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| De olho | Cunha gera tensão com uso de gabinete

Antes de voltar a frequentar a Câmara, presidente afastado promete consultar advogados; em semana curta, Senado pode votar MP para facilitar o combate ao mosquito Aedes aegypti

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22 de maio de 2016
17:50
Este artigo tem mais de 7 ano

Depois de negar por sete horas, em depoimento realizado na quinta-feira (19) no Conselho de Ética da Câmara, a titularidade de contas na Suíça e a interferência no governo Temer, o presidente afastado da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que retomará sua rotina parlamentar nesta segunda-feira (23). Mas, depois da reação de adversários e da opinião pública ao seu anúncio, Cunha recuou e, antes de usar o gabinete 510 do anexo IV, vai consultar seus advogados por precaução.

O cuidado procede, como lembrou o deputado tucano Nelson Marchezan Júnior (RS), que suscitou o risco de prisão do peemedebista por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) e sugeriu que ele renunciasse ao comando da Casa. “Vossa excelência a permanecer na Presidência, mesmo que suspenso, está fazendo um mal a esta Casa, está fazendo um mal ao governo, à nação brasileira. Seria oportuno que vossa excelência renunciasse, até porque se continuar a exercer suas influências e o seu poder com seu grupo parlamentar aqui dentro da Casa, vai chegar o momento em que o STF vai entender pela sua prisão”, alertou Marchezan.

Dizendo-se “injustiçado”, Cunha explicou na sexta-feira (20) que a declaração de que iria retomar o trabalho na Câmara foi uma resposta a quem disse que ele não poderia sequer entrar na Casa, uma vez que teve suspensas as atribuições de seu mandato. “Não irei antes de os advogados me posicionarem claramente sobre o que eu posso ou não fazer. Se houver dúvidas, vou pedir que peticionem ao STF”, declarou Cunha ao Estadão, sinalizando que não desistirá de ir ao seu gabinete o mais rapidamente possível.

Mesmo afastado, Cunha continua a dispor de benefícios e luxos, como o direito a continuar na mansão oficial a poucos quilômetros do Congresso e a utilizar aviões da Força Aérea Brasileira para se locomover pelo país – benesse a ele estendida, por analogia, com base na que assiste à presidente da República afastada, Dilma Rousseff. Tanto esse rol de privilégios quanto o fato de que Cunha pretende frequentar a Câmara são combatidos pela liderança do PSOL na Casa. “Queremos saber exatamente o que quer dizer a suspensão dele. O Supremo suspendeu o mandato dele porque ele estava conspirando e influenciando negativamente o trabalho na Casa. Se ele continuar frequentando a Câmara, vai continuar conspirando. Daqui a pouco ele vai conspirar na Presidência [da República]”, afirmou o líder do PSOL, deputado Ivan Valente (SP), para quem Cunha é arrogante, sem limites e “não deve ter medo de ser preso”.

Semana curta

Nesse clima de tensão e em meio à franca objeção de um grupo de deputados à continuidade de Waldir Maranhão (PP-MA), aliado fiel de Cunha, como presidente interino da Câmara, deputados concentrarão as discussões da pauta na segunda e na terça-feira (24), em razão da semana mais encurtada pelo feriado de Corpus Christi (quinta, 26). Além do calendário, está prevista a sessão do Congresso para votar a nova meta fiscal do governo.

Serão duas sessões de votação em que certamente protestos vão se repetir não só contra Cunha, mas também contra seu fiel escudeiro Maranhão. E, em outra frente, a base de Dilma, por ora convertida em oposição ao governo Temer, continuará a denunciar o “golpe” e a contestar peças como o novo líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), igualmente leal ao peemedebista – e, como ele, réu no STF e alvo da Operação Lava Jato.

Na segunda-feira, a partir das 18 horas, e na terça-feira, desde a manhã, deputados têm na pauta de votações duas medidas provisórias e três projetos com urgência constitucional a trancar os trabalhos. Primeira matéria da lista, a MP 708/2015 autoriza a União a reincorporar trechos da malha rodoviária federal repassados a estados e ao Distrito Federal – decisão resultante de outra medida, de 2002.

Por sua vez, a MP 715/2016 reserva R$ 316,2 milhões para o pagamento de parcelas do Benefício Garantia-Safra, com benefícios previstos para 440 mil famílias de agricultores familiares que atuam na circunscrição da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e sofreram os efeitos da estiagem no biênio 2014-2015.

Com urgência de votação vencida, o que impõe a proposição como item com prioridade para exame, o Projeto de Lei 4495/2016 cria fundos de precatório em bancos federais de maneira a otimizar a gestão do pagamento desse tipo de débito da União, que resultam de causas perdidas na Justiça pela Fazenda Nacional. De acordo com o governo, a lei orçamentária de 2016 já chancela o pagamento de cerca de R$ 19,2 bilhões, mas se constatou que muitos credores não foram a bancos autorizados para sacar seus créditos, a eles reservado por até 15 anos.

Outro com urgência constitucional vencida é o Projeto de Lei 4625/2016, que visa a desburocratização atividades atreladas a agentes auxiliares do comércio (armazéns gerais, leiloeiros, tradutores públicos e intérpretes comerciais). Segundo a proposição, o trabalho de tradutor público e intérprete comercial passa a ser admitido por simples registro, como já ocorre em diversos países desenvolvidos. Leiloeiros e tradutores juramentados passam a poder desempenhar a função em todo o Brasil, o que é proibido hoje. Já auxiliares de comércio poderão fazer seus livros empresariais eletronicamente, como faz a maioria das empresas.

Por fim, o Projeto de Lei Complementar 257/2016 permite o prolongamento das dívidas de estados e do Distrito Federal com a União por 20 anos, desde que os entes cumpram medidas de restrição fiscal principalmente referentes a gastos com pessoal. A questão é discutida em meio a uma batalha judicial de estados contra a União, e o projeto só contemplará estados que desistirem da querela – o assunto está sob questionamento no STF, que suspendeu por 60 dias o julgamento sobre a mudança no cálculo de correção das dívidas. Enquanto governadores querem a aplicação de juros simples, o governo quer a modalidade composta (juros sobre juros).

Contra dengue e zika

A pauta de votações no plenário do Senado também inicia a semana trancada por duas medidas provisórias. Ambas já foram aprovadas na Câmara e, se não forem aprovadas até 31 de maio, perdem validade. A exemplo da Câmara, os senadores têm pressa em razão da semana curta e do prazo exíguo para votação das matérias.

Uma delas é a Medida Provisória 706/2015. Transformada no Projeto de Lei de Conversão (PLV) 11/2016, a MP prorroga contratos do setor elétrico ao aumentar de 30 para 210 dias o prazo para que distribuidoras de energia assinem aditivo com o Ministério de Minas e Energia. O prazo teve início em novembro de 2015 e beneficiará sete distribuidoras: Companhia de Eletricidade do Amapá; Companhia Energética de Alagoas; Centrais Elétricas de Rondônia; Companhia Energética do Piauí; Amazonas Distribuidora de Energia S.A.; Companhia de Eletricidade do Acre; e Boa Vista Energia S.A.

A outra é a MP 712/2016 (PLV 9/2016), que autoriza agentes de combate a endemias a entrar em imóveis abandonados para realizar ações contra o mosquito transmissor dos vírus da dengue, febre chikungunya e zika. A proposição também permite a dedução, para efeitos de cálculo do Imposto de Renda, de doações a projetos aprovados pelo Ministério da Saúde e auxílio financeiro a famílias em que haja crianças com microcefalia.

O Congresso e a meta

Haverá esforço concentrado de votação, até a quarta-feira (25), para que o Congresso aprove a nova meta fiscal do governo para 2016 – primeiro teste de fogo para as novas lideranças do governo Temer no Parlamento, a começar pelo contestado e judicialmente enrolado André Moura, líder governista na Câmara.

Como o Congresso em Foco mostrou na sexta-feira (20), os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Romero Jucá, confirmaram a suspeita inicial de que o déficit fiscal do governo central – sem considerar despesas de estados e municípios – será de R$ 170,5 bilhões para este ano. O rombo histórico foi causado pela frustração na arrecadação de impostos prevista pela antiga equipe econômica e pelo aumento das despesas do setor público. “Esta é uma meta realista, calculada com base no levantamento da situação das contas públicas”, disse Meirelles.

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