diário Oficial publicou o resultado dessa licitação: venceu o Consórcio Vizol (depois renomeado para Consórcio Viário Zona Leste), formado pelas empresas OAS e S.A. Paulista, duas das três empresas que venceram a licitação do prolongamento da Radial Leste.

Para realizar quatro das cinco obras previstas no convênio, o Vizol apresentou orçamento cerca de R$ 2 milhões menor do que o segundo colocado, o Consórcio Serveng-Construcap, que entrou com um mandado de segurança alegando que o vencedor apresentou preços “inexequíveis” para alguns trechos da obra, sendo que alguns valores apresentados correspondiam a um terço da referência de mercado definida pela Dersa.

No dia 2 de julho do ano passado, a juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara da Fazenda Pública, concedeu liminar a favor do Consórcio Serveng-Construcap. O Estado de São Paulo e a Dersa, por meio da Procuradoria Geral do Estado, pediram a suspensão da liminar junto à presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O pedido foi aceito pelo presidente do TJ-SP, Ivan Sartori, que classificou a decisão da 9ª Vara da Fazenda Pública como “grave dano à ordem e à economia públicas”, aceitando o argumento do Consórcio Vizol de que a paralisação poderia inviabilizar a obra diante do cronograma da Copa do Mundo.

Em 15 de agosto de 2012 o contrato do Vizol com a Dersa foi assinado e o prazo de execução das obras é março de 2014. O valor é de R$ 257 milhões, quase 100 milhões abaixo do previsto pela Dersa.  A última obra que falta do convênio, as alças de ligação da Jacu-Pêssego com a Nova Radial, serão realizadas pela EIT Engenharia S/A (a terceira empresa do Consórcio Pontal Leste, vencedor das obras de prolongamento da Radial). A Dersa informou que as obras já começaram em março deste ano e devem ser concluídas no mesmo mês do ano que vem.

Enquanto isso, o prolongamento da Radial Leste patina

Já o prolongamento da Radial Leste, reivindicado pela população, começou a patinar assim que o contrato foi assinado. Mesmo com a ordem de início das obras assinada em maio de 2011, as obras só começaram de fato em setembro. No dia 18 de abril de 2012, os trabalhos foram paralisados por quatro meses pela SIURB, alegando falta de verbas, embora tivesse assinado o convênio com o Estado para as obras em torno do estádio pelo mesmo valor.

“Esse é o legado que a Copa do Mundo vai deixar para a zona leste? No mínimo vão atrasar ainda mais uma obra necessária para a região e gastar mais dinheiro público em cima disso”, questiona o advogado Fábio Pereira, que mora a 800 metros do futuro estádio corintiano e tem se destacado entre as vozes que questionam a paralisação das obras contratadas pela SIURB.

“A Zona Leste tem um problema difícil de ser resolvido porque, como toda a cidade de São Paulo, cresceu sem o planejamento adequado. Aqui tem avenida de dez metros, que deveria ter 15, 16 metros, as vias principais de trânsito não passaram por nenhuma adequação. Faltam ligações, você fica preso dentro de um bairro, porque não tem ligação com o outro, porque o próprio loteamento é caótico. E com o estádio isso pode vir a piorar. Eles vão resolver o problema da Copa, mas o resto que se ferre. Eu não estou conseguindo ver legado, só estou vendo muita coisa feita na correria”, conclui o advogado.

No último dia 2 de fevereiro, em audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, representantes de órgãos do estado ligados à Copa enfrentaram os questionamentos de Fábio. Adriano Trassi, chefe de planejamento da área de programação e controle da Dersa, não respondeu às questões do advogado relativas ao custo da obra e disse apenas que a Dersa está tocando a parte dela e que as outras obras eram de competência do município. Não havia representantes do município na audiência.

Procurada pela Pública, a SIURB não respondeu se foi feito uma opção pela outra obra – limitou-se a dizer que “o contrato [para o prolongamento da Radial] está em vigência e andamento e o prazo dele poderá ser prorrogado”. A assessoria de imprensa do Comitê Paulista para a Copa de 2014, disse que as cinco obras em torno do estádio serão concluídas antes da Copa. A SPCopa e a OAS, líder dos Consórcios Pontal Leste e Vizol, não responderam às perguntas da reportagem mesmo com mais de uma semana de prazo.

*As fotos desta reportagem foram feitas por Saulo Tomé

O blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de 2014 – e como está se organizando para não ficar de fora.

 

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