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Dados preliminares da CPT foram divulgados em lançamento de campanha “Contra a Violência no Campo" que envolve mais de 50 organizações da sociedade civil

Reportagem
4 de agosto de 2022
06:00
Este artigo tem mais de 1 ano

Há mais de duas décadas, cerca de 400 famílias lutam para que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) conclua o processo de desapropriação e titulação dos 14 mil hectares de terras onde vivem há gerações em Timbiras, no nordeste do Maranhão. Não surpreende que o procedimento siga parado durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), tampouco que a violência tenha aumentado no mesmo período, de acordo com o relato dos camponeses.

Em 2021, novos invasores aportaram na região, como denunciado pelos moradores do chamado Território Campestre e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT): dois empresários de Juazeiro do Norte (CE) chegaram alegando a posse de parte da área – motivo pelo qual teriam contratado pistoleiros para afugentar os camponeses. Não bastasse isso, recentemente houve um aumento de incursões de madeireiros ilegais na área em disputa, onde se concentram os últimos resquícios de vegetação nativa do Cerrado na região – com espécies muito cobiçadas pelo seu alto valor fora do país.

“Semanas atrás nós decidimos dar um ‘basta’, bloqueando o acesso dos madeireiros ao nosso território, e por isso fomos ameaçados. Eu mesmo sei que estou marcado para morrer lá”, afirma Ismael Cunha, morador da comunidade Alegria, que aguarda há mais de 20 anos a titulação das terras pelo governo. “Vivemos ‘na ponta da bala’… confesso que não sei como será quando eu voltar para casa”, diz.

A presença de madeireiros ilegais se soma à de rivais mais antigos, que assombram há anos os camponeses em Timbira. O braço agropecuário da gigante do setor de alimentos Maratá também disputa a área com os pequenos agricultores, inclusive com denúncias de ataques por jagunços e pistoleiros, conforme reportado pelo The Intercept Brasil.

Ismael Cunha denunciou as recentes agressões e ameaças sofridas no nordeste maranhense durante o lançamento da campanha “Contra a Violência no Campo: Em Defesa dos Povos do Campo, das Águas e das Florestas”, articulada pela Cáritas Brasileira, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e mais de 50 outras organizações da sociedade civil. A iniciativa foi lançada oficialmente na última terça-feira (2), no auditório do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), em Brasília (DF).

Segundo Alessandra Farias, uma das coordenadoras da campanha e membro da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, a ideia é sensibilizar a população brasileira para o aumento da violência no campo durante o governo Bolsonaro. “Queremos contribuir com a resistência dos povos no campo, dando visibilidade às suas histórias e, assim, ajudar a fortalecer redes de articulação e apoio, unindo organizações da sociedade civil às comunidades lá na ponta, as mais impactadas no atual contexto”, diz.

Evento destaca a brutal ofensiva contra o povo Guarani Kaiowá no MS

O lançamento também contou com a presença de Simão Vilhalva, representante da Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani Kaiowá – povo este que tem sofrido uma série de ataques violentos no Mato Grosso do Sul.

Ismael (ao centro) e Simão Guarani Kaiowá (à direita) durante abertura de evento da CPT
Ismael (ao centro) e Simão Guarani Kaiowá (à direita) durante abertura de evento da CPT

Os episódios de violência se amontoam desde maio passado, quando do assassinato do jovem Guarani Kaiowá Alex Lopes, de 18 anos, nos limites da Terra Indígena (TI) Taquaperi, em Coronel Sapucaia (MS), divisa com o Paraguai. Dali em diante, houve várias retomadas indígenas e a tensão com fazendeiros vizinhos no cone sul do estado escalou de vez.

Desde o fim de junho passado ocorreram incursões letais de agentes de segurança, inclusive com tiros de grosso calibre vindos de um helicóptero da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul e com a morte do Guarani Kaiowá Vitor Fernandes, no chamado ‘massacre de Guapo’y’; investidas de fazendeiros contra uma retomada em Naviraí (MS); uma emboscada que resultou na morte de outro Guarani Kaiowá, Márcio Moura, em Amambaí; e até mesmo ameaças de uma nova chacina, desta vez em uma escola indígena dentro da TI Amambaí

“Os ataques seguem em vários territórios… nenhum dos agressores foi preso, mas temos três lideranças Guarani Kaiowá presas”, afirma Vilhalva. “Eu sei bem o que é a violência contra nós, tenho até hoje uma bala alojada no meu peito, perto do coração, por causa de um ataque que sofremos anos atrás… nós resistimos, mas entristece demais, revolta”, diz.

  • Flyers da CPT sobre assassinatos na Amazônia e violência no campo
  • Participantes seguram bandeira do Brasil durante evento de lançamento de relatório da CPT sobre violência no campo
  • Integrantes do MST durante evento de lançamento de relatório da CPT

Em 2022, assassinatos no campo já superam o total ocorrido em 2020 

Ainda no evento ocorrido em Brasília, Andréia Silvério, uma das coordenadoras da CPT, apresentou dados preliminares – e preocupantes – da situação atual dos conflitos no país.

Para se ter ideia, o monitoramento da organização aponta que a pistolagem responde por quase 40% dos casos de violência letal contra pessoas e famílias camponesas em 2022. Segundo os mesmos dados, só nos primeiros seis meses de 2022 o número de assassinatos derivados de conflitos no campo no Brasil – 25 até aqui – já supera o total de mortes em todo o ano de 2020, quando ocorreram 20 homicídios.

“O não-reconhecimento dos direitos dos povos do campo, da floresta e das águas, o alinhamento do poder Executivo aos interesses do capital e do crime organizado e a impunidade dos crimes no campo são as principais causas dos conflitos”, diz Silvério.

A análise dos dados sobre violência no campo na última década aponta um crescimento recente, segundo a CPT, atingindo mais de cinco milhões de pessoas só nos últimos dois anos. Os assassinatos aumentaram 75% e os casos de trabalho escravo cresceram 113% em 2021, ainda de acordo com a organização.

Ilustração do mapa dos conflitos.

Mapa dos Conflitos

A Agência Pública tem destacado as nefastas consequências dos conflitos envolvendo povos e comunidades tradicionais na última década.

Feito em parceria com a CPT, o Mapa dos Conflitos revelou que mais da metade dos episódios violentos documentados no Brasil entre 2011 e 2020 ocorreram na Amazônia Legal. Mais de 100 mil famílias foram impactadas em cerca de sete mil ocorrências de conflitos na região no período.

Ainda entre 2011 e 2020, houve mais de duas mil vítimas de variados conflitos, incluindo o avanço de garimpeiros e de mineradoras, disputas fundiárias e por recursos naturais, entre outros tipos. Ao todo, ocorreram mais de 300 assassinatos ligados a disputas na Amazônia no período.

*Atualização às 11:00 de 04/08/2022: A reportagem informou que a pistolagem responde por quase 40% dos casos de violência, quando o correto seria violência letal. Corrigimos a informação.

Cláudia Pereira/CPT
Cláudia Pereira/CPT
Cláudia Pereira/CPT
Cláudia Pereira/CPT

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