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Para Rafael Queiroz, do Direito da USP, a prisão de Michel Temer pela Lava Jato revela um quadro profundo de embates e desgastes do Judiciário em um governo que não preza pela integridade das instituições

Entrevista
29 de março de 2019
10:00
Este artigo tem mais de 5 ano

O ex-presidente Michel Temer passou apenas quatro noites na cela da Lava Jato do Rio — tempo mais que suficiente para, novamente, parar o Brasil e levantar discussões acaloradas se a prisão foi correta ou apenas uma demonstração de força da operação frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), que na semana anterior havia decidido que os casos de caixa 2 seriam de competência da Justiça Eleitoral.

Em entrevista à Pública, o professor de filosofia e teoria geral do Direito da Universidade de São Paulo (USP), Rafael Mafei Rabelo Queiroz, diz que, especulações à parte, a prisão de Temer foi uma decisão jurídicamente infundada e insustentável. E que ocorre em um momento no qual os próprios ministros do STF jogam com o risco de tomar decisões individuais sem explicar o porquê de suas atitudes para a população.

Rafael Mafei Rabelo Queiroz é professor de filosofia e teoria geral do Direito da USP

Na visão do professor, nem o STF deve pautar suas decisões pela Lava Jato, nem a Lava Jato deve buscar emparedar o Supremo. De acordo com ele, se as instituições começarem a trabalhar para corroer a autoridade uma da outra, o Judiciário e a democracia não terão como sobreviver no Brasil.

Para Queiroz, o governo Bolsonaro está pouco comprometido com a institucionalidade dos poderes, com apoiadores do presidente defendendo medidas flagrantemente inconstitucionais e autoritárias, como aposentadoria antecipada de ministros e até mesmo o fim do STF. O professor alerta: se a democracia brasileira está no hospital, ela pode, em breve, chegar à UTI.

A prisão e a consequente liberação do ex-presidente Michel Temer, para muitos especialistas, apenas evidenciou a fragilidade jurídica da ação da Lava Jato. Há ainda quem aponte que a prisão serviu para recolocar a operação nos holofotes e “dar um recado” ao STF. Qual a sua avaliação? Prender Temer foi um ato técnico e jurídico ou uma ação midiática e política?

Para esse tipo de pergunta, a resposta é puramente especulativa porque só é possível avaliar o que está nos fundamentos da prisão, que são o pedido e a decisão do juiz Marcelo Bretas. Evidentemente, a gente pode especular se houve motivações extrajurídicas, digamos assim, como uma retaliação ou tentativa de recolocar a operação no centro do debate público. Esses questionamentos são pertinentes porque a própria força-tarefa da Lava Jato sempre reconheceu que uma das coisas que a sustenta é o apoio da opinião pública. O que posso dizer é que tentativas de promover um evento midiático que paute a opinião pública e a imprensa deveriam ser irrelevantes: ninguém deveria ser preso porque a sua prisão gera mídia, assim como ninguém deveria deixar de ser preso por ser uma pessoa importante.

Sob o aspecto técnico, a mim, a decisão parece absolutamente infundada e insustentável. Não houve a indicação de nenhum fato concreto atual que justificasse a prisão. O que havia era descrição dos crimes cometidos e uma apreciação da gravidade da conduta, que é juridicamente relevante, mas no momento da sentença condenatória. No momento da prisão o que deve ser apurado é se existe risco de fuga, ameaça à testemunha, destruição de provas, crimes que continuam sendo praticados e não serão interrompidos a não ser com a prisão dos envolvidos. Isso foi, na minha opinião, tratado de modo insuficiente na decisão.

Tanto é que a soltura foi definida por uma liminar monocrática, dada por um desembargador, quando já estava agendada para quarta-feira (27 de março) o julgamento no órgão colegiado. O desembargador se sentiu tão confortável em atestar a ilegalidade da prisão que ele falou: “vou fazer isso logo e tenho certeza que na quarta-feira minha decisão será confirmada pelos meus colegas”. Isso naturalmente abre margem para todas essas especulações quanto ao motivo da prisão.

Há algum paralelo na prisão do ex-presidente Lula à de Temer?

Tirando o fato óbvio que os dois são ex-presidentes, as decisões são muito diferentes porque o ex-presidente Lula foi investigado, denunciado, condenado em primeira instância e aguardou do seu recurso em liberdade. Ele só foi preso depois da condenação em segunda instância, segundo uma mudança de orientação recente do STF. Ele nunca foi submetido à prisão preventiva, como foi o caso do ex-presidente Temer.

Decisões monocráticas de juízes, como a que liberou Temer, têm sido comuns no cenário político brasileiro recente. Elas acabaram levando a situações de “guerras de liminares” entre decisões a favor e contra determinada situação. Como o senhor avalia esse cenário?

Esta situação de excessivas idas e vindas causadas por decisões individuais de ministros de tribunais, que deveriam decidir de modo colegiado, infelizmente, está se tornando demasiadamente frequente no Poder Judiciário brasileiro, sobretudo nos órgãos de cúpula. Isso é muito ruim porque, naturalmente, aumenta a insegurança nas decisões já que é mais fácil que as decisões que sejam derrubadas. Também aumenta a indisposição dentro do próprio tribunal porque fica mais fácil os juízes usarem esses poderes individuais como instrumento para fazer com que as suas posições prevaleçam sobre as posições dos seus colegas, transformando uma espécie de “cabo-de-guerra na Justiça”, que não tem nada a ver com a aplicação do Direito.

O ex-presidente Lula, por exemplo, foi impedido de tomar posse como ministro por uma liminar que nunca foi levada ao julgamento do plenário do tribunal. Os juízes passaram quase quatro anos recebendo auxílio moradia por força de uma liminar que deveria ter sido submetida ao plenário do STF e não foi. Ministros que sentem que irão perder a votação na sua turma decidem jogar o caso para o Plenário porque sentem que a chance de saírem vitoriosos é maior, como se a competência interna do Tribunal não existisse e houvesse apenas um jogo estratégico do relator. Todos esses casos revelam um poder individual de ministros e desembargadores nos órgãos colegiados que está absolutamente descontrolado, na minha opinião. O que não significa que liminares não tenham situações de aplicações devidas e necessárias.

Na sua avaliação, a Lava Jato impulsionou de alguma forma esse protagonismo de liminares monocráticas?

Eu não botaria isso na conta da Lava Jato. Os tribunais superiores têm uma grande quantidade de casos que são julgados por um número relativamente pequeno de ministros. Que o Supremo tenha escolhido se dividir em turmas, por exemplo, é uma solução interna do Tribunal que já é bastante antiga para lidar com essa competência muito grande. O que o STF e os ministros precisam fazer é desenvolver mecanismos que atribuam alguma governança ao exercício desse poder para que não se torne passível de abusos. A liminar do auxílio moradia, mantida por quatro anos, claramente foi um abuso. Era facilmente um caso que poderia ter sido levada à apreciação do Tribunal. E nesse sentido, eu acho que todos os ministros “se dão as mãos”. Todos integram um Tribunal que passou a funcionar dessa maneira e todos usam seus poderes individuais do jeito que lhes parece devido.

Evidentemente, se eu sou advogado, um promotor de justiça ou um procurador e eu percebo que o Tribunal funciona assim, eu vou jogar com esta realidade. Eu vou buscar minha liminar, todo mundo tem a sua, por que eu não? Se eu percebo que agora o presidente do Tribunal deu a si mesmo o poder de cassar a liminar de outro ministro — algo que é um pouco estranho — essa situação vai criando uma nova configuração do STF que é levada em configuração por todos os atores. Inclusive, eu diria que esse é um grande risco. Se diferentes grupos de interesses jogam com a característica do Tribunal poder ser individualizado, porque eu, presidente, por exemplo, quando for indicar um ministro, não vou indicar alguém que pega a bola, coloca debaixo do braço e não devolve mais? Por que vou ser único que vai escolher aquela pessoa que respeita a colegialidade a institucionalidade e não vou me aproveitar de ter alguém que joga esse jogo individualista? Claro, vou indicar alguém que jogue nos termos que me convêm.

Juiz Marcelo da Costa Bretas, à frente da Lava Jato no Rio de Janeiro, recebe a Medalha Pedro Ernesto da Câmara Municipal de Vereadores do Rio de Janeiro

Quais seriam os remédios constitucionais para a individualização das ações do Supremo?

A individualização do Supremo é um problema histórico há décadas. Todas vezes que algum tipo de reforma constitucional é cogitada para resolver o problema, que naturalmente passaria por diminuir a competência do Tribunal porque é o único jeito de fazer com que o tribunal tenha menos casos para julgar, isso foi rechaçado pelo próprio Tribunal. Quando o STF percebe que ele vai abrir mão de competência ele dá conta que irá abrir mão de poder. A criação do STJ foi muito polêmica entre os ministros do Supremo da época porque alguns sentiam que isso iria empobrecer a autoridade do Tribunal.

Uma parte importante da solução passaria por uma tomada de consciência. Em toda a instituição política, uma parte importante do controle do seu limite passa por uma avaliação de auto-contenção. Se os ministros internamente, por exemplo, chegassem a um consenso quanto ao uso desses poderes de deslocar competência ou de submeter liminares à apreciação do plenário, isso seria um passo importante.

O problema é que existem muitos atos que são tomados hoje no Supremo em relação aos quais os ministros não se sentem nem sequer obrigados a explicar o porquê de terem sido tomados assim — e isso é insustentável porque isso desgasta a autoridade do Tribunal.

O senhor fala de pedidos de vista, por exemplo?

Pedidos de vista são um bom exemplo. Eles foram criados numa época que os autos do processo eram físicos. Então, se o processo estava no meu gabinete, era de papel, ninguém poderia ter acesso ao que estava ali. Hoje em dia os processos são digitais, todos os ministros podem ter acesso ao mesmo tempo. Se eu sei que um processo está na pauta naquele mês e eu tenho acesso àqueles autos, qual o sentido de esperar o dia do julgamento para pedir vista?

Há casos de dois pedidos de vista em um mesmo julgamento, quando a votação está praticamente decidida. O ministro não pode ser impedido de pedir vistas, mas ele precisa justificar porque ele está pedindo vista de um processo sobre o qual poderia ter estudado antes de chegar à sessão. Justificar as decisões que hoje eles tomam seria um bom começo. Mas isso envolve reconhecer que o tribunal deve satisfação à opinião pública.

Até que ponto esse tipo de atitude de ministros do STF tem gerado uma crise de imagem do Tribunal em relação à população? Do julgamento do auxílio-moradia aos embates com a Lava Jato, os ministros têm sido criticados de não obedecem critérios técnicos e seguirem interesses pessoais ou de classe para tomar as decisões. Como o senhor avalia a imagem do STF com a população?

O STF, qualquer magistrado, qualquer vara, precisa ter condição de aplicar a Lei e dar a cada parte o direito protegido do furor da opinião pública. Nem sempre o que a opinião quer, corresponde àquilo que a Constituição e as leis atribuem como direitos.

Contudo, justamente por isso, tribunais e juízes devem ter um zelo pela integridade da imagem da sua decisão que jamais deixe transparecer a impressão que as decisões, por mais impopulares que sejam, são de algum modo devidas a fatores juridicamente inaceitáveis. Por exemplo, quando eu me permito julgar um caso que, por prudência judicial, não deveria julgar, por exemplo, de alguém do qual fui padrinho de casamento. Esse caso não é uma hipótese de impedimento do juiz explícita no Código de Processo Civil, mas o juiz pode se declarar suspeito, o que não significa ser incapaz de julgar, mas que sua participação irá gerar questionamentos e obrigar o tribunal a responder.

Juízes ou ministros não devem se envolver em atividades que nos parecem impróprias do ponto de vista do que a ética judicial recomenda. Juiz não tem que frequentar jantar de político, juiz não tem que tirar foto com político, entrar em avião com político, ir em posse de político, fazer lobby para filha receber cargo de desembargadora, juiz não tem que ser empresário. Esse tipo de atitude, na minha opinião, flagrantemente incompatível com a ética judicial, com o recato e o cuidado com a imagem de um poder que não pode sofrer nenhum tipo de abalo, parece ser o grande problema para o STF, mais que soltar ou prender aquela pessoa.

Uma coisa é eu dar uma decisão polêmica que depois é derrubada por um tribunal. Outra coisa é me envolver em lobby, em nomeação de Tribunal de Justiça do Estado, ou se minha instituição de ensino recebe patrocínio de de empresas que têm interesses no tribunal, se tenho parentes de apadrinhados de casamento nas causas que julgo sem me afastar.

Isso trouxe uma coleção de arranhões na imagem do Tribunal que, eu acho, é hoje um dos grandes problemas do Tribunal com a opinião pública.

Outra polêmica envolvendo o STF foi transferir para a Justiça Eleitoral a competência de analisar casos de corrupção da caixa dois de campanha. Como você analisa essa decisão? Por que há a resistência dos procuradores da Lava Jato em relação à transferência?

Este é um excelente exemplo. Na minha opinião, a decisão do Tribunal é correta. É de fato regra do Código Eleitoral, determinação de competência do processo penal. Do ponto de vista jurídico, não tem grande polêmica. O que fez com que essa decisão ganhasse os ares que ganham é o fato que o Tribunal se permitiu dar impressão que era resposta à Lava Jato. Tribunal não tem que dar resposta a operação, a ninguém: Tribunal recebe caso e aplica lei. Alguns ministros fizeram transparecer que estavam decidindo certo por motivos errados. Aquele discurso do Gilmar Mendes insultando pessoalmente os membros da força-tarefa é um claro exemplo de uma fala que dá margem a um questionamento que não deveria existir.

Ao mesmo tempo acho questionável a conduta de membros do MP que querem emparedar o Tribunal, jogando a opinião pública contra o Tribunal, acusando de ser inimigo da operação.

Quando o Ministro Barroso, no plenário, fala que “todo mundo que está acontecendo aqui” quando percebe que a votação está indo em outro rumo e iria impor uma derrota para a Lava Jato, ele sugere que existem motivações impróprias na tomada de decisão do tribunal. Isso é terrível para a imagem do tribunal. Como eu vou respeitar um tribunal quando um dos seus próprios membros sugere motivações impróprias na decisão da maioria?

Sessão de abertura do ano judiciário no STF em 2019

A Lava Jato também gerou embates do governo Bolsonaro e de seus apoiadores com o STF. Parlamentares do PSL e diversas figuras pró-bolsonaro participaram do movimento #ForaSTF. Como o senhor avalia a relação da Lava Jato com o Executivo?

O padrão que hoje a gente vive é muito diferente. Até aqui, a Lava Jato conseguiu caminhar para um relativo apoio, não só do Judiciário, que validou boa parte das suas atitudes, mesmo as mais polêmicas, como também não sofreu muita interferência do Executivo. Isso mesmo com os ocupantes do Executivo até aqui sendo pessoas de partidos que estavam na linha de frente da Lava-Jato, o PT e o MDB. Essa nova configuração do governo Bolsonaro muda um pouco isso.

Eu particularmente tenho o governo do presidente Bolsonaro como pouco comprometido com a institucionalidade dos poderes. É um governo que procura destruir regras institucionais e nesse sentido não causa nenhum espanto que pessoas ligadas ao presidente defendam medidas flagrantemente inconstitucionais, de uma essência golpista e autoritária de intervenção na independência do Tribunal. Ao mesmo tempo que a gente reconhece que tem muita coisa no Supremo e no poder Judiciário que deve ser corrigida, é importante também que a gente perceba que a Constituição prevê caminhos para a gente corrigir erros que aconteçam dentro do Poder Judiciário. É muito ruim um Judiciário que erra quando deveria acertar, mas também muito ruim um Judiciário que é domado sem independência em face do Executivo.

Essa CPI (da Lava Toga), por exemplo, é um claro exemplo de uma retaliação política indevida e inconstitucional a que o Tribunal está correndo risco de ser submetido. Uma CPI para investigar os tribunais superiores, mais ainda, cujo pedido se deu depois de decisões no julgamento da criminalização da homofobia, indicando como pessoas a serem investigadas os ministros que tinham votado a favor da ação, tal qual apresentada me parece absolutamente impertinente. Por mais que se discorde do mérito da ação, estão retaliando juízes que agiram no exercício da função jurisdicional no limite dos que lhes foi pedido em uma ação assinada por advogados, com parecer da Procuradoria da República, dentro de um órgão colegiado.

Não existe nenhuma suspeita que alguém tenha agido de má fé, ninguém está falando de venda de decisão, desvio de verba, de desvios de natureza disciplinar. A motivação dessa CPI é exclusivamente política e não acho coincidência que isso surja nesse momento de desinstitucionalização do Brasil, com as instituições atacadas nas seus regras mais elementares de funcionamento.

Como o senhor avalia isso, na prática, em termos de sociedade, de país, de política mesmo?

O presidente Jair Bolsonaro é um presidente que tem apoio muito forte e muito fiel de uma parte da população brasileira. Eu acho extremamente perigoso que grupos de apoio político a ele dentro do Congresso, e eventualmente até o próprio presidente, se prestem ao papel de atacar ou sugerir, mesmo que indiretamente, algum tipo de violação à integridade do Judiciário. Se os poderes começarem a trabalhar um para corroer a autoridade do outro, a democracia não tem como sobreviver no Brasil. O Judiciário não tem como sobreviver.

Vai ser uma questão de tempo até que um discurso intervencionista mais forte surja. Já está na pauta aposentadoria antecipada de ministro, aí alguém vai sugerir aumento de ministros para ser colocado um grande número de correligionários de uma vez no Tribunal. Não por coincidência, essas medidas [aposentadoria antecipada e aumento de ministros] foram tomadas durante a ditadura militar. E não é um cenário difícil de ser imaginado no horizonte. Aí estaríamos em um quadro de democracia na UTI, pedindo extrema unção. No momento, estamos no hospital.

Quem defenderia o Judiciário?

É difícil dizer. O Congresso ainda tem lideranças que enxergam a importância de um poder Judiciário independente, que reconhecem a importância do país não passar por um processo de desinstitucionalização do nível que o governo sugere e que gostaria. A maioria dos juízes brasileiros trabalha bem, em silêncio, de modo técnico, dando conta das suas competências, aplicando a lei e fazendo seu papel de modo muito bem feito. São pessoas tecnicamente muito boas, assim como membros do Ministério Público, advocacia pública, procuradorias estaduais e assim por diante.

Até aqui, me parece que tem uma parte do governo que não tem se mostrado particularmente empolgada com os discursos e as atitudes mais extremas de uma facção do Bolsonarismo. Dentro do governo ainda há alguns agentes que observam com preocupação o acirramento dos ânimos e que percebem que não é bom para o Brasil entrar em um conflito entre os poderes, porque isso vai colocar muita coisa importante a perder. Isso não significa necessariamente dar apoio ao poder Judiciário ou achar que o Supremo está agindo bem. Mas simplesmente reconhecer que o caminho para sair desta crise não envolve atacar e fragilizar o poder Judiciário.

Temos uma figura dupla da Lava Jato: uma que é a do próprio Moro, que tem feito pressão no Judiciário e no Congresso para a aprovação do pacote anti-crime; outra do juiz Marcelo Bretas no Rio de Janeiro pressionando o STF. Como a Lava Jato tem entrado nessa disputa entre os poderes?

Eu acho a Lava Jato importante na medida em que ela se configurou como um grupo de alta expertise e conseguiu fazer com que a lei penal fosse aplicada – muitos casos de modo absolutamente devido. A Lava Jato me parece improdutiva quando ela funciona como agente de combustão e de conflito, que age com um aparente interesse de colocar fogo na opinião pública contra tudo que contrarie seus interesses. Muitas vezes a operação se esquece de aplicar a lei para se transformar em um agente de propagação de um discurso político que separa a sociedade brasileira entre o bem e o mal, sendo o bem naturalmente a Lava Jato e o mal tudo que oponha a ela por qualquer razão – inclusive por razões jurídicas.

E a combustão que a Lava Jato provoca tem beneficiado Bolsonaro?

Me parece que sim. O beneficiário político desse discurso de que a política e instituições são naturalmente corrompidas foi o Bolsonaro. Ele conseguiu se colocar nessa posição muito embora ele atuado pelo PP, partido mais enroscado na Lava Jato, na maior parte da sua carreira. E conseguiu colar em si mesmo o rótulo de que ele é o anti-establishment e que portanto estaria de acordo com a Lava Jato.

Na medida em que Bolsonaro se beneficia do discurso que é alimentado pela Lava Jato, ele se beneficia dos sucessivos arranhões na imagem de um poder que poderia conter algum dos seus excessos. Esses arranhões são provocados por embates fomentados pela atuação mais extrema da Lava Jato em algumas situações, aí me parece haver uma confluência.

Não estou dizendo que a Lava Jato é Bolsonarista e nem que o Bolsonaro é “lava-jatista”. É uma questão de afinidades que episodicamente surgem, assim como episodicamente podem desaparecer se daqui a seis meses investigações de corrupção ou de assassinato de milícias chegarem perto demais da família presidencial. Aí, rapidamente, o Judiciário vai se tornar um problema.

Fernando Frazão/Agência Brasil
José Cruz/Agência Brasil

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