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Teóloga Lusmarina Campos e educadora Amanda Palha debateram na programação de 10 anos da Agência Pública

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22 de fevereiro de 2021
17:31
Este artigo tem mais de 3 ano

“O cristianismo construiu sua teologia a partir de discursos misóginos”. A análise crítica e contundente é de uma pastora da Igreja Luterana, Lusmarina Campos, ao refletir sobre as aproximações entre gênero e religião. “A construção desse pensamento ocidental acabou se tornando a base da teologia cristã, ela está lá até hoje. Nós, mulheres feministas, temos lutado para desconstruir isso, a comunidade LGBT está fazendo a construção de uma teologia queer… Ou seja, tem todo um grupo de pessoas trabalhando por isso”, comentou. 

Lusmarina, doutoranda no Programa de Pós-Graduação da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-presidente do Conselho de Igrejas Cristãs do estado,  participou no último sábado (6) do Pública+10, um ciclo de seis debates sobre o presente e o futuro do Brasil, que marcam os 10 anos da Agência Pública. O evento ocorreu online com transmissão ao vivo, devido à necessidade de isolamento social por causa da pandemia da Covid-19.

Segundo debate da programação do evento, “Gênero e religião” também contou com a participação da educadora popular Amanda Palha, militante LGBTQI+ que atua na Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e assessora parlamentar na comissão de Cidadania da Assembleia Legislativa de Pernambuco. A mediação do debate foi feita pela editora da Pública, Andrea DiP. Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, as ativistas abriram o seminário debatendo o diálogo como ferramenta para desarmar o fascismo e o fundamentalismo religioso. 

Políticas de ódio e de extermínio

Para a pastora, a conversa entre setores divergentes é a base da construção de uma alternativa ao projeto fundamentalista, mas sem deixar de ter em mente o contexto politico. “Precisamos investir no diálogo, mas sabendo com o que estamos lidando. E nós estamos lidando com um público que está formatado, nos últimos anos, a partir de uma indústria de produção de mentiras, de falsidade. Portanto, eu acredito que o diálogo precisa viabilizar as desconstruções necessárias”, afirmou.

Ela analisa que campanhas de desinformação e movimentos políticos nos últimos anos, como a Operação Lava Jato, criaram a ideia dominante de uma “política suja”. “Na medida em que você destrói a política você deixa um significado e esse significado é preenchido por monstros. O que estamos fazendo hoje é lidar com a monstruosidade em termos da política. E para desconstruir isso é bastante trabalho que nós temos”, disse. 

A ativista Amanda Palha também ressaltou a importância do diálogo na política, mas teme confusão entre fazer concessões e abrir mão da radicalidade política. A educadora popular também se mostrou receosa que uma defesa acrítica do diálogo alimente falsas polarizações na sociedade, colocando setores em posições desiguais em dois extremos simétricos.

“Acho complicada a ideia de concessão, como se a gente tivesse que conceder posturas ou evitar discussões polêmicas para poder construir um campo de frente porque a concessão sempre ocorre no elo mais frágil. Especificamente quando estamos falando do [diálogo entre] o público LGBT, o movimento de mulheres ou movimento feminista, como um todo, entre o fundamentalismo religioso. Eu acho que é fundamental pensar que não estamos falando de grupos que estão na mesma posição”, afirmou a ativista. 

“Não é como se fundamentalistas atacam LGBT e LGBT atacam fundamentalistas. Fundamentalistas massacram LGBT e fomentam políticas de ódio e de extermínio e a gente aqui tentando sobreviver. Eu acho que isso tem que ser considerado quando se fala em concessão.”Palha criticou o espaço ganho de setores evangélicos em bancadas no Congresso Nacional e na formulação de políticas públicas. “A responsabilidade de dar conta do sagrado é das pessoas religiosas. O [setor] público deve respeito às pessoas, mas ao sagrado das pessoas quem deve é elas. E se perdemos isso de vista, a gente tende a horizontalizar esses grupos [religiosos] como se fosse apenas mais outro grupo.”

Ela enxerga que o diálogo tende a ser mais frutífero na construção cotidiana, inclusive sem necessariamente acontecer a partir da religião. Para ela, há necessidade de criar espaços de convivência entre grupos diferentes em instâncias do dia a dia, como assembleias de bairro.

“Nesse momento político que vivemos, é importante entender que a agenda anti-gênero, por assim dizer, foi colocada como centro da bandeira bolsonarista não à toa. A ascensão de um ideário fascista tem a ver com a eleição de inimigos comuns. E isso casa muito bem com um processo onde restabelecer os valores tradicionais de família foi fundamental. E isso significa, obviamente, estreitar o cerco nas discussões mais progressistas de gênero”, analisou Palha. “Reverter esse processo das consciências individuais é muito mais doloroso e tem muito mais ver com o convívio, mostrar que nós não somos inimigos de fato, mas que o inimigo nos mostra assim”, argumentou. 

Perseguições e ataques

Durante o evento com transmissão ao vivo, elas também fizeram projeções para o pleito eleitoral de 2022. Lusmarina afirmou a importância de um candidato com “coragem de se posicionar abertamente” sobre pautas como descriminalização do aborto e pautas da comunidade LGBTQIA+. “Temos que ter um pouco mais de esperança nos brasileiros. As pessoas estão percebendo quem é Bolsonaro nesta pandemia”, disse.

Já Amanda considera que posições mais contundentes em eleições majoritárias, nossa sociedade precisaria estar em um momento diferente. No entanto, considera que esses posicionamentos têm tido espaço em eleições proporcionais. “É uma armadilha considerar que o bolsonarismo brotou do chão. O que ele faz é trazer para um plano mais explícito coisas que já existiam na nossa sociedade”, afirmou.

As ativistas também comentaram como lidam com perseguições ao trabalho ativista que fazem. Religiosa favorável ao aborto e atuante contra a intolerância religiosa, a pastora Lusmarina conta que sofre com ataques sistemáticos por sua atuação e posição rara, mesmo entre os pastores progressistas. 

Em abril de 2018, a pastora relatou ataques violentos quando atuou na reconstrução do terreiro de candomblé Conceição d’Lissá, localizado em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, após o local ter sido incendiado.  Em agosto daquele mesmo ano, ela representou o Instituto de Estudos da Religião (Iser) na audiência pública do Supremo Tribunal Federal sobre  ação que propõe a descriminalização do aborto até a 12ª semana. Na ocasião, ela defendeu a interrupção a gravidez e foi alvo de inúmeras mensagens de ódio e ameaças. 

A última leva de ataques que enfrentou veio após a teóloga ao protocolar um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, em janeiro deste ano.  “Eu não sei se eu me acostumei a lidar com essas coisas, mas as perseguições não param”, contou.

Por causa desses ataques, ela passou a integrar o programa de proteção de defensores de direitos humanos, do Ministério Público Federal (MPF). “Os grupos de direita estão super bem organizados para tentar nos amedrontar e tentar nos fazer parar. Essa é um pouco a estratégia, tentar nos fazer parar. E isso, dizendo da minha experiência, não nos enfraquece. Eu não sinto medo nem estou amedrontada, de maneira nenhuma. Dá para perceber claramente que o patriarcado está estrebuchando. E é por isso que esse pessoal vem para cima da gente com tanta violência”, disse. “Esse tipo de agressão só nos fortalece, não vai nos desestabilizar porque nós estamos entendendo que estamos fazendo a coisa certa”, ressaltou a pastora.

Já Amanda Palha contou que chegou a sair do espaço público para se preservar de ataques. “Eu fiquei preocupada porque isso coincidiu com a gestação do meu marido, o nascimento da minha filha. E a gente ficou com muito medo”, relatou. Ela também afirmou ser fundamental transformar questões coletivas e históricas em de fato compartilhadas, para que ataques não se repitam com frequência.

Ainda assim, a ativista enxerga que o momento não é de afrouxar suas convicções. “Momentos como esse demandam esforços para encontrar convergências para se proteger  e para se defender de ameaças fascistas, mas eu acho que isso não deve custar nossa verdade política, não deve custar nossas posições mais polêmicas e radicais”, finalizou.

A íntegra do debate está disponível no canal do YouTube da Agência Pública.

O texto da cobertura foi feito pela repórter Rute Pina

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