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Empresa assessorou campanhas com contas falsas difundindo desinformação a favor de candidatos da esquerda à direita

Reportagem

Durante os meses que antecederam as eleições regionais venezuelanas em 21 de novembro de 2021, alguns candidatos de oposição perturbavam a certeza de mais uma vitória do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) – o partido governista – em vários governos. 

Em dezembro daquele ano, um trabalho da Caçadores de Fake News – uma mídia aliada da colaboração jornalística transfronteiriça Mercenários Digitais – descobriu que contas denunciadas por publicar de forma coordenada informação favorável aos candidatos do PSUV Jorge Arreaza, que aspirava a governador de Barinas, Héctor Rodríguez, de Miranda, e Carmen Meléndez, do Distrito Capital de Caracas, que tinham poucos seguidores, faziam parte de uma fazenda de “trolls”, ou seja, formavam um grupo de contas inautênticas que adotavam personalidades fictícias para contaminar secretamente a discussão online. 

Nesse estudo, a Cazadores identificou pelo menos 187 perfis ativos no Twitter – depois se descobriu que chegavam a 357 – que participavam de forma inautêntica e coordenada da conversa eleitoral online, exaltando candidatos governistas, rejeitando adversários ou instando estes a se absterem de participar das eleições e aderir à decisão de alguns partidos da oposição de boicotar o pleito. 

No “mapa” a seguir de 211 perfis do Twitter, que se assemelha a uma rede de pesca, cada ponto ou “nó” representa uma conta “troll”, enquanto cada linha que conecta esses “nós” indica que uma conta era seguidora da outra. As cores dos nós variam de acordo com o tema que cada conta estava promovendo. 

Assim, as contas magentas agiam como falsos opositores espalhando propaganda encoberta; as amarelas promoviam conteúdos favoráveis ao candidato Jorge Arreaza em Barinas e as vermelhas se coordenaram para gerar conteúdos favoráveis ao candidato do estado de Miranda, Héctor Rodríguez.

Mapa de clusters com 211 perfis do Twitter, que se assemelha a uma rede de pesca, cada ponto ou “nó” representa uma conta "troll", enquanto cada linha que conecta esses “nós” indica que uma conta era seguidora da outra. As cores dos nós variam de acordo com o tema que cada conta estava promovendo.

Aqui podem-se ver três das contas falsas em ação: a favor de Arreaza (esquerda), desfavoráveis a Freddy Superlano, seu adversário em Barinas (centro) e semeando dúvidas sobre a notícia de que o Tribunal Penal Internacional investigaria a Venezuela por violações de direitos humanos (direita):

Compilado de publicações de contas falsas no Twitter durante as eleições

Em outro estudo, no mês de abril seguinte, a Cazadores descobriu que havia pelo menos 357 contas falsas ou “trolls” participando simultaneamente de discussões públicas em Venezuela, Panamá, República Dominicana e Bolívia. Esse trabalho teve outra descoberta surpreendente. 

A partir de fevereiro de 2022, 147 das contas “trolls” começaram a convidar – de forma suspeitamente coordenada – os cidadãos a ingressarem na VenApp, uma rede social venezuelana até então desconhecida, que havia aparecido dias antes em outdoors em Caracas. 

Algumas semanas depois, confirmando o trabalho da Cazadores, o Twitter retirou do ar 352 dos 357 perfis identificados naquela rede social, e assim deixou claro que as contas denunciadas não eram utilizadas por usuários comuns, mas que o mesmo agente ou empresa as operava de forma coordenada não só para manipular o debate sobre as eleições na Venezuela, mas também estavam envolvidos em campanhas na Bolívia, no Panamá e na República Dominicana.

Agora, a Cazadores de Fake News, numa aliança com 21 meios de comunicação e quatro especialistas em investigação digital que cobrem a região, coordenada pelo Clip (Centro Latino-Americano de Investigações Jornalísticas, na sigla em espanhol), apurou que novas contas com características semelhantes à fazenda suspensa pelo Twitter continuam apoiando o presidente panamenho, Laurentino Cortizo, e seu vice, José Gabriel Carrizo. 

Além disso, pudemos conhecer mais a fundo a empresa de consultoria política Venqis, com sede no Panamá, que investigações anteriores já apontavam como suspeita de manipular a rede de falsos formadores de opinião, e seu proprietário, o brasileiro André Golabek. 

Graças a alguns documentos que foram enviados anonimamente a esta aliança jornalística, também levantamos a pergunta sobre o risco de um aplicativo do governo eletrônico na Venezuela ser usado para captar dados de cidadãos para fins eleitorais.

O falso apoio do PRD panamenho

Usuários do Twitter no Panamá denunciaram contas que pareciam ser falsas, publicadas em maio e novembro de 2022 e em fevereiro e abril de 2023. Seguindo o mesmo método que a Cazadores tinha usado para localizar os perfis falsos que o Twitter havia suspenso, esta aliança jornalística conseguiu identificar pelo menos outras cem contas “trolls” que publicavam conteúdo favorável ao vice-presidente José Gabriel Carrizo, agora candidato à Presidência nas eleições de 2024.

Vale ressaltar que algumas dessas contas inautênticas da rede detectadas em 2021 e 2022 que o Twitter suspendeu também tinham aplaudido Carrizo. Aqui mostramos alguns exemplos de como elas elogiam Carrizo e insultam um de seus concorrentes, o ex-presidente Martín Torrijos:

Compilado de publicações de contas falsas no Twitter durante as eleições

Desta nova geração com pelo menos cem novas contas “trolls” ativas no Panamá, 15 foram criadas em novembro de 2022, 22 em janeiro seguinte e 63 em março. Em média, elas têm menos de dois seguidores e tiveram apenas duas “curtidas” no tempo em que estiveram ativas.

Venqis e Golabek

Esta investigação e as anteriores têm encontrado indícios de que a Venqis SA, empresa panamenha de comunicação política, e seu presidente, André Golabek Sánchez, originário do Brasil e procurador de outras empresas do mundo digital, poderiam estar movimentando essas contas falsas.

Golabek Sánchez nasceu em São Paulo em 1977 e é conhecido nos tribunais do país por diversos problemas no passado. Uma busca no Tribunal de Justiça de São Paulo revela que ele tem pelo menos 18 ações – três trabalhistas, nove tributárias e outras seis cíveis, sendo uma de despejo. 

Ele também enfrentou processos criminais. Quando os funcionários do tribunal foram intimá-lo por uma denúncia de agressão em 2010, repetida em 2013, não conseguiram encontrá-lo. 

Em 2022, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou extinta a investigação pelo tempo decorrido, sem ser citado, já que a pena máxima para esse tipo de crime no Brasil é de um ano. Os autos do tribunal não especificam a que tipo de agressão o caso se refere. Golabek havia enviado a vários meios de comunicação documentação de que estava em paz e tranquilo com a justiça brasileira e de outros países.

Do lado dos negócios também há manchas em seu percurso. Ele criou a Sauber Maxx Indústria e Comércio Ltda em 1995, encerrada em 1998. Em seguida, constituiu a Jaguar Comércio Exterior Ltda, empresa que foi declarada inapta em 2005 por “prática irregular de operação de comércio exterior”. 

Os documentos da Receita Federal, no entanto, não detalham a operação irregular que levou ao fechamento do negócio. Em 2014 ingressou no mundo do software com a empresa Popstore do Brasil, que segue em atividade sediada num bairro privilegiado da capital paulista.

Agora, esta investigação jornalística constatou que há coincidências entre países e períodos em que a Venqis, empresa panamenha de Golabek (ou outras relacionadas), assessorou atores políticos ou institucionais, com as operações inautênticas e coordenadas detectadas pela Cazadores e eliminadas pelo Twitter. 

Na descrição de serviços para candidatos em processos eleitorais disponível em sua página oficial, a Venqis oferece serviços de planejamento estratégico, gestão de crises, gestão de campanhas – inclusive digitais – e avaliação de desempenho. 

Além disso, anuncia que faz análise de dados, desenvolvimento de aplicativos, algoritmos e gerenciamento de big data, o que sugere que possui recursos, ferramentas ou experiência para processar grandes coleções com milhões de dados:

Imagem apresenta descrição dos serviços prestados pela empresa Venqis

A empresa anuncia experiência no desenvolvimento de aplicativos (apps) de governo eletrônico (e-government) que permitem que os cidadãos se conectem com seus governos – para que escutem e atendam suas necessidades com mais eficiência – e que também é capaz de armazenar grandes volumes de dados de seus usuários.

Assim, por exemplo, os rastros digitais conectam a Venqis e outras empresas relacionadas a Golabek com o desenvolvimento de um app para o Provedor de Justiça do Panamá, dois para o Distrito Nacional da República Dominicana (Planeamiento ADN e MiSantoDomingo) e também o já mencionado VenApp da Venezuela, que, como dito acima, foi amplamente divulgado pela rede de contas falsas do Twitter. 

E é este último caso que começa a deixar pistas de que a possível conexão entre as inautênticas operações coordenadas na Venezuela e a Venqis poderia não ser apenas uma coincidência.

Em 19 de maio de 2022, o VenApp foi apresentado pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, como uma ferramenta digital “criada por venezuelanos”. Esta investigação jornalística, no entanto, descobriu que o aplicativo poderia ser baixado dos perfis de outra empresa, chamada Tech & People, na Play Store e na App Store. No mesmo ano, os perfis mudaram de nome para Cyber Capital Partners Corp. 

Procurando as políticas de privacidade da Tech & People – o que todo usuário deve fazer ao baixar um aplicativo para o celular, para garantir que não seja uma armadilha de captura de dados –, descobrimos que estavam hospedadas no site de outra empresa, chamada Nolatech.

Precisamente por trás dessas empresas está Golabek, presidente da Venqis, representante legal da Nolatech, empresa especializada na criação de páginas web e aplicativos de governo eletrônico, com sede no Panamá. Ele é diretor principal da Tech & People Solutions TPS, com sede na República Dominicana, e ex-diretor da empresa panamenha Cyber Capital Partners Corp. (esta mudou seu nome para Amyr Trading Company Inc. em setembro de 2022, mas Golabek continua sendo seu representante). 

Assim, o VenApp não foi desenhado por venezuelanos, mas por uma empresa panamenha, ligada a outras da mesma nacionalidade e uma dominicana, todas ligadas ao nome de Golabek, o chefe da Venqis.

Outdoors em Caracas e redes de propaganda convidaram os venezuelanos a baixar o VenApp, uma ferramenta para que as pessoas denunciem falhas nos serviços públicos e outros problemas da vida cotidiana. 

Esse aplicativo veio complementar o trio de plataformas digitais controladas pelo governo Maduro – junto com o Sistema Patria e o Sistema 1×10 del Buen Gobierno –, capazes de gerenciar e armazenar grandes quantidades de dados dos cidadãos e que o governo tem apresentado, segundo anunciou neste vídeo, como canais para governar de forma mais eficaz.

Levando em conta que o governo venezuelano já enfrentou acusações anteriores por irregularidades em processos eleitorais e por ter implementado táticas de autoritarismo digital, que incluem cibervigilância, censura em redes sociais e monitoramento e compensação de tweeters que amplificam a propaganda do governo, cabe perguntar se os dados que a VenApp coleta poderiam ser usados para dar vantagem ao governista PSUV na próxima disputa eleitoral.

VenApp é um aspirador de dados para ganhar eleições?

De acordo com sua política de privacidade, o VenApp pode solicitar de cada usuário um volume considerável de dados pessoais, incluindo elementos básicos de identificação pessoal, como nome, email e telefone, até detalhes mais precisos, desde que sejam fornecidos pelo usuário durante o envio de relatos ou denúncias, como seu endereço completo e a localização exata do local de onde são enviadas denúncias pelo app, como falhas em serviços públicos ou atos de corrupção.

Aqui pode-se ver que quando os usuários do VenApp fazem denúncias online o aplicativo solicita seus dados pessoais como nome, endereço e localização georreferenciada da denúncia:

Reprodução da tela de denúncia para os usuários do aplicativo VenApp

Como essa enorme captura de dados ocorre num país com um atraso significativo no desenvolvimento de leis de transparência e proteção de dados, organizações não governamentais e ativistas digitais venezuelanos expressaram sua preocupação de que possam ser usados para aumentar a eficiência da máquina eleitoral chavista.

O acesso a grandes volumes de dados pessoais de eleitores coletados pelo VenApp – que incluem incidentes geolocalizados de serviços públicos – pode permitir ao governo venezuelano microssegmentar o eleitorado, ou seja, dividi-lo em grupos muito pequenos para os quais mensagens personalizadas poderão ser direcionadas em futuras campanhas eleitorais, com base em seus interesses, preocupações e necessidades. 

Ao dispor de informação específica sobre as necessidades ou deficiências dos serviços públicos em determinadas localidades, o partido governante poderia utilizar esses dados para potencializar a eficácia de sua estratégia de campanha de forma localizada.

Um precedente ocorrido na América Latina sustenta a preocupação de que um aplicativo de governo eletrônico funcione como um “aspirador de dados” que poderia ser posteriormente oferecido a partidos políticos durante um processo eleitoral. 

É o caso do Sosafe, app que se alimenta de relatos de cidadãos chilenos e foi desenvolvido pela Instagis, outra empresa especialista em big data, como a Venqis, que também já foi fornecedora de softwares e ferramentas no Chile em épocas eleitorais. 

Segundo uma investigação da Ciper Chile, a Instagis forneceu o software que serviu para georreferenciar as áreas onde a campanha de Sebastián Piñera deveria se intensificar no porta a porta, para garantir votos nos setores mais críticos.

A questão sobre o VenApp e o possível uso que poderia dar aos dados até agora era meramente especulativa. No entanto, no início de 2023, esta aliança jornalística recebeu um pacote de informações anônimas da interface do hub VenApp, um vazamento composto por dezenas de capturas de tela das diferentes seções do painel de administração. 

Após um processo de verificação dos dados, concluímos que se trata de um conteúdo autêntico e legítimo. O vazamento obtido revelou que a informação que essa plataforma armazena sobre seus usuários inclui outros dados sensíveis, de alto interesse partidário e eleitoral. 

Estes podem ser cedidos por seus usuários e incluem elementos como o número do Carnet de La Patria e o centro de votação atribuído.

Como pode ser visto aqui, no painel de moderação do aplicativo VenApp, os usuários podem ser classificados de acordo com vários campos, dois dos quais são de relevância organizacional e eleitoral para o PSUV: a filiação do usuário às Unidades Bolívar Chávez (UBCh) e se o usuário é “membro do partido”:

Reprodução da tela de usuários do aplicativo VenApp

No entanto, as informações sobre a que partido político os usuários pertencem não estão explicitamente listadas no hub do VenApp.

Reprodução da tela de usuários do aplicativo VenApp

No mesmo painel de moderação há uma seção na qual 13.469 centros de votação são identificados com suas coordenadas geográficas. Essa lista foi incluída no aplicativo em novembro de 2021, três meses antes de o nome VenApp ser mencionado no Twitter, de forma coordenada, pela rede de contas falsas e seis meses antes de ser apresentado oficialmente, em rede nacional, pelo presidente Maduro.

A participação da Venqis no desenvolvimento do VenApp e também na campanha do PSUV para as eleições regionais de 2021 revelou sua conexão com o partido no poder e levanta questões sobre possíveis conflitos de interesse. Por isso, quando Nicolás Maduro garantiu que o VenApp havia sido desenvolvido “por venezuelanos”, é possível que ele quisesse desviar a atenção do fato de que uma ou mais das empresas relacionadas a Golabek haviam participado do desenvolvimento do VenApp.

A criação ou operação de contas falsas não pode ser atribuída com certeza à Venqis. No entanto, a revelação desse vazamento de que os cidadãos podem ser classificados por seções eleitorais aumenta as dúvidas sobre o tratamento ético dos dados pessoais dos usuários do VenApp e a incerteza sobre se eles poderiam ser explorados em favor do PSUV nas próximas eleições presidenciais.

Venqis na campanha presidencial boliviana

Mais uma polêmica em fevereiro de 2022 na Bolívia envolveu a Venqis e uma consultoria sua em comunicação. Segundo informações do Página Siete, a Venqis participou de uma licitação com vistas à obtenção de um contrato para a realização de uma campanha publicitária no bloco exploratório Astillero, área onde se concentram as reservas de gás natural que, ao menos parcialmente, coincidem com a reserva natural de Tariquía, no departamento de Tarija.

Um documento confidencial do processo de licitação para a campanha revelou que um dos objetivos da estratégia de comunicação era “promover uma mudança de percepção sobre as atividades de exploração em áreas protegidas e comunicar o cumprimento da norma aplicável ao projeto Astillero e os benefícios deste”.

Em Tarija, vários legisladores da oposição expressaram preocupação por possíveis conflitos de interesses, devido à participação da Venqis como assessora da campanha presidencial do atual presidente boliviano, Luis Arce, em 2020. A referida investigação da Cazadores de Fake News em abril de 2022 documentou como a fazenda de trolls tentou manipular a conversa no Twitter para combater o conteúdo online anti-Venqis.

Um subgrupo de dez contas pertencentes à mesma fazenda de “trolls” que havia postado conteúdo falso durante a campanha eleitoral da Venezuela começou a tuitar mensagens em defesa da empresa panamenha. As contas também atacaram meios de comunicação bolivianos que sugeriram que a Venqis poderia estar envolvida num esquema de corrupção ou pagamentos indevidos, destacando a “ignorância” dos deputados encarregados de investigar o caso e sugerindo que os jornalistas locais “se deixam levar por propina”, entre outras acusações.

Meses antes, algumas dessas contas falsas haviam postado mensagens de apoio a Luis Arce, atual presidente da Bolívia, e divulgado conteúdo relacionado ao programa Diesel Renovável da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). Aqui estão alguns exemplos de como contas fraudulentas que foram suspensas pelo Twitter responderam a tuítes relacionados à Venqis postados por contas bolivianas em 15 de fevereiro de 2022:

Compilado de publicações de contas falsas no Twitter durante as eleições

Mas a polêmica começou a se diluir quando Óscar Salazar, diretor de comunicação da YPFB, garantiu que a Venqis não tinha sido escolhida no concurso e que este tinha terminado sem contratação. 

Golabek, o presidente da Venqis, admitiu ter apoiado a campanha de Arce, dizendo acreditar em seu projeto político. 

Ele garantiu que não recebeu nenhum pagamento pelos serviços prestados durante aquela campanha e esclareceu que havia participado apenas de um contrato de comunicação para a YPFB Chaco – a campanha “Diesel Renovável” –, mas que esta foi concluída em março de 2021.

No entanto, esta investigação descobriu um documento confirmando a participação da Venqis, pelo menos parcialmente, na campanha presidencial em favor de Arce. 

Em carta datada de 11 de novembro de 2020, disponível no site de transparência da Direção Geral de Contratos Públicos do Panamá e entregue como parte de uma proposta da Venqis para a reformulação de um site do Ministério da Economia e Finanças daquele país, Antonio Jadue Amarayo, presidente da Coletividade Palestina da Bolívia, assegurou ao ministério panamenho que a Venqis desenvolveu o site da campanha “luchopresidente.com”, “conforme o que foi solicitado”:

Reprodução proposta de projeto que a Venqis entregou ao Ministério da Economia e Finanças do Panamá

No perfil pessoal de Jadue no Twitter, ele aparece em várias fotos na companhia de executivos da Venqis – entre eles André Golabek – e do presidente Arce, poucas semanas depois de vencer a disputa eleitoral em 18 de outubro de 2020.

Publicações de Antonio Jadue no Twitter

Pegadas digitais unindo campanhas

Existem outras evidências disponíveis em fontes abertas que provam que a Venqis e outras empresas ligadas a André Golabek Sánchez participaram de campanhas políticas e consultorias de comunicação exatamente nos mesmos países e campanhas em que foi detectada a atividade de dezenas de contas falsas no Twitter.

No site do arquivo de transparência da Direção Geral de Contratos Públicos do Panamá, está disponível uma proposta apresentada pela Venqis em outubro de 2020 – em meio à pandemia – à Universidade Autônoma de Chiriquí, para desenvolver um programa estratégico de comunicação para educação à distância. 

Em sua proposta, ele informa que a empresa prestou assessoria institucional a diversas entidades do governo panamenho, ao Partido Revolucionário Democrático (PRD) – que levou Laurentino Cortizo à Presidência em 2019 –, à própria Presidência panamenha e à Prefeitura do Distrito Nacional da República Dominicana.

Reprodução de proposta de projeto que a Venqis entregou no Panamá

Em uma proposta de projeto que a Venqis entregou no Panamá e disponível num arquivo de transparência, consta que a empresa prestou assessoria institucional a vários ministérios panamenhos e à Presidência da República Dominicana

Relatórios do Tribunal Eleitoral do Panamá revelam que a Venqis foi contratada pelo PRD entre abril de 2018 e março de 2021 e que recebeu 21 cheques no valor total de US$ 94.160 por “serviços profissionais de comunicação e gerenciamento de redes sociais”, entre os quais tarefas de escuta ativa em plataformas como Twitter, Facebook e Instagram.

As conexões entre as consultorias de comunicação e as campanhas digitais da Venqis, Nolatech e Tech & People na América Latina foram confirmadas por pegadas digitais deixadas por domínios de páginas da web, obtidas de fontes abertas como SecurityTrails.com. 

Coincidências em endereços IP associados a contratos de comunicação digital, aplicativos de governo como VenApp e campanhas eleitorais promovidas pela empresa deixaram evidências de seu trabalho no Panamá, Venezuela, Bolívia, República Dominicana e Honduras.

No início de 2022, quando foi detectada a fazenda de “trolls” promovendo secretamente propaganda e desinformação na Venezuela, e depois de identificar essas coincidências com a atividade da empresa na Venezuela, Bolívia, Panamá, República Dominicana e Honduras, surgiu a necessidade de verificar se havia contas “trolls” no Twitter que pudessem ter promovido – secretamente – campanhas para clientes da empresa na Bolívia, Panamá, República Dominicana e Honduras. 

O que de fato se confirmou, quase totalmente: contas falsas da mesma fazenda de “trolls” publicaram conteúdo em apoio a Jorge Arreaza, candidato do PSUV na Venezuela, e também ao presidente Luis Arce e ao programa Diesel Renovável na Bolívia. 

Outros trolls, igualmente ligados à campanha na Venezuela, publicaram respostas dirigidas a David Collado, ex-prefeito do Distrito Nacional e atual ministro do Turismo da República Dominicana, a José Gabriel Carrizo, atual vice-presidente do Panamá, e ao Partido Revolucionário Democrático do Panamá.

Por exemplo, contas que no final de 2021 se identificavam como usuários de Barinas, na Venezuela, publicando conteúdo sociopolítico para esse público, mudaram sua localização para o Panamá no início de 2022, promovendo o Partido Revolucionário Democrático e o vice-presidente panamenho, José Gabriel Carrizo. 

Outros que atacaram a mídia boliviana em fevereiro de 2022, levantando a voz durante a polêmica da Venqis no país, em abril de 2022 deletaram todos os seus tuítes, mudaram sua localização para Panamá e seguiram ou foram seguidos por outras contas “trolls” que publicaram conteúdo de propaganda do PRD.

Aqui, por exemplo, você pode ver uma conta que em setembro de 2021 espalhou propaganda na Venezuela (esquerda, centro) e em março de 2022 fez o mesmo com o Partido Revolucionário Democrático do Panamá (direita):

Compilado de publicações de contas falsas no Twitter durante as eleições

A exceção à regra foi Honduras, onde não foram encontradas contas falsas com características semelhantes.

Os desafios do Twitter diante das operações de manipulação

Aqueles que gerenciam redes sociais geralmente são claros sobre atividades de manipulação em suas plataformas com contas falsas para distorcer a conversa e espalhar desinformação.

Portanto, esta equipe entrevistou Yoel Roth, que atuou como Diretor de Confiança e Segurança no Twitter – a equipe encarregada de redigir e aplicar consistentemente políticas anti-spam e manipulação na rede social – antes que Elon Musk adquirisse a plataforma. 

Foi enquanto ele estava no cargo que a Cazadores de Fake News publicou e enviou para o Twitter as duas reportagens da rede com as 357 contas de “trolls” que contaminaram a conversa online para audiências na Venezuela, Bolívia, Panamá e República Dominicana.

Roth confirmou que estava ciente de vários casos semelhantes ao relatado pela Cazadores em 2021 e 2022, mas como não conseguia mais acessar os logs internos do Twitter não poderia fornecer contexto sobre a suspensão da rede. 

“Em pelo menos uma ocasião, o Twitter divulgou oficialmente atividade originária da Venezuela que parece semelhante à citada nessas reportagens. A atividade que identificamos não parou, mas nossas investigações continuaram até que a equipe responsável por ela foi dissolvida após a aquisição do Twitter por Elon Musk”, disse Roth na entrevista. 

Ele renunciou ao cargo em novembro de 2022, em meio a uma onda de renúncias e demissões.

Pedimos que ele nos contasse, com base em sua experiência, como esse tipo de operação de influência afeta os cidadãos.

“As pessoas vão às redes sociais para falar de política e atualidade, e devem poder fazê-lo sem se preocupar se o que veem é produto de uma manipulação inautêntica”, afirmou,  sustentando que são as próprias redes sociais que estão na melhor posição para identificar e desmantelar essas operações manipulativas em seus ambientes. 

“Elas têm que fazer isso para promover um discurso cívico saudável e confiável. Caso contrário, serão menos confiáveis, menos seguras e podem levar à disseminação de desinformação que incita à violência.”

O diretor da Venqis, André Golabek Sánchez, foi contatado por nossa equipe via email no dia 12 de julho com seis perguntas para saber sua versão dos fatos aqui descritos. No entanto, até a data de publicação deste texto, não recebemos uma resposta às nossas perguntas.

Esta reportagem pertence ao Especial Mercenários Digitais, que revela empresas de marketing político ligadas à extrema direita. Mercenários Digitais é uma colaboração transnacional que reúne vários veículos da América Latina liderados pelo Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP).

*Tradução: Luiz Roberto M. Gonçalves

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Cazadores de Fake News
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Prensa Presidencial de Venezuela (Twitter)
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Cazadores de Fake News

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