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O lançamento nesta terça, 27, do novo Plano Safra para financiar a agricultura até o fim do ano que vem foi destacado pela mídia, de modo geral, pelos valores recordes que serão concedidos ao setor e pela sinalização que o governo Lula passa a fim de melhorar a relação com o agronegócio. Também recebeu atenção a orientação do plano por uma agricultura mais sustentável, com premiação para os produtores que adotarem práticas nesse sentido.
Não é de hoje que se tenta isso. Em 2011 foi criado o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), com o objetivo de financiar mudanças no campo que reduzissem as emissões de gases de efeito estufa provenientes das atividades agropecuárias, como plantio direto e integração lavoura-pecuária-floresta. A ideia era a ótima, a execução, nem tanto. Ao longo desse período, os recursos destinados para essas práticas sempre ficaram em torno de apenas 2% dos valores do Plano Safra. Ou seja, a agricultura tradicional, de alto carbono, continuava recebendo a maior fatia.
Já há algum tempo, especialistas em mudanças climáticas têm defendido que todo o Plano Safra deveria ser ABC. Ou seja, que critérios que garantissem não apenas baixas emissões, mas também o cumprimento das regras ambientais, fossem a regra, não a exceção. Isso ainda não veio com o novo plano, mas parece que um caminho interessante começará a ser trilhado.
Foram criados novos tipos de incentivos, como uma redução extra na taxa de juros de custeio para os produtores que adotarem práticas sustentáveis. Quem estiver com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) já analisado terá um corte de 0,5 ponto percentual. Ou seja, não basta só o produtor ter feito o cadastro, mas ele precisa estar validado pelo órgão ambiental para checar se ele está regular com a legislação ambiental ou se tem um passivo (um desmatamento ilegal, por exemplo). Nesse caso, o imóvel tem de entrar no Programa de Regularização Ambiental (PRA).
A adoção de práticas mais sustentáveis também pode render uma redução de 0,5 ponto percentual na taxa de juros: produção orgânica ou agroecológica, bioinsumos, tratamento de dejetos na suinocultura, pó de rocha e calcário, energia renovável na avicultura, rebanho bovino rastreado e certificação de sustentabilidade. Os descontos são cumulativos.
Bati um papo com o engenheiro agrícola Eduardo Assad, pesquisador aposentado da Embrapa e professor do FGV-Agro, para entender isso. Assad é um dos principais estudiosos no Brasil dos impactos das mudanças climáticas sobre a agricultura e é um dos pais do ABC. Já há tempos, ele vem se queixando que o projeto que tinha tudo para remodelar a agropecuária precisava receber mais recursos e engrossou o coro que pedia a incorporação desse critério em todo o Safra.
“A gente queria que acabasse com o ABC, para que todo o Safra virasse ABC. Não acabou, mudaram o nome para RenovAgro. O dinheiro específico ainda é pouco, mas se colocou em outras linhas de financiamento práticas correlacionadas com o ABC, então isso é bom”, ele me disse. “Acho que deu um bom chega pra lá nesse agro que é ruim, porque colocou a sustentabilidade como uma linha geral do plano. Pela primeira vez ficou muito clara uma posição de apoio a isso.”
Um dos sinais nesse sentido foi a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no evento de lançamento, que chegou a discursar dizendo que é “irreversível” a mudança rumo a menos emissões no setor.
“Com estímulos financeiros crescentes para produtores rurais que buscam uma produção mais sustentável e o aprimoramento das restrições, estamos dando passo certo, largo e irreversível rumo à transformação do nosso Plano Safra em um dos maiores programas globais de transição para uma agropecuária de baixa emissão de carbono, ao mesmo tempo em que caminhamos rumo ao desmatamento zero”, disse. “Quando o presidente Lula diz que seremos exportadores de sustentabilidade, podem ter certeza: os senhores poderão ser a linha de frente dessa exportação de sustentabilidade”, complementou.
“É um sinal para que o Plano Safra como um todo comece a considerar seriamente incentivos para que todas ou pelo menos várias das linhas de crédito que ele comporta sejam usados para fazer a transição para uma agropecuária de baixas emissões”, me disse Isabel Garcia Drigo, gerente de Clima e Emissões e de Inteligência de Dados e Territorial no Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). A ONG trabalha diretamente com produtores rurais e conhece as dificuldades para que as mudanças de fato sejam feitas.
A agropecuária brasileira é uma das atividades econômicas que mais emitem gases de efeito estufa no Brasil. Sozinha, ela é responsável por 27% do total, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg). Mas, quando se considera que ela é um dos principais vetores do desmatamento, aí essa participação sobe para quase três quartos do total.
A linha específica para o ABC, segundo Isabel, basicamente serve para quem já está em um estágio de transformação, quem já tem um caminho andado. “Mas a gente precisa introduzir nos outros programas do Plano Safra incentivos e monitoramento para saber, por exemplo, se esse dinheiro do custeio está sendo usado para manter pastagens viáveis, saudáveis e que contribuam para o sequestro de carbono, e não para emissão de gases do efeito estufa.”
A ideia, explica a pesquisadora, é que haja uma preocupação com tudo o que está sendo financiado dentro da propriedade, para qual caminho as práticas levam a agricultura.
“Não há como, de um dia para o outro, fazermos toda a nossa agricultura menos intensiva em carbono, mas podemos começar, e é isso que estamos fazendo aqui hoje. Estabelecendo etapas para que os produtores voluntariamente possam decidir por um modelo de produção que, sem deixar de ser economicamente atrativo e próspero, esteja também em sintonia com as necessidades e demandas globais”, acrescentou a ministra.
Vai ser interessante ver como vai se desenrolar isso.